Por que o Nordeste é decisivo na eleição presidencial
Passados mais de 30 dias da campanha eleitoral, quase todos os principais candidatos à Presidência da República concentraram suas atividades de campanha no Sudeste, a região que conta com o maior número de eleitores do país: 43,3% do total. A exceção é o petista Fernando Haddad, que direcionou a maior parte das suas atividades ao Nordeste, a segunda região com mais eleitores, com 26,6% (39,2 milhões).
A escolha não foi por acaso. Desde 2002, o Nordeste é um reduto do PT em eleições presidenciais. Até a primeira vitória de Lula, a maior parte do eleitorado da região tendia a votar em candidatos tucanos e mostrava resistência em relação ao PT, que tinha um desempenho melhor entre a classe média do Sudeste. Em 2002, 47% dos votos recebidos por Lula no segundo turno vieram do Sudeste.
No entanto, o quadro mudou constantemente nos anos do PT na Presidência, deixando o partido cada vez mais dependente do Nordeste conforme a proporção do seu eleitorado se reduzia no Sudeste.
Em 2002, tanto os candidatos do PT quanto do PSDB à Presidência obtiveram no Nordeste 25% dos seus votos no segundo turno. Oito anos depois, 33% dos votos recebidos por Dilma Rousseff no segundo turno (PT) vieram da região. A proporção do tucano José Serra foi de 18%.
Em 2014, a dependência do PT em relação ao Nordeste ficou ainda mais gritante. Pela primeira vez, a região ultrapassou o Sudeste em importância eleitoral para os petistas. Dilma recebeu 37% dos seus votos no segundo turno de eleitores da região, contra 36% do Sudeste. Para os tucanos, mais terreno foi perdido – só 16% dos votos que Aécio Neves conquistou vieram da região.
No segundo turno em 2014, Dilma derrotou Aécio Neves nos nove estados nordestinos. Sete em cada dez eleitores da região votaram (71,7%) nela. A importância do Nordeste na vitória de Dilma foi tamanha que o eleitorado da região passou a ser alvo de ataques preconceituosos em redes sociais por parte de usuários de outras regiões inconformados com a reeleição da petista.
Em 2018, a região é vista mais uma vez como estratégica pelo PT. Em agosto, quando ainda era o candidato a vice na chapa petista, Fernando Haddad realizou na região seu primeiro evento público de campanha em nome do PT. Na ocasião, concedeu entrevistas a várias rádios da região. No último sábado (15), o programa eleitoral do PT na TV, já com Haddad como candidato, foi principalmente direcionado ao eleitorado nordestino, apontando realizações dos governos petistas na região. "Eu participei dessa revolução, como ministro de Lula", disse Haddad no programa.
Segundo pesquisa Ibope desta terça-feira (18/09), Haddad já é o líder em toda a região Nordeste, com 31% das intenções de voto. Segundo o instituto, ele saltou 26 pontos percentuais na região desde 20 de agosto. Isoladamente, esses 31% de intenções de votos no Nordeste correspondem a mais de 8% do percentual nacional de Haddad, que chegou a 19%, segundo o Ibope.
Jair Bolsonaro (PSL), por sua vez, apesar de ser o líder isolado na disputa nacional, aparece em terceiro lugar no Nordeste, com 16% dos votos na região, pouco atrás de Ciro Gomes (PDT), que tem 17%.
O cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já havia apontando em agosto que a região faria sua influência ser sentida novamente neste pleito. "No primeiro turno das eleições de 2014, 27% dos eleitores que compareceram para votar moravam no Nordeste. Desse modo, um candidato que recebe 50% dos votos na região já garante cerca de 13,5% em âmbito nacional. Numa disputa altamente competitiva, esse patamar já coloca um candidato na disputa para ir para o segundo turno", afirmou.
Já o cientista político Alberto Almeida, autor do livro A cabeça do brasileiro, aponta que Haddad ainda tem muito potencial na região. "Ele ainda vai avançar na região. Pode chegar a 70% dos votos válidos ali. O Nordeste está empurrando Haddad para o segundo turno".
Ainda segundo Almeida, muitos analistas ignoraram o fator Nordeste em suas previsões sobre o pleito, preferindo se concentrar em aspectos como tempo de TV e redes sociais. "Parece que muita gente do eixo Rio-SP, onde está concentrada a mídia e as grandes empresas, esquece que o Nordeste existe. É uma região que só é lembrada quando a eleição se aproxima", comenta.
A região ainda conta com 19% de eleitores que ainda não sabem em quem votar ou afirmaram que devem votar em branco ou nulo, sinalizando um campo ainda em aberto para uma ampliação da base. Almeida também aponta que é preciso olhar com atenção para o comportamento dos eleitores do norte de Minas Gerais, região que partilha de muitas características do Nordeste. Minas é o segundo estado com mais eleitores no Brasil.
Por enquanto, Haddad só tem 15% das intenções no Sudeste, o maior colégio eleitoral do país, que correspondem a 6,5% dos seus eleitores em todo o Brasil.
Mas nem tudo parece inevitável para a estratégia de transferência de votos do PT, que tenta colar a imagem do ainda popular ex-presidente Lula em Haddad. Ao contrário dos pleitos que ocorreram entre 2006 e 2014, o PT enfrenta um adversário da região Nordeste, o cearense Ciro Gomes (PDT). Em 1998, quando concorreu pela primeira vez à Presidência, Ciro foi apontado como o responsável pela queda no número de votos de Fernando Henrique Cardoso na região em relação ao pleito de 1994.
E ao contrário de eleições anteriores, o PT não conta mais com a força do governo federal, e a ação de Lula como cabo eleitoral foi afetada pela sua prisão.
Alberto Almeida, no entanto, aponta que Ciro não deve ser um obstáculo para um crescimento ainda maior de Haddad na região. "Ciro provavelmente vai cair. Vai ocorrer um efeito Haddad na região, com cada vez mais pessoas propagandeando que vão votar nele. O bolsa-família vai derrubar o Ciro no Nordeste", diz, lembrando que o programa de transferência de renda criado no governo Lula foi um dos grandes responsáveis pelo aumento da influência do PT na região. "Lula continua sendo o pião do jogo."
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