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Alemanha enterra vítimas de experimentos nazistas mais de 70 anos depois

Cerca de 300 amostras descobertas recentemente de tecidos de dissidentes mortos em prisão nazista foram sepultadas. - Reuters/F. Bensch
Cerca de 300 amostras descobertas recentemente de tecidos de dissidentes mortos em prisão nazista foram sepultadas. Imagem: Reuters/F. Bensch

13/05/2019 12h47

Cerca de 300 amostras descobertas recentemente de tecidos de dissidentes mortos em prisão nazista passaram por um processo de identificação. Vítimas são homenageadas mais de 70 anos após o fim da guerra.

Restos mortais de vítimas do nazismo descobertos recentemente foram enterrados nesta segunda-feira (13/05) em Berlim, mais de sete décadas após o fim da Segunda Guerra.

Trata-se de cerca de 300 amostras microscópicas de tecidos que pertenciam a vítimas do nazismo, na maioria mulheres, cujos corpos foram utilizados em experimentos médicos, num episódio pouco conhecido ocorrido durante a guerra.

Os restos mortais eram de combatentes da resistência executados na prisão de Plötzensee, onde mais de 2,8 mil vítimas foram degoladas ou enforcadas entre 1933 e 1945. Muitas das vítimas tiveram seus corpos dissecados no Instituto Universitário de Anatomia de Berlim.

A cerimônia resulta de uma iniciativa levada adiante pelo hospital Charité de Berlim, após três anos de pesquisas. Em 2016, as amostras de tecidos foram descobertas pelos descendentes do anatomista Hermann Stieve, que trabalhou com os cadáveres dos opositores do regime, e encaminhadas para o Memorial da Resistência Alemã.

O professor Andreas Winkelmann foi o encarregado de identificar as origens das amostras. "Em geral, não consideraríamos que tecidos tão minúsculos mereceriam ser enterrados [...] mas neste caso a história é particular, uma vez que advém de pessoas às quais foram deliberadamente negadas suas sepulturas, para que seus familiares não soubessem onde elas se encontravam", explicou Winkelmann.

Apesar de não conseguir identificar exatamente a quantas pessoas pertenciam as cerca de 300 amostras, Winkelmann pôde trabalhar a partir de 20 nomes e de indícios que estabelecia algum vínculo com a prisão de Plötzensee. A pedido das famílias, os nomes das vítimas não foram divulgados.

Sabe-se que eram, na maioria, mulheres porque Hermann Stieve, que foi diretor do Instituto Universitário de Anatomia de Berlim, se especializou no estudo dos efeitos do estresse e do medo no sistema reprodutivo feminino. Ele analisava tecidos genitais extraídos de mulheres executadas pelos nazistas.

Entre os tecidos encontrados estão 13 das 18 integrantes do grupo de resistência berlinense "Orquestra vermelha", ao qual pertencia a americana Mildred Fish Harnack, degolada em 1943 após um pedido direto de Adolf Hitler.

Ao contrário de outros cientistas nazistas conhecidos pelos requintes de crueldade, como o "anjo da morte" de Auschwitz, Joseph Mengele, Stieve não era membro no partido nacional-socialista e não realizou experiências com pessoas vivas. Ele, porém, teria pleno conhecimento de que suas "cobaias" haviam sofrido tortura.

"Isso demonstra até que ponto ele era frio. Via essas pessoas como simples objetos", disse Winkelmann, afirmando que Stieve teria colaborado com o regime nazista para desenvolver suas pesquisas. Os corpos, provavelmente, foram enterrados em valas comuns.

Após a guerra, Stieve não foi investigado ou processado pela Justiça e continuou sua carreira, assim como muitos outros cientistas que trabalharam para os nazistas. Até hoje, suas descobertas continuam sendo consideradas importantes para a ginecologia moderna. Ele é membro de honra a título póstumo da Sociedade Alemã de Ginecologia e Obstetrícia.

"Com o sepultamento das amostras microscópicas [...] queremos outorgar um pouco de dignidade às vítimas", disse o diretor do hospital Charité, Karl Marx Einhäulp.

Para o Memorial da Resistência Alemã, que coorganiza a cerimônia, a iniciativa é uma mostra dos esforços recentes realizados pelo hospital para "enfrentar o passado", uma vez que "muitos de seus médicos que ocupavam cargos de direção transformaram, durante o período nazista, suas clínicas e institutos em locais onde se trabalhava a medicina racial e de destruição", levada a cabo pelo regime.

A cerimônia inter-religiosa no cemitério de Dorotheenstadt contou com clérigos cristãos, judeus e protestantes. Os restos mortais foram sepultados em um muro, junto a uma placa em memória das mais de 2,8 mil vítimas da prisão de Plötzensee.