Romênia em atenção: como Putin levou a guerra a metros da fronteira com a Otan
Ao nascer do dia, pontos minúsculos aparecem no céu da Romênia, acompanhados pelo barulho crescente de motores: são drones que se aproximam. Os barqueiros do rio Danúbio primeiro reagem incrédulos, depois em pânico, filmam com seus celulares: "Eles vão explodir aqui", exclama um dos homens, "vai cair direto no porto!"
Em seguida, a algumas centenas de metros, primeiro se vê o clarão de uma bola de fogo, em seguida uma violenta detonação se faz ouvir. "Vamos fugir, gente, a guerra agora começou bem na frente da Romênia!", grita um dos barqueiros.
Na manhã de 24 de julho de 2023, a Rússia enviou 15 drones iranianos Shahed-136 para o porto fluvial de Reni, na Ucrânia. Alguns são derrubados pela defesa aérea ucraniana, outros explodem, destruindo armazéns e celeiros cheios de cereal, e deixando sete feridos.
Um navio de carga romeno também é danificado. O porto de Izmail, rio acima, é igualmente alvo de ataques, mas sem êxito. Até então a guerra da Rússia na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, nunca avançara até tão perto da fronteira externa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Reni se situa no triângulo Ucrânia-Romênia-Moldova, cerca de 120 quilômetros a oeste da foz do Danúbio no Mar Negro. A partir do porto destruído, são uns 200 metros até a metade do rio, onde se situa a fronteira estatal da Romênia, e portanto de um Estado-membro da Otan. Mais 200 metros e chega-se à margem romena.
Por sua vez, o porto moldovo de Giurgiulești fica apenas cinco quilômetros rio acima; enquanto até a metrópole romena de Galați, com 220 mil habitantes, são dez quilômetros em linha reta. Foi mera questão de sorte, portanto, os pouco precisos drones Shared não terem atingido o território da aliança atlântica.
Putin quer paralisar exportação de grãos ucranianos
A ofensiva contra Reni é o degrau mais recente na escalada do terrorismo das bombas de Moscou, inaugurada há pouco mais de uma semana nas cidades portuárias de Odessa e Mykolaiv, no Mar Negro, e dirigido sobretudo contra a infraestrutura ucraniana de exportação de grãos.
Antes, mísseis russos já haviam atravessado um trecho do espaço aéreo romeno; destroços caíram sobre a República de Moldova; um projétil foi parar num bosque polonês. Até então, porém, o país agressor nunca empreendera uma ofensiva intencional tão perto da fronteira externa da Otan, ainda mais contra um alvo civil, numa área sem infraestrutura militar importante.
"Vladimir Putin quer paralisar por todos os meios a exportação de grãos da Ucrânia, e ao mesmo tempo se vingar por não terem sido suspensas certas sanções à Rússia, por exemplo, contra o setor bancário", analisa o politólogo Armand Gosu, que leciona história e diplomacia russa e soviética na Universidade de Bucareste e é um dos principais especialistas romenos em Rússia e o espaço pós-soviético.
A Ucrânia depende urgentemente do faturamento com cereais e sementes oleaginosas, e até agora dispunha para tal de três vias de exportação. O maior volume saía dos portos de Odessa e Mykolaiv, pela rota do Mar Negro, mesmo depois da invasão russa, em fevereiro de 2022, graças a um acordo com Moscou sob mediação internacional. Após sua expiração, em 17 de julho, contudo, Putin recusou-se a prorrogá-lo.
Desde o início da invasão, outra parte chegava aos mercados mundiais por via terrestre, através da Romênia, Hungria, Eslováquia e Polônia. A terceira rota é pelo delta do Danúbio, passando tanto pelos portos ucranianos de Reni e Izmail, quanto por um trecho do Mar Negro pertencente às águas territoriais romenas. Kiev tenciona ampliar sobretudo essa terceira rota.
Bombardeios no Danúbio também visam efeito psicológico
Apesar de afastado e de acesso complicado por terra, o porto fluvial da localidade de Reni, no extremo sudoeste do país, oferece melhor acesso ao caminho náutico. A partir de lá, grandes navios de carga chegam ao Mar Negro passando pelo canal romeno de Sulina, o braço do delta do Danúbio mais bem ampliado para navegação.
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Quero receberIzmail - localidade com população de 70 mil, no braço de Kiliya do delta - por sua vez, é mais acessível por terra, porém só poucos grandes navios são capazes de aportar lá. Um projeto para aumentar a profundidade de certos trechos do Danúbio nessa região, por exemplo o canal Novostambulske-Bystroye, só avança lentamente, sendo tema controverso entre Bucareste e Kiev há muitos anos.
Comparado com a rota do Mar Negro, partindo de Odessa e Mykolaiv, até agora só uma fração dos grãos ucranianos pôde ser exportada a partir dos portos danubianos. Desse ponto de vista, o risco para a Rússia de bombardear Reni parece muito maior do que eventuais benefícios, devido à localização diretamente na fronteira da Otan.
Segundo o cientista político Gosu, entretanto, há muito mais em jogo na ofensiva do que apenas paralisar a exportação de grãos: "Putin quer mostrar que não se importa com a proximidade dos seus ataques com o território da Otan. Mais ainda: o objetivo dele é expor a indecisão da Otan."
Com reticência, Otan colabora para jogo cínico
A opinião pública romena reagiu com horror e apreensão profunda ao bombardeio dos portos de Reni e Izmail. Não só por a guerra ter avançado até tão perto de seu território: o delta do Danúbio é uma região cujos habitantes de ambos os lados têm laços recíprocos fortes, do ponto de vista histórico, linguístico e cultural. Mais da metade dos 18 mil habitantes de Reni, por exemplo, é de etnia romena.
Ao contrário da população, as reações oficiais de Bucareste foram estranhamente reticentes. O presidente Klaus Iohannis só tuitou brevemente que condenava com severidade as investidas russas próximo à Romênia. O Ministério da Defesa meramente comunicou que "não há ameaças militares diretas do território nacional".
Da parte da Otan, por sua vez, até agora não houve uma tomada de posição. É fato que o Conselho Otan-Ucrânia está reunido há mais de uma semana, desde a onda de bombardeios russos contra Odessa e Mykolaiv. Porém, não houve qualquer condenação ou advertência a Moscou pelos ataques nas vizinhanças da fronteira da aliança militar ocidental.
Armand Gosu acredita que a Otan "quer evitar uma escalada a qualquer preço": "As elites do Ocidente agora estão cansadas da guerra, e temem mais um colapso da Rússia do que uma derrota da Ucrânia." Por isso o apoio a Kiev é aquém do necessário.
"Não é por causa da Rússia que vai haver um conflito longo, congelado na Ucrânia, mas porque o Ocidente não fornece armas suficientes", prognostica o politólogo romeno. "É um jogo cínico."
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