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Sérvia tenta salvar cirílico em meio a crescimento do alfabeto latino

02/09/2018 06h15

Snezana Stanojevic.

Belgrado, 2 set (EFE).- A política primeiro, e a globalização e as novas tecnologias depois, encurralaram o uso diário do alfabeto cirílico na Sérvia, que vem perdendo espaço para o latino, mais internacional, até o ponto em que o governo do país anunciou medidas que incluem até multas para preservá-lo.

Um dado permite que se tenha uma ideia do desequilibrio entre os dois alfabetos que convivem no idioma sérvio: segundo o Registro Nacional de Domínios da Internet, na Sérvia existem atualmente 101.650 domínios ".rs", em alfabeto latino, e só 2.515 ".srb", em cirílico.

Os caracteres latinos atropelam o cirílico na internet e nas redes sociais, especialmente entre os mais jovens, que nos seus computadores e telefones celulares têm esse alfabeto de comunicação universal e no qual são escritas as línguas estrangeiras que eles estudam.

O domínio é ainda observado nas bancas de jornais, onde há poucas publicações em cirílico, e nas vitrines das livrarias, onde dominam títulos em alfabeto latino.

Nos nomes de restaurantes, lojas, produtos, empresas e cartazes de publicidade também predomina o latino, uma tendência que cresce com a progressiva entrada na Sérvia de marcas estrangeiras, que não adaptam seus nomes ao cirílico.

O idioma sérvio tem dois alfabetos, e nas escolas ambos são estudados. Porém, enquanto o cirílico remonta ao século IX no país, embora tenha sofrido processos de modernização, o uso dos caracteres latinos é muito mais recente e se reforçou com a criação da Iugoslávia em 1918 e a influência da variante croata do idioma, que usa o alfabeto latino.

"A imprensa e a internet impuseram o latino como alfabeto de comunicação universal, o que influencia as pessoas jovens a usarem inconscientemente o latino", disse o Ministério da Cultura à Agência Efe sobre os motivos das novas normas de proteção ao cirílico, ainda não aprovadas.

Já em 2014, um estudo da agência de pesquisas Open Source concluiu que 47% dos cidadãos sérvios usava exclusivamente o latino, contra 36% que preferiam o cirílico e 17% que alternavam ambos.

Principalmente na capital Belgrado e entre os jovens de 20 a 29 anos, o latino já se impunha como código preferido.

Em relação a essa situação, o governo decidiu agir para proteger o que considera um "patrimônio cultural de primeira ordem" que entende estar em perigo.

"É preciso ajudar o que está em perigo, e nisso não há discriminação", argumentou o Ministério da Cultura.

Com o projeto, o governo quer "estimular o uso do cirílico para deter os processos de deslocamento ", mas alega que as medidas não são contra o alfabeto latino.

As emendas à Lei de Uso Oficial do Idioma e o Alfabeto impõem o uso do cirílico, sem abandonar o latino, a todos os órgãos e instituições públicas, desde câmaras municipais a escolas e universidades.

As empresas privadas sérvias terão que usar o histórico alfabeto nos nomes, descrição de atividades, faturas e até instruções de uso dos produtos.

As fachadas de lojas, restaurantes e qualquer outro estabelecimento comercial terão que estar em cirílico.

As empresas estrangeiras não terão que mudar o idioma que aparece na embalagem dos produtos, por exemplo, mas incluir instruções de uso e a garantia em cirílico.

Embora a lei ainda não tenha sido oficializada, vários dos principais veículos de imprensa sérvios anteciparam que as sanções por descumprimento das normas serão de 42 a 830 euros para pessoas físicas e de até 8.300 para empresas.

O linguista sérvio Ranko Bugarski, muito crítico deste novo regulamento, argumentou que o cirílico não corre um risco tão grave e alertou o quão contraproducente é usar "ameaças, leis e métodos forçados".

Petar Bunjak, professor de Filologia da Universidade de Belgrado, concorda com este ponto de vista. De acordo com ele, uma lei não poderá evitar a marginalização do cirílico, e criar uma política sancionadora pode causar um efeito reverso.

Bunjak também opinou que o debate sobre o uso do cirílico e do latino no idioma sérvio tem um componente "sociológico e até sociolinguístico" - o primeiro é relacionado ao Leste Europeu e, especialmente, a Rússia, enquanto o segundo é o adotado no Ocidente,.

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