Topo

Mais violentos, protestos perdem força e apoio entre a população

24/06/2014 09h26

Número de manifestantes é cada vez menor e não se compara ao auge da mobilização de 2013. Com crescente violência, parte da população passa a rejeitar os protestos.

Foi uma "festa de aniversário", no mínimo, estranha. Mascarados invadiram uma concessionária de veículos e depredaram todos os carros com barras de ferro, extintores de incêndio e pedaços de madeira. Outros quebraram vidraças da loja e de agências bancárias com paralelepípedos. Perto dali, na marginal Pinheiros, atearam fogo em pneus e catracas de papelão para interditar a via.

A "festa" – que comemorava um ano do início dos protestos em massa no Brasil e a revogação do aumento na passagem do transporte público de São Paulo – aconteceu há apenas alguns quilômetros do estádio Itaquerão, onde Uruguai e Inglaterra jogavam naquele 19 de junho.

"A Copa do Mundo é um evento que não atende em absoluto aos interesses da população, mas a interesses privados, como os da Fifa", afirma Victor Khaled, ativista do Movimento Passe Livre (MPL). Há um ano, o movimento organizou as manifestações contra o aumento dos preços da tarifa de transporte público, dando início a uma onda de protestos por todo o país.

Perda de apoio entre a população

Em junho de 2013, milhões de brasileiros foram às ruas para protestar contra os grandes investimentos em estádios de futebol e a baixa qualidade do transporte público, da saúde e da educação. Mas, desde então, o número de manifestantes nas ruas é cada vez menor – e até mesmo os ativistas atribuem isso ao medo da violência policial ou dos black blocs.

"Muitos têm medo. Eu mesmo tenho medo de ir a um protesto e me preparo de maneira adequada quando vou", afirma Rafael Portella, membro do Comitê Popular da Copa de São Paulo.

O próprio movimento parece estar dividido. "O que faz com que meia dúzia de manifestantes destrua o patrimônio público só porque acham que estão representando 200 milhões de brasileiros?", pergunta o estudante Douglas Guedes, de Brasília, que não participa mais de protestos. "Eu não sei dizer o que é pior: um governo corrupto ou a participação dos vândalos, que têm o objetivo de polarizar a cena dos protestos."

Mensagem atingiu a sociedade

O apoio da população aos protestos caiu drasticamente. Se em junho de 2013 a aprovação era de 81%, esse índice caiu para 52% em fevereiro deste ano, de acordo com o Datafolha. No mesmo período, a rejeição aumentou de 15% para 42%.

Mas, mesmo se os protestos passaram a ser vistos por muitos brasileiros como plataforma de uma minoria radical, suas reivindicações originais conseguiram atingir o cerne da sociedade. Na opinião de muitos brasileiros, o Estado não consegue cumprir seu dever nas áreas de saúde, educação, segurança, saneamento e transporte público, apesar dos altos impostos que cobra.

"Os protestos concentraram e catalisaram a exasperação com a corrupção, com a inflação, com o crescimento pífio da economia", afirma o editorial da Folha de S. Paulo, de 12 de junho deste ano. "O conjunto da sociedade revelou sua insatisfação com os serviços públicos", escreve o jornal.

Por tudo isso, os adeptos do Movimento Passe Livre fazem um balanço positivo dos protestos em massa. "O resultado é visível", afirma Khaled. "A questão do transporte público entrou para a agenda nacional. Mais de cem cidades, inclusive Rio e São Paulo, tiveram suas tarifas de transporte reduzidas por conta da mobilização do ano passado."

Aumento da violência

Mas essas vitórias foram ofuscadas pelo aumento da violência, que em 6 de fevereiro atingiu um triste ápice com a morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da Rede Bandeirantes. Ele foi atingido na cabeça por um rojão lançado por um manifestante enquanto registrava o confronto entre manifestantes e policiais durante o protesto contra o aumento da passagem de ônibus no Centro do Rio de Janeiro.

No mesmo protesto, o correspondente da DW Philipp Barth recebeu de um policial golpes de cassetete na barriga e nas costas. Alguns dos golpes atingiram também sua câmera, que ficou danificada.

O medo que alguns manifestantes têm da Polícia Militar chega a ser maior do que a aversão ao grupo Black Bloc. "Nossas manifestação são abertas a todos. Nós não vamos expulsar ninguém com o uso da violência e, por essa razão, somos totalmente contra a proibição da participação dos Black Blocs em nossas manifestações", diz Portella. "Eu entendo por que no Brasil alguns manifestantes escondem seus rostos para protestar."

Fim dos protestos à vista?

Para o cientista político Valeriano Costa, da Unicamp, o aumento da radicalização e da violência nos protestos indica que as manifestações estão perto do fim. Para ele, as reivindicações por reformas são muito genéricas, já que grupos sociais completamente diferentes participaram dos protestos no ano passado. "Há um vácuo de conteúdo em relação às reivindicações."

Ele argumenta, ainda, que tanto a dinâmica quanto o público mudaram completamente do ano passado para cá. Para ele, a violência no ano passado afastou a classe média e movimentos menos vinculados a grupos políticos. "Geralmente, a população é mobilizada em ciclos bem intensos de protestos. Depois só ficam os grupos organizados, e é o que está acontecendo agora", diz Costa.

Manifestantes espontâneos e não organizados têm um fôlego mais curto e não conseguem manter um pique de mobilização durante muito tempo, argumenta. Portanto, é natural que eles saiam mais rapidamente da rua. Enquanto isso, os grupos organizados se mantêm por um período maior.

"Esses grupos aproveitam a visibilidade nacional e internacional da Copa, o que obriga o governo a dar respostas rápidas. E eles com certeza vão ter a oportunidade de fortalecer suas reivindicações durante o Mundial", diz Costa.