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Nos EUA, homem branco é o mais frustrado com "sonho americano"

Jairo Mejía

24/01/2016 15h56

Nem os jovens integrantes do movimento "United We Dream", que pedem justiça migratória, nem os ativistas do "Black Lives Matter", que protestam contra a brutalidade policial: o verdadeiro indignado nos Estados Unidos é o homem branco, frustrado com um sistema que o privou de sua promessa do "sonho americano".

Privilegiado desde a fundação dos EUA e há meio século estabelecido na classe média, o homem branco está condenado a se diluir em uma nação que experimentou um auge migratório, onde está ocorrendo uma mudança de geração a favor dos chamados "millenials" (nascidos após 1980 ou fim da década de 70 até meados dos anos 90) e de paradigma econômico que alimentou sua frustração com a classe política tradicional.

Uma pesquisa divulgada neste mês pela rede de TV "NBC" mostra que 54% dos brancos nos EUA estão extremamente insatisfeitos, acima dos 43% entre latinos e 33% dos afro-americanos, que, apesar de terem os piores índices de pobreza e população carcerária, são os que mais responderam positivamente à pergunta "seu sonho americano continua vivo?".

Esse sonho, segundo o qual se você trabalha duro, progredirá, era uma certeza para os brancos americanos do "Baby Boom" do pós-guerra, base da população votante, muitos dos quais agora apoiam Donald Trump na disputa pela indicação do Partido Republicano à candidatura à presidência.

"Os republicanos escolheram explorar o medo e assustar o eleitor mais velho que viu que o mundo no qual viviam já não gira da mesma forma, e as coisas não são como lhe tinham dito que seriam", afirmou em entrevista à Agência Efe Simon Rosenberg, estrategista de campanha e fundador do centro de estudos políticos progressista NDN.

Rosenberg, que investigou em profundidade as mudanças demográficas pelas quais os Estados Unidos passaram em apenas duas décadas, opina que, apesar de tudo, é preciso "ser compreensivo" e entender as frustrações que levaram uma parte importante do eleitorado branco a aplaudir os comentários xenofóbicos de Trump.

A tragédia do homem branco é silenciosa. Segundo um estudo apresentado pelo economista e Prêmio Nobel Angus Deaton, o índice de depressão, toxicomania e suicídios entre os brancos de meia idade (mais de 45 anos) e sem estudos universitários nos EUA é o mais alto de todo o mundo desenvolvido.

Não só isso. no país, houve um aumento entre essa parte da população do índice de mortes por alcoolismo, abuso de drogas ou suicídios, enquanto em todos os demais grupos demográficos e nos outros países desenvolvidos a tendência foi de queda.

A magnitude dos dados, extraídos dos CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), surpreendeu os sociólogos, e Deaton disse que esta epidemia de mortes e doenças "só tem um paralelo contemporâneo, e é a aparição da aids".

Geralmente, os estudos sobre renda por cor agregam os brancos em uma mesma categoria, mas dentro dela existe uma divisão que se viu tão afetada quanto as minorias pela recessão de 2009: os brancos sem formação universitária e com empregos de baixo valor agregado que despertaram do tão repetido "sonho americano".

Em parte, são esses brancos afetados pela recessão os que alimentaram o movimento conservador "Tea Party" em 2010 e, apesar das diferenças entre as alas políticas, são os que encheram os comícios de Trump.

"Estou descontente por muitas razões, mas não vou ficar assim por muito mais tempo. Quando acertarmos isto, seremos felizes", disse Trump em Iowa às vésperas dos tradicionais caucus (assembleias populares) que iniciam o processo de escolha dos candidatos dos partidos Republicano e Democrata para as eleições do fim do ano.

Por enquanto, os republicanos, que capitalizaram este descontentamento com uma guinada conservadora que lhe rendeu o controle das duas câmaras do Congresso, se deixou tatear pelas frustrações do eleitorado branco de meia idade e baixa formação.

"O Partido Republicano deixou de ser o partido conservador para se tornar o reacionário", em um movimento que Rosenberg compara à onda anti-imigração e contra os novos paradigmas que foi impulsionada pelo Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) e a Frente Nacional na França.

"A estratégia republicana funcionou porque os brancos costumam votar mais que hispânicos ou negros, mas essa é uma estratégia condenada ao fracasso a longo prazo", afirmou à Efe o demógrafo William Frey, autor de um livro da Brookings Institution sobre como um EUA mais diverso estão mudando o país.

"Não é sustentável apelar à raiva do eleitor branco para mobilizá-lo nas eleições, excluir latinos e outras minorias, e esperar ganhar outras eleições presidenciais no futuro", declarou Frey.

Rosenberg resume a situação dos insatisfeitos: "O que estamos vendo é um protesto inflamado de pessoas que trabalharam duro e agora vivem em um país que muda e os deixa fora de jogo. Não é algo passageiro ou inconsequente", argumentou.