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Os efeitos colaterais da liberal política de drogas holandesa

Estevan Silveira/UOL
Imagem: Estevan Silveira/UOL

Anabel Hernández

02/12/2019 13h46

A Holanda é um dos principais produtores mundiais de drogas sintéticas, afirma Pieter Tops, cientista social da Universidade de Tilburg e professor da Academia de Polícia nacional. Tops pesquisa o crime organizado em seu país e investiga como ele vem ganhando aceitação em certos setores da sociedade - um fenômeno similar ao do México. Isso é, segundo ele, consequência da famosa tolerância holandesa a drogas leves, praticada desde o final da década de 1970.

Segundo sua tese, trata-se de uma consequência da política pública do consumo de drogas instaurada na Holanda, na época. "Acreditávamos que estávamos dando um exemplo ao mundo [...], estivemos muito satisfeitos com ela por muito tempo, agora não mais", explica Tops em sua provocadora conferência "Tráfico de drogas. O exemplo holandês. A legalização funciona?", à qual assisti em novembro, em Barcelona.

Algo para que eu alertava há cinco anos, numa conferência em Amsterdã, se tornou uma terrível realidade de que pouco se fala, mas com que é possível se aprender muito: a máfia da droga pode permear tudo, se se abrem os espaços para ela.

Os conhecimentos e experiências compartilhados por Tops, baseando-se em informações de autoridades da Holanda, fazem pensar que o crime organizado não é um problema que só ocorre nos países em desenvolvimento, como o México, ou em nações em forte crise econômica, como a Espanha, mas também em países com um sistema político e econômico sólido, onde há garantias sociais e de Justiça.

A Holanda descriminalizou o uso de drogas. E em sua política de saúde pública, os viciados não são vistos como criminosos, e sim como pacientes. As chamadas "drogas brandas", derivadas da maconha, são semilegalizadas.

"Organizamos a venda legalizada nos famosos coffee shops, que, de um ou outro modo, se converteram em atrações turísticas. Em Amsterdã, há cerca de 160 lugares onde se pode comprar maconha, o que é muito." Tops explica que a legalização do consumo na Holanda, sofre de um vício de origem, com consequências graves ao longo dos quase 30 anos em que está em vigor.

"A realidade é que permitimos que as pessoas comprem legalmente drogas brandas nos coffee shops mas, por outro lado, os proprietários desses estabelecimentos não podem comprar essas drogas brandas. É uma situação muito estranha, mas de alguma forma conseguimos viver assim por mais de 30 anos. Agora há uma grande discussão sobre isso no meu país, as pessoas acham que o sistema fracassou."

Tops destaca que atualmente a Holanda produz e distribui diversos tipos de drogas: maconha, drogas sintéticas, ecstasy e metanfetaminas, cocaína e heroína: "Temos um alto nível de produção e distribuição." Segundo um estudo, a produção de drogas sintéticas na Holanda gera 19 bilhões de euros por ano, e grande parte é exportada principalmente para os Estados Unidos e a Austrália.

De acordo com informações da imprensa, as autoridades da Holanda acreditam que cartéis mexicanos dão assessoria a seus colegas da Holanda sobre a produção e o tráfico de metanfetaminas. E podem ser responsáveis por distribuir essas substâncias no mercado americano.

O traficante mexicano José Rodrigo Aréchiga conhecido como "El Chino Ántrax" foi detido em 2013 no aeroporto de Schiphol em Amsterdã. E ainda que fosse líder de um grupo de matadores do Cartel de Sinaloa, de acordo com documentos confidenciais a que tive acesso, seu principal papel no cartel era de operador logístico.

"Um comprimido de ecstasy, produzido na Holanda por cerca de 0,20 euro, pode ser vendido nas ruas da Austrália, por exemplo em Sidney, por 18 euros", explica o especialista holandês Tops. Acredita-se que dos 19 bilhões de euros em faturamento, os criminosos holandeses podem tirar pelo menos 900 milhões de euros de lucro.

O especialista cita três razões pelas quais a Holanda, "este pequeno, decente e próspero país", se tornou um centro de operações dos barões da droga. A primeira é que tudo o que torna a Holanda atraente para o comércio legal o torna também para a economia ilegal.

"É uma economia muito aberta ao comércio internacional, somos a porta de entrada para o norte da Europa e temos excelente infraestrutura: portos, aeroportos, sistemas de comércio, o transporte da Holanda a outros países [da Europa] é muito fácil", enumera Tops.

"É muito caro fazer controles mais rigorosos do tráfego de mercadorias, e isso retardaria o movimento do comércio, o que prejudicaria a competitividade da Holanda em relação a outros países. Por isso preferimos ignorar os riscos. Não atacamos o problema por querer proteger nossa competitividade comercial."

A segunda razão, segundo o especialista holandês, é a atitude tolerante do governo e da sociedade em relação às drogas e seu uso. "Em consequência, não investimos numa força de ordem forte para combater a ilegalidade", e só há cinco anos o governo holandês começou a tomar medidas para enfrentar o problema.

Atualmente há poucas mortes por overdose na Holanda. Em 2016, elas foram 250, o que, "num país de 17 milhões de habitantes, é quase nada". Tops afirma, ainda, que não há corrupção em alto nível, nem os partidos políticos são influenciados por grupos criminosos.

Mas aí entra a terceira razão: "Acredito que o verdadeiro problema são as quantidades enormes de dinheiro envolvidas nesse negócio ilegal, e a atração que ele exerce, não só sobre os criminosos. As pessoas podem dizer: se você tem a oportunidade de ganhar tanto dinheiro, e a probabilidade de acabar atrás das grades é tão reduzida, e as penas tão baixas, então porque não tomar parte no negócio?", resume Tops.

A mensagem de Tops é clara: a impunidade do narcotráfico na Holanda e a aceitação social impulsionam a produção de metanfetaminas, o que afeta diretamente vizinhos como a Alemanha.

A jornalista e escritora Anabel Hernández escreve há anos sobre cartéis de drogas e corrupção no México. Após ameaças de morte, teve que deixar o país, e vive na Europa desde então. Por seu trabalho, recebeu o Prêmio Liberdade de Expressão da DW em 2019, durante o Global Media Forum, em Bonn.