Quem é a brasileira desaparecida na cidade mais atacada na Ucrânia
Silvana Vicente Pilipenko, de 53 anos, é casada com ucraniano há quase três décadas. Ela estava em Mariupol quando começaram os ataques russos.
Há duas semanas, a paraibana Silvana Vicente Pilipenko, de 53 anos, não se comunica com a família no Brasil. A falta de contato tem causado muita preocupação nos parentes que aguardam por notícias dela, que até o início de março estava em Mariupol, uma importante cidade portuária no sudeste da Ucrânia.
Nos primeiros dias sem notícias, os familiares ficaram apreensivos, mas entenderam que se tratava de uma situação sobre a qual ela já havia alertado: muitos pontos de Mariupol ficariam sem energia elétrica e internet por causa dos diversos ataques sofridos na região.
Mas no sábado (12/3), os parentes começaram uma intensa busca por informações após verem imagens de um prédio atacado em Mariupol.
"Esse prédio que tinha sido alvo de bombardeios era muito semelhante ao prédio em que ela estava. Não sabemos, até o momento, se era o prédio dela, mas ficamos muito preocupados e começamos uma mobilização por informações", diz a sobrinha de Silvana, a universitária Beatriz Vicente, de 20 anos.
Mariupol, que tem cerca de 400 mil habitantes, tem sido duramente atingida por ataques nas últimas semanas. Milhares de civis estão presos na cidade, enquanto as tropas russas seguem a ofensiva com mísseis e artilharia, segundo autoridades ucranianas. Muitos edifícios já foram destruídos.
O cenário de guerra na cidade tem sido noticiado em todo o mundo. Há relatos de falta de comida e dificuldades para deixar a região. Na semana passada, um ataque russo atingiu um hospital infantil e uma maternidade de Mariupol, segundo autoridades ucranianas.
Entre Brasil e Ucrânia
Logo nos primeiros dias de ataques russos, Silvana demonstrou preocupação, mas não deixou Mariupol. Ela estava em um apartamento com o marido, Vasyl Pilipenko, e a sogra dela, de 86 anos, que precisa de cuidados dos familiares.
Em um vídeo para um veículo de imprensa paraibano, gravado no último dia em que manteve contato com a família, Silvana falou que a cidade estava cercada e todas as saídas estavam fechadas.
"Não saímos logo no início (do conflito) porque temos a mãe do meu esposo, a minha sogra, muito fragilizada e é quase impossível tentar se aventurar a sair da cidade com ela", disse.
A paraibana ainda comentou que a Embaixada brasileira em Kiev, capital da Ucrânia, ofereceu transporte e trem para deixar o país, mas não se responsabilizou por possíveis riscos no trajeto em meio ao conflito. "Então seria por conta e risco nosso. Diante desses obstáculos, decidimos ficar aqui em Mariupol", relatou no vídeo.
Nas conversas com a família no início do conflito entre Rússia e Ucrânia, Silvana contou que estava apreensiva e relatou algumas situações que vivenciou desde o início dos ataques no fim do mês passado.
"Ela disse que viu as luzes de alguns bombardeios, em lugares distantes da casa dela. Ela ouviu barulhos de bombas e até viu uma árvore destruída por um ataque quando saiu de casa, mas contou que na área do apartamento dela não havia nenhum tipo de ataque", conta a sobrinha da brasileira.
Nos primeiros dias de ataques, Silvana compartilhou informações sobre a situação no seu perfil no Instagram. Em uma publicação, contou que quase todos os supermercados estavam fechados e os poucos que permaneciam abertos sofriam com a escassez de alimentos e água.
"Conseguimos comprar algumas poucas coisas e 4 botijões de água com gás. Nós estamos economizando tudo o que temos, porque não sabemos até quando essa situação se estenderá", escreveu a brasileira em um trecho da publicação na rede social.
Silvana, que é artesã, havia retornado à Ucrânia em janeiro deste ano, após meses em João Pessoa, na Paraíba, onde a família dela mora. A previsão era de que ela retornasse ao Brasil em 20 de março, segundo os parentes.
A vida dela é dividida entre Brasil e Ucrânia há cerca de 27 anos, desde que ela conheceu o marido ucraniano, que era capitão da marinha mercante, em uma festa durante uma viagem a Santos (SP). Os dois começaram a namorar e pouco depois tiveram um filho, que nasceu no Brasil e hoje tem 26 anos.
Assim como o pai, Gabriel também é marinheiro mercante. O rapaz, que estava em Taiwan, deixou a embarcação desde que os pais pararam de mandar notícias, para buscar por informações sobre eles.
"Eu sei qual a situação em Mariupol e que é basicamente impossível entrar na cidade. Pessoas cozinham nas ruas por falta de eletricidade, gás, água e aquecimento. Por semanas a cidade não recebe suprimentos e o que sobrou tem acabado", diz Gabriel à BBC News Brasil.
Ele afirma que conhece outras pessoas que também têm familiares na cidade e diz que "pouquíssimas delas" têm conseguido contato com os entes queridos atualmente.
Os intensos ataques a Mariupol se explicam pela posição estratégia da cidade no mapa da Ucrânia. Se dominada, a cidade ajudará os russos a formarem uma espécie de corredor ligando as duas áreas separatistas da região de Donbas até a península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014. Com esse grau de controle, os russos teriam também acesso facilitado tanto ao Mar de Azov quanto ao Mar Negro.
A falta de notícias
O último contato de Silvana com a família foi feito por meio de uma videochamada em 3 de março, diz a sobrinha dela. Na conversa, a brasileira contou sobre a constante queda de energia e sobre a falta de internet em diversos momentos. "Ela disse que por conta disso talvez a gente perdesse contato nos dias seguintes", detalha Beatriz.
"Ela estava bem no nosso último contato, mas muito ansiosa com toda a situação. Ela tentava manter a esperança se agarrando muito a Deus", acrescenta a sobrinha.
A família não teve mais notícias de Silvana. Com o avanço dos ataques russos nos últimos dias, a preocupação ficou cada vez maior. Quando os familiares viram o ataque a um prédio semelhante ao local em que ela estava, começaram uma corrida por informações e buscaram autoridades locais e voluntários brasileiros que ajudam pessoas que têm parentes na Ucrânia.
"Entramos em contato com emissoras de televisão, com o Itamaraty e com o governo paraibano", conta Beatriz.
Até o momento, a família não sabe se o prédio atingido era realmente o local em que Silvana estava ou se era uma construção muito semelhante.
Os familiares da brasileira contam que por enquanto não conseguiram nenhuma informação ou alguma ajuda concreta.
Em nota à BBC News Brasil, o Itamaraty diz que está ciente do caso da paraibana e afirma que já acionou organizações internacionais de apoio humanitário que estão na cidade para "tentar localizar a cidadã".
Ainda em nota, o Itamaraty diz que não pode fornecer dados específicos sobre o caso em razão do direito à privacidade e que "informações detalhadas poderão ser repassadas somente mediante autorização dos envolvidos". A entidade afirma que tem mantido contato regular com familiares da paraibana por meio de um escritório de apoio em Lviv, na Ucrânia.
Sem informações, os familiares acompanham com apreensão o cenário em Mariupol. Na terça-feira (15/3), havia centenas de pessoas amontoadas no porão de um grande edifício público da cidade. No local, havia escassez de comida e muitos precisavam de ajuda médica urgente, informou o jornalista brasileiro Hugo Bachega, da BBC.
Mesmo diante do cenário trágico, a família de Silvana mantém a esperança de que a mulher, o marido e a sogra estão bem. "A gente acredita que o prédio dela não foi atingido, ela está dentro de casa e só está sem comunicação", afirma a sobrinha dela.
"Se Deus quiser estão em casa sem energia por duas semanas e com os celulares descarregados. Me recuso a pensar algo além disso", diz o filho da brasileira e do ucraniano.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil disponibiliza números de telefone para informações sobre brasileiros na Ucrânia. Os contatos são +380 95 876 76 64 em Lviv ou +380 50 384 5484 em Kiev.
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