Os crimes atribuídos a Bolsonaro por juristas em relatório à CPI da Covid
A CPI da Covid recebeu esta semana um relatório elaborado por juristas brasileiros que afirma que o presidente Jair Bolsonaro pode ter cometido diversos crimes na gestão da pandemia de coronavírus.
A CPI da Covid recebeu esta semana um relatório elaborado por juristas brasileiros que afirma que o presidente Jair Bolsonaro pode ter cometido diversos crimes na gestão da pandemia de coronavírus, inclusive crimes de responsabilidade, que podem desencadear processos de impeachment.
O documento chega às mãos dos senadores em um momento em que a comissão ? instaurada no começo deste ano para apurar responsabilidades de autoridades na gestão da pandemia de coronavírus no Brasil ? se prepara para encaminhar seu relatório final com o resultado dos trabalhos.
A CPI tem sido marcada por fortes críticas a Bolsonaro na gestão da crise, e espera-se que o relatório final da comissão impulsione pedidos de impeachment contra o presidente. No entanto, qualquer pedido de impeachment precisa ser aprovador pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que é aliado de Bolsonaro.
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O documento, elaborado pelos juristas ao longo de três meses, afirma que "não são poucas as situações que, ao ver da comissão de especialistas, merecem o aprofundamento das investigações pelos órgãos de controle do Estado brasileiro, assim como são bastante evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais".
"O que restou evidente até o momento da conclusão dos trabalhos da comissão de especialistas é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização. Não se trata, apenas, de descumprimento de deveres por parte dos gestores públicos, mas, também, da recusa constante do conhecimento científico produzido ao longo do enfrentamento da pandemia do covid-19", diz o texto.
O relatório de 226 páginas foi feito em junho deste ano a pedido do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). No requerimento número 826 deste ano, o senador pedia um "estudo por renomados juristas e pesquisadores de diferentes universidades brasileiras, liderados pelo Professor Salo de Carvalho, acerca da imputação penal potencialmente cabível aos responsáveis por ações e omissões no combate à pandemia".
O professor Carvalho envolveu-se com o início dos trabalhos, mas acabou deixando o relatório, que ficou a cargo de Miguel Reale Júnior ? o mesmo jurista cuja denúncia em 2015 deu início ao processo que culminou no impeachment da então presidente do Brasil, Dilma Rousseff.
Assinam o documento outros três juristas: Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wünderlich.
Bolsonaro e seu governo rebateram ao longo dos meses os indícios levantados pela CPI, que agora estão reunidos e analisados do ponto de vista legal no documento dos juristas.
Confira abaixo os cinco crimes que o governo de Jair Bolsonaro teria cometido, segundo as conclusões do relatório.
1. Crimes de responsabilidade
O documento lista sete áreas de atuação onde o presidente Jair Bolsonaro e autoridades de saúde do governo federal teriam cometido crimes de responsabilidade.
Entre as áreas estão o projeto de imunização de rebanho, atos contrários à precaução contra covid, promoção de medicamentos sem eficácia comprovada, a atuação do governo federal em Manaus e erros no processo de compra de vacinas da Pfizer e do Butantan.
"O Presidente da República foi ao longo de fevereiro e março de 2020 reiteradamente colocado a par dos graves problemas decorrentes da pandemia que levara à decretação da Emergência Nacional, a se ver pelas reuniões ministeriais ocorridas com sua presença no Palácio do Planalto", dizem os juristas.
"(...) Não houve de sua parte senão obstáculos ao cumprimento das medidas indicadas como imprescindíveis para proteção da vida da população e de defesa de sua saúde em face da disseminação do vírus da covid-19"
"O Presidente da República colocou a garantia da continuidade da plena atividade econômica acima da adoção das medidas preconizadas pelos especialistas e pela OMS, manifestando insensível indiferença às mortes que ocorreriam, 'pois todos vamos mesmo morrer um dia', tomando decisões planejadas de minimizar a prevenção obstaculizando o uso de máscaras; ampliando o rol de atividades essenciais não sujeitas à limitação de trabalho; participando de aglomeração em espaços fechados ou abertos e autorizando atividades em templos e escolas; propagando todos os dias a adoção de tratamento precoce não cientificamente constatado e, por vezes, prejudicial à saúde."
"Por fim, conspirando contra as vacinas, seja ao não adquiri-las, seja instalando no espírito da população desconfiança acerca de sua eficácia e mesmo sugerindo serem prejudiciais."
Os juristas também citam a suposta formação de um "ministério sombra" formado por assessores informais em reuniões no Palácio do Planalto que tinham como objetivo promover a ideia de imunização de rebanho.
O relatório afirma que Bolsonaro poderia ser enquadrado no Artigo 85 da Constituição Federal, por crime de responsabilidade por "atentar contra o exercício de direito individual e social, no caso o direito à vida e à saúde".
"A Lei 1.079/50, relativa aos crimes de responsabilidade, dispõe no seu art. 7º, número 9, que constitui crime 'violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no art. 157 da Constituição'. (A lei referia-se a artigos da Constituição de 1.946, correspondentes aos arts. 5 e 6 da Constituição atual). "
2. Crimes contra a saúde pública
Neste item, os juristas desdobram o argumento contra a gestão feita pelo governo federal em três crimes: crime de epidemia, crime de infração de medida sanitária preventiva e crimes de charlatanismo.
O Artigo 267 do Código Penal prevê punições para quem "causa epidemia".
"Causar epidemia significa, aqui, contribuir de forma relevante para o resultado verificado in concreto, como é amplamente corrente em direito penal", escrevem os juristas.
"Como visto, o sr. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro praticou atos de manifestação pública e atos normativos claramente no sentido de causar a propagação da epidemia, seja para buscar a imunidade de rebanho, seja para supostamente privilegiar a economia em detrimento da vida e da saúde da população brasileira."
Na infração de medidas sanitárias, os juristas citam as diversas aglomerações promovidas por Bolsonaro e o não-uso de máscara do presidente e outras autoridades. O crimes está previsto no artigo 268 do Código Penal: "Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".
Também é citada a Lei 14.019/20 que prevê a possibilidade de imposição de sanção pelos órgãos federais àqueles que descumprirem o uso de máscaras obrigatório.
Na parte sobre charlatanismo, o relatório cita a promoção que Bolsonaro fez de medicamentos sem eficácia comprovada ou comprovadamente ineficazes, como ivermectina e hidroxicloroquina, no combate à covid. Esse crime está previsto no artigo 283, de "inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível".
3. Crime contra a paz pública
Esse crime estaria previsto no Artigo 286: "de incitar, publicamente, a prática de crime" ao estimular o desrespeito a quarentenas e uso de máscaras.
"O Presidente reiteradamente incitou as pessoas a não cumprirem com estas obrigações, até mesmo delas fazendo chacota e as apodando de limitadoras da liberdade de ir e vir e não protetivas da saúde e da vida como efetivamente são."
"De outra parte, provocou pessoas, que efetivamente o fizeram, a invadir hospitais com a falsa desconfiança de ser mentira a alta ocupação de leitos da UTI."
No dia 10 de junho, Bolsonaro disse durante uma transmissão ao vivo no seu Facebook: "Pode ser que eu esteja equivocado, mas, na totalidade ou em grande parte, ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou leito de UTI. Pode ser que tenha acontecido um caso ou outro. Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não".
4. Crimes contra a administração pública
Nesta parte, os juristas listam as negociações entre o governo federal e empresas e órgãos para aquisição das vacinas Coronavac e Covaxin. Além disso, os juristas falam no caso da empresa Davati, em que doses de vacinas foram oferecidas por um preço mais caro ao governo federal.
No caso da compra da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, o texto afirma não haver prova de "qualquer ilícito penal".
Sobre o caso da Davati, em que as investigações da CPI mostraram que a empresa sediada nos Estados Unidos ofereceu 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca, a serem adquiridas no mercado secundário, os juristas acreditam que houve crime de corrupção passiva.
Nesse caso, os crimes não são imputados pelos juristas a Bolsonaro, mas sim a diretores do Ministério da Saúde e executivos da empresa. Esses crimes estão previstos no Artigo 317 do Código Penal: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".
No caso da vacina indiana Covaxin, o Ministério da Saúde firmou contrato com a Precisa Medicamentos, que representava a farmacêutica indiana Bharat Biotech. No entanto, descobriu-se que problemas nos documentos e no preço da vacina, e o contato acabou sendo cancelado.
Os juristas listam estelionato e falsificação de documentos como crimes supostamente provocados por empresas privadas. No caso de agentes públicos, o relatório afirma que podem ter sido cometidos os crimes de advocacia administrativa e prevaricação.
5. Crimes contra a humanidade
Por fim, o relatório diz que Bolsonaro teria cometido crimes contra a humanidade, na desassistência a povos indígenas e na crise do abastecimento de oxigênio durante o surto de coronavírus em Manaus, em janeiro deste ano.
Os juristas citam crimes que estão previstos no Estatuto de Roma, criado em 1998 e ao qual o Brasil aderiu em 2002, que cria o Tribunal Penal Internacional.
"Presentes, portanto, os elementos que autorizam a conclusão de que os atos e omissões deliberados da Presidência da República, diretamente ou por seus órgãos, em especial o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello, traduzem a existência dos elementos contextuais de crimes contra a humanidade previstos no artigo 7º (1)(k) do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, consistentes na inflição de atos desumanos de extrema gravidade e que causaram, e continuam a causar, grande sofrimento, mortes, lesões corporais graves, danos duradouros à saúde física e mental de pacientes, e danos materiais e psicológicos às famílias e aos profissionais de saúde", afirma o texto.
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