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'Vai ser difícil sustentar a guerra por muito tempo', avalia embaixador em Israel

O conflito entre o grupo radical islâmico Hamas e Israel está perto de completar dois meses e atualmente se encontra paralisado, após uma trégua de quatro dias para a libertação de reféns, que termina nesta segunda-feira (27). Para o embaixador brasileiro em Israel, Frederico Meyer, a atual guerra na região não deve persistir muito tempo.

Em 7 de outubro, combatentes do Hamas cruzaram a fronteira da Faixa de Gaza com Israel e mataram 1.200 pessoas, sequestrando cerca de 240, segundo números do governo israelense. O ataque deu início ao atual conflito na Faixa de Gaza.

Em entrevista à DW, Meyer cita fatores internos, com o impacto econômico, e externos, a pressão internacional, para fundamentar a sua avaliação. O diplomata, que serviu em Bagdá, durante a Guerra Irã-Iraque nos anos 1980 e atuou em Moscou, Genebra, Havana e Nova York, também destaca o potencial do Brasil para mediar o conflito e minimiza a declaração do presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, feita em 14 de novembro, sobre Israel estar cometendo "atos de terrorismo".

"Entidades judaicas reclamaram, mas dias depois, o presidente de Israel, Isaac Herzog, ligou para Lula e tiveram uma conversa ótima. Então, entendo que isso foi totalmente absorvido", afirmou.

DW: O senhor e o diplomata Alessandro Candeas, representante em Ramallah (Cisjordânia), estavam de férias no Brasil e embarcaram juntos para seus postos diante da crise. Qual foi sua atuação para o repatriamento dos brasileiros em Israel?

Frederico Meyer: Eu cheguei em Israel no primeiro voo de resgate. Todas as providências foram tomadas pela minha equipe. Cheguei no primeiro avião que levou os brasileiros de volta no dia seguinte. Eu tenho uma equipe maravilhosa aqui, de diplomatas. E o Candeas também, em Ramallah. Quando já chegamos estava tudo pronto. E saiu tudo direitinho. Tivemos total apoio do governo brasileiro, do presidente Lula e do ministro Mauro Vieira, assim como das autoridades israelenses. Então, vieram oito aeronaves que levaram 1.413 pessoas e foi tudo perfeito.

Em Israel, há 16 mil brasileiros em Israel e 3 mil pediram para voltar...

Nós chegamos a ter 3 mil pessoas que queriam regressar. É preciso ressaltar que o aeroporto não fechou. Algumas linhas aéreas cancelaram voos, mas o aeroporto não fechou. Então, vários brasileiros desses 3 mil preferiram pegar aviões de carreira, voos comerciais e foram embora.

Quais foram as maiores dificuldades para trazer os brasileiros de Gaza. O que teria facilitado a saída de brasileiros da região?

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Não houve problema na repatriação dos 1.413 brasileiros de Israel. O que houve foi, na segunda etapa, de retirar os brasileiros de Gaza. Havia cerca de 7 mil estrangeiros em Gaza, pelo nosso levantamento, de pelo menos 44 países. O Egito só permite a saída de 500 pessoas por dia. Ou seja, desde a primeira etapa, saíram 500 e você teve 6,5 mil pessoas descontentes. E um número razoável de países também descontentes, porque a situação em Gaza é de guerra aberta. Então, houve pressões.

O ministro Mauro Vieira falou com o ministro do Exterior de Israel, Eli Cohen, quatro vezes. O presidente Lula falou com o presidente israelense, Isaac Herzog, e acabaram que os brasileiros foram embora no dia 10 de novembro. Mas havia uma ansiedade, não só do Brasil.

A imprensa do Brasil ficou muito focada na relação bilateral. Não era relação bilateral. Havia 44 países com 7 mil pessoas, com permissão de saída de apenas 500 por dia, imposição do Egito. Então, obviamente, você tinha chefes de Estado, ministros, imprensa de vários países pressionando e questionando, mas isso nunca afetou as relações do Brasil com Israel.

Qual é a posição brasileira, hoje, diante do conflito Israel-Hamas?

Nós somos contra. Somos a favor da paz, é nossa posição. Somos a favor da negociação. Somos a favor do cessar-fogo. A favor dos dois Estados. Essa é a nossa posição. Nunca mudamos de posição.

Quais são ações que o Brasil consegue fazer pela paz? O país recebeu ligação do presidente de Israel pedindo apoio do Brasil junto a países latino-americanos pela libertação dos reféns. Qual o grau de importância que o país pode ter nesse apoio?

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Se o presidente de Israel pediu ajuda do Brasil, em 16 de novembro, isso demonstra a importância do Brasil, da diplomacia brasileira. Tanto o ministro Mauro Vieira quanto o presidente Lula têm se movimentado muito. Uma coisa é certa: uma guerra seja, ela aonde for, só termina quando você primeiro, tem um cessar-fogo. Se continuar dando tiro, não pode terminar a guerra. E, em segundo lugar, tem que sentar-se na mesa e discutir. O Brasil tem um patrimônio, porque é o único país que tem relação com todos os membros das Nações Unidas.

Somente o Brasil?

Tem onze países que têm relação com todos os estados membros. Mas nós também temos com Palestina e Santa Sé, que são observadores. E também há duas ilhas no Pacífico, com um status diferenciado, e o Brasil é o único que tem relação com todos. Mais do que isso, os dois países que fazem fronteira com mais países no mundo, são China e Rússia, que fazem fronteira com 13 ou 14 países. Em seguida, vem o Brasil com dez e a última vez que entramos numa guerra foi há 170 anos. Temos patrimônio para falar que temos experiência e defendemos negociações.

O presidente Lula disse que Israel também estaria cometendo atos de terrorismo. Essa fala levantou no Brasil críticas de entidades judaicas. Depois dessa declaração, o Brasil ainda pode se colocar como um moderador nesse conflito?

Como moderador, a gente tem um patrimônio de negociação. E, outra coisa, pessoas e autoridades falam, fazem comentários, que às vezes as pessoas dão uma repercussão a isso maior do que talvez caiba. Eu sei que entidades judaicas reclamaram, mas dois dias depois, o presidente de Israel ligou para o presidente Lula e tiveram uma conversa ótima. Então, eu entendo que isso foi totalmente absorvido.

Antes da ligação, percebeu alguma tensão na relação de Israel com o Brasil?

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Nenhuma. Relação de países é que nem relação de família e de vizinho. Você pode não gostar de um cunhado, dizer alguma coisa para ele, mas isso não quer dizer que você vai sair da família. No seu prédio deve acontecer a mesma coisa. São coisas que vão acontecendo. Países não concordam com tudo, familiares não concordam com tudo, vizinhos não concordam com tudo, mas isso não faz com que você entre em guerra.

Em 2019, o senhor defendeu, no Conselho de Segurança da ONU, que Israel e Palestina "teriam que tomar decisões e concessões difíceis para alcançar a paz". Considera isso possível nesse momento?

A paz é possível. O que eu falei em 2019 é válido hoje. Os países têm que se sentar em boa fé e negociar. Isso é política internacional. Até antes do acordo, se você dissesse para algumas pessoas que Israel ia se sentar com o Hamas, as pessoas diriam que é impossível. No entanto, sentaram-se. Há dois lados, Hamas e Israel. Nós só vamos ter paz no dia em que os dois lados se sentarem e negociarem, como negociaram os reféns.

O acordo de trégua com a troca de presos palestinos por refugiados israelenses mantidos em Gaza foi um avanço tímido ou o avanço possível que demonstra talvez uma capacidade de conversa?

Eu dispensaria os adjetivos. Acho que foi um avanço. Tímido por quê? Por que vão ser só quatro dias? Podia ter sido um dia só, ou podia ser um mês. Mas houve um avanço. Os dois se sentaram e acordaram. Acho que é um avanço, ponto.

Que desdobramentos pode ter essa guerra, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse será longa?

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Não acho que será uma longa guerra, não. Tem vários fatores. Você tem uma população que é muito afetada. Você anda na rua em Tel Aviv, vê jovens com metralhadoras, que foram convocados como reservistas. Vê a economia afetada. Várias lojas, restaurantes e o comércio fechados, porque as pessoas que trabalham são reservistas. Universidades e colégios com aulas suspensas. Você tem Ucrânia, as eleições americanas. Você tem vários fatores, que tornam muito difícil manter a guerra. E pressão internacional. Há muita pressão, no mundo inteiro, para que isso acabe.

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