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'O dia em que o Talibã levou meu pai'

Mulher conta à BBC como foi ter tido seu pai levado pelo Talebã quando ela tinha só 10 anos, em 1999 - AFP
Mulher conta à BBC como foi ter tido seu pai levado pelo Talebã quando ela tinha só 10 anos, em 1999 Imagem: AFP

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31/08/2021 11h48Atualizada em 31/08/2021 11h52

Enquanto o Talibã se prepara para formar um novo governo no Afeganistão, uma mulher conta à BBC a história de como sua família foi dividida quando seu pai desapareceu durante o regime talibã em 1999, antes da guerra.

Friba, que mora em Londres, tinha 10 anos quando viu seu pai pela última vez em sua casa na cidade de Herat, no oeste do Afeganistão.

Sua família acredita que ele tenha sido sequestrado pelo Talibã.

Essa é a sua história. Os nomes foram removidos para proteger a identidade das pessoas afetadas.

"Viver sob o controle do regime talibã é como estar em um relacionamento abusivo. No começo, está tudo bem. Eles fazem muitas promessas, são cautelosos e até mantêm algumas de suas promessas.

Mas enquanto você está sentindo uma falsa sensação de segurança, eles estão executando seus planos.

Em breve, à medida que o mundo ficará gradualmente cansado do Afeganistão e a mídia se voltará para outras notícias, o Talibã estará fortalecendo seu poder a cada dia e o ciclo selvagem começará de novo.

Meu pai nasceu em Herat e se formou na Universidade de Cabul.

Depois da faculdade, ele se casou e começou a trabalhar em uma pequena equipe do governo afegão na época.

Quando os russos foram embora e os mujahideen assumiram o poder, meu pai encontrou trabalho em uma ONG.

Com a chegada do Talibã em Herat, meu pai teve a chance de fugir, mas ele ficou. Ele amava seu trabalho e amava Herat.

Eu nunca vou esquecer o rosto da minha mãe

A vida era brutal sob o regime do Talibã. Meu pai tinha quatro filhas que estavam sendo roubadas de uma educação, e um menino.

Mas seu trabalho era gratificante, ele tinha ambições, para ele e para nós, e trabalhar com animais tornava a vida um pouco mais suportável.

Certa manhã, em meados de junho de 1999, meu pai acabava de tomar o café da manhã e se preparava para sair para o trabalho.

Ele olhou para mim e sorriu enquanto subia em sua bicicleta e ia embora.

Poucos minutos depois, alguns vizinhos apareceram à nossa porta com suas bicicletas. Eles disseram que o Talibã o havia levado.

Jamais esquecerei o rosto de minha mãe. Estava congelado, em choque.

Ela pegou a mão do meu irmão de cinco anos e saiu correndo, desesperada para encontrá-lo.

Naquela noite, minha mãe voltou com o peso do mundo sobre os ombros.

Não havia notícias de meu pai, onde ele poderia estar ou mesmo se ele estava vivo.

Meus tios e alguns amigos tentaram sem sorte descobrir onde ele estava detido.

Todos os dias, minha mãe visitava os escritórios do Talibã, mas eles se recusavam a ouvi-la.

Depois de esgotar todos os meios possíveis, meu tio foi a Kandahar porque soube que o Talibã havia feito alguns prisioneiros lá. Mas não havia notícias.

Então ele foi para Cabul e Mazar-i-Sharif, mas ele também não estava lá.

Nossos vizinhos, que testemunharam sua prisão, tinham certeza de que viram como os mesmos membros do Talibã haviam sequestrado outros vizinhos e depois os libertado de uma prisão em Herat.

Minha mãe era forte, uma leoa, e não ia desistir.

Contra conselhos da família, ela levou meu irmão (porque sob o governo do Talibã, ela só podia viajar com um homem, mesmo que ele fosse apenas um menino) e foi para Kandahar, para o escritório do líder do Talibã, Mullah Omar.

O Talibã a espancou e ameaçou. Eles disseram que se a vissem novamente, ela seria apedrejada até a morte.

Minha mãe voltou para casa decepcionada e derrotada.

Não podemos perdoar o Talibã

A vida sob o Talibã passou de um inferno para um buraco negro de desespero.

Minha mãe, temendo por nossas vidas, decidiu deixar o Afeganistão e nos levar para Mashhad, no Irã.

Em 2004, quando as coisas melhoraram no Afeganistão, retornamos. Queríamos estudar e fazer algo por nós mesmos.

Nosso pai tinha esperanças que queríamos cumprir.

Ainda me lembro de seu sorriso charmoso, e ainda tenho a caneta que ele me deu.

Não podemos lamentar sua vida, e não vamos esquecê-lo.

Enquanto assistimos às notícias sobre como o Talibã está tomando o Afeganistão novamente, temo que a história se repita.

Agora sou casada e moro na Inglaterra. Mas temo por minha mãe, minhas irmãs e meu irmão, que ainda estão no Afeganistão, e pelas milhões de famílias que sentirão dor e sofrerão perdas como nós.

Seu único crime, ter nascido no Afeganistão."

* Produzido por Rozina Sini