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Venezuela tem 'mega eleições' com oposição de volta à disputa

Os resultados nas urnas revelarão como a Venezuela caminha - e quem vai liderar o país - para uma transição política - EPA
Os resultados nas urnas revelarão como a Venezuela caminha - e quem vai liderar o país - para uma transição política Imagem: EPA

Daniel Pardo - Enviado especial a Caracas

21/11/2021 21h28

Neste domingo, a oposição majoritária retorna às eleições na Venezuela. Desta vez, mais do que a permanência de Maduro no poder, os resultados revelarão como a Venezuela caminha - e quem vai liderar - para uma transição política.

As eleições, depois de anos de boicote da oposição, voltam a acontecer na Venezuela neste domingo (21/11).

Nas "mega eleições", 3.082 cargos serão eleitos: 23 governadores, 335 prefeitos e centenas de cadeiras em conselhos locais.

Eleições nas quais o chavismo enfrenta um amplo setor da oposição que, em sua maioria, não reconheceu o sistema eleitoral nas eleições presidenciais de 2018 ou nas legislativas de 2020.

Desta vez, também haverá observação imparcial das eleições. E um interesse internacional em saber se o governo de Nicolás Maduro pode garantir a competição democrática.

"Neste domingo vamos dar boas notícias ao mundo", disse o presidente venezuelano.

Os venezuelanos vão às urnas em um momento raro para o país: após décadas de profunda polarização, a política deixou de ser uma das principais preocupações do povo e a dolarização de fato e a abertura econômica tornaram possível mitigar a crise, ativar produção e aliviar parcialmente as necessidades urgentes.

Soma-se isso ao fato que um quinto dos 21 milhões de venezuelanos inscritos para votar não poderão porque estão no exterior, para onde viajaram fugindo da crise.

Por isso, uma das chaves para esses governos regionais e municipais é se, e por quanto, será superada a pequena participação de 30% das pessoas nas eleições legislativas de 2020, nas quais o chavismo venceu sem competição real.

E neste domingo, embora a oposição participe, é provável que o chavismo volte a prevalecer.

"É claro que, por conta da abstenção e das desigualdades na disputa, a principal força política do país será o chavismo", diz a consultora de política Colette Capriles.

"Mas é por isso que essas eleições servirão mais como uma espécie de prévia, uma medida de forças, dentro de cada lado."

Tanto o chavismo quanto a oposição chegam divididos, afetados por uma série de desqualificações, intervenções e proibições que para muitos não garantem um processo verdadeiramente democrático. Em ambos os lados, há dezenas de candidatos frustrados com decisões judiciais.

No entanto, a renovação em maio dos reitores no Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a observação eleitoral internacional e alguns compromissos firmados no processo de negociação no México dão, para alguns, a noção de que uma transição democrática está nascendo timidamente.

"Temos que reconstruir as nossas instituições", afirma Enrique Márquez, político da oposição e agora reitor da CNE, órgão que regula as eleições e é composto há anos por membros nomeados pelo chavismo.

"Mas para isso temos que ir aos poucos, como quem reorganiza uma casa, pouco a pouco (...) Agora, pelo menos podemos dizer com absoluta certeza que no campo eleitoral, depois de várias auditorias e processos de modernização, teremos mais uma vez um voto seguro, protegido e secreto", acrescenta.

Por que essas escolhas são diferentes?

As eleições terão a observação de uma missão da União Europeia, outra das Nações Unidas e uma do Carter Center, orgãos especializados em processos eleitorais.

Desde as eleições legislativas de 2015, em que a oposição venceu por ampla margem, a observação de entidades internacionais neutras foi reduzida até desaparecer.

Se em 2020 estas comissões eleitorais justificaram a sua ausência por "falta de condições democráticas", argumento da oposição, agora, pelo menos a princípio, estão moderadamente satisfeitas.

Apesar de dezenas de políticos estarem desqualificados, proibidos ou mesmo presos, a renovação da CNE tem sido vista como uma evolução sem precedentes nas últimas décadas.

Desde 2006, o presidente do CNE é Tibisay Lucena, hoje ministro do gabinete de Maduro. E a representatividade dos reitores foi sempre questionada pela oposição, que tinha apenas um dos cinco representantes no corpo eleitoral.

"As sanções dos Estados Unidos obrigaram o governo a ceder em várias áreas e esta renovação da CNE é uma delas", afirma Luis Vicente León, analista e pesquisador.

Hoje, a oposição conta com dois dos cinco reitores do CNE, diferença que, segundo Márquez, resultou, entre outras garantias, em "teremos sólidos sistemas de acreditação de testemunhas".

O dilema da oposição

A outra grande diferença entre estas eleições e as anteriores é que a oposição, que não reconhecia Maduro como presidente desde 2018, voltou ao jogo eleitoral.

Não é a mesma oposição de antes - há novos partidos e novos candidatos - nem toda a oposição, porque ainda há grupos que clamam pela abstenção, como a ala da Vontade Popular liderada por Juan Guaidó, que garante que "as regionais e os municípios não são a solução para os conflitos".

Mesmo assim, o anti-chavismo deste domingo tem em quem votar, caso se atreva.

"Na oposição ao chavismo até agora, o ramo que prometia uma insurreição ou uma mudança abrupta de governo tinha mais força. Mas agora essa disponibilidade de suporte instantâneo para mudanças repentinas parece ter diminuído", diz Colette Capriles.

"O sofrimento pessoal foi tão grande que obrigou as pessoas a cortarem os laços com a política, o que, embora afete os mecanismos de solidariedade, por sua vez permite uma certa renovação da estrutura partidária da oposição", explica.

Desta vez, a oposição não promete o fim do governo de Maduro nem baseia a sua causa na indignação contra o chavismo. "Que ninguém venha com ares triunfalistas", disse Gustavo Duque, candidato da oposição à prefeitura de Caracas, em sua campanha de encerramento.

Os especialistas veem as eleições como um referendo da ala radical da oposição liderada por Guaidó, considerado por dezenas de países como o presidente interino da Venezuela e cuja liderança é cada vez mais questionada.

"A oposição que participa busca se estabelecer como a verdadeira oposição, aquela que realmente pode gerar mudanças no país", afirma Luis Vicente León.

Mas, ao mesmo tempo, continua cético: "O problema é que os que participaram não conseguiram se unir, vão se dividir em duas ou três alianças muito diferentes. E isso impedirá que haja um mapa claro das forças da oposição depois das eleições."

No cartão eletrônico são quase 40 partidos. Quatro forças de oposição diferentes que, dependendo de seus resultados, reivindicarão mais ou menos destaque.

Isso será fundamental para a liderança de Guaidó, para o processo de negociação com Maduro, no México, que deve ser retomado em janeiro, e para as próximas eleições (as eleições presidenciais serão em 2024 e existe a possibilidade, ainda que remota, de um referendo revogatório em 2022).

A Venezuela tenta entrar em uma transição política em meio à transição econômica já iniciada. Parece claro que o primeiro, se ocorrer, será muito mais lento do que o segundo.