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Vítimas italianas da Operação Condor estão há 20 anos em busca de justiça

27/06/2019 06h12

Gonzalo Sánchez.

Roma, 27 jun (EFE).- O militante uruguaio de esquerda Bernardo Arnone saiu de casa no dia 1º de outubro de 1976 em Buenos Aires e nunca mais voltou. Desapareceu nas sombras da Operação Condor e seu destino, como o de outras vítimas, é julgado na Itália, em processo cuja sentença será lida em 8 de julho.

Há 20 anos, em 1999, alguns familiares de desaparecidos de origem italiana denunciaram os fatos à Justiça da Itália e agora vão conhecer o veredicto em segunda instância.

Durante todos estes anos foi investigado o destino de 20 ítalo-latino-americanos que desapareceram durante a Operação Condor, o plano de repressão coordenado pelas ditaduras da América Latina entre as décadas de 1960 e 1970.

Os acusados na Itália são 27 hierarcas, militares e repressores de Bolívia, Chile, Peru e Uruguai - a princípio eram mais, mas foram morrendo -, como o ex-ministro do Interior da Bolívia Luis Arce Gómez, e o ex-presidente do Peru Francisco Morales.

Todos são acusados à revelia, ausentes no Tribunal de Roma, por causa de sua idade avançada ou porque já cumprem pena em seus respectivos países, e são defendidos por advogados de ofício.

A lista de vítimas está repleta de sobrenomes italianos, como o caso do revolucionário argentino Luis Stamponi, o padre chileno Omar Venturelli, o tupamaro uruguaio Alvaro Banfi e o sindicalista Gerardo Gatti.

Assim como o uruguaio Bernardo Arnone, militante do Partido pela Vitória do Povo (PVP), raptado em 1º de outubro de 1976 ao sair da casa onde se escondia em Buenos Aires por causa do golpe de Estado no Uruguai de 1973 e a repressão posterior.

Aquela amanhã continua na memória de sua viúva, Cristina Mihura, que levou adiante seu caso na Itália: "Bernardo saiu de casa. Sua mãe estava, tinha vindo nos visitar, e não voltou nunca mais", lembrou Cristina em entrevista concedida à Agência Efe em Roma, onde vive.

Os dois se conheceram em um funeral e se casaram com apenas 20 anos, em 1974, um ano depois do fatídico golpe. Ela estudava e ele era um metalúrgico engajado na luta sindical.

Bernardo estava na mira dos militares por causa de uma série de revoltas em sua fábrica, pelas quais foi preso, e também por sua oposição à ditadura, por isso o casal cruzou a fronteira e se refugiou em Buenos Aires. Primeiro ele, depois ela.

"Tínhamos militância política. Naquela época não éramos crianças nessa idade, mas certamente não éramos adultos", lembra Cristina.

Na Argentina, seu marido desapareceu para sempre, e a viúva suspeita que passou pelo Centro Clandestino de Detenção "Automotora Orletti", uma oficina portenha usada em 1976 pela ditadura para torturar centenas de opositores de esquerda.

Seus passos, e os de muitos outros compatriotas e latino-americanos, se perdem aí: "Naquela época a Operação Condor não tinha nome. Já existia, estava a pleno vapor, e a Argentina era seu epicentro, mas nós não tínhamos nem ideia", assegurou Cristina.

A mulher reconhece que Bernardo nunca renunciou à oposição ao regime e que participou de atentados e operações subversivas, sem matar ninguém, mas defende que em todo caso não merecia esse fim.

"Qualquer crime que tenha podido cometer, que não me consta, não valia a pena de morte. Certamente merecia um julgamento. Sua mãe e sua família, eu, não merecíamos que não nos entregassem seu corpo e 42 anos depois continuam sem dar informações", lamentou a viúva de Bernardo.

A dúvida está em se Bernardo foi deportado de Buenos Aires ao Uruguai no conhecido como "segundo voo", no qual, conforme se soube depois, cerca de 20 uruguaios viajaram, dos quais logo depois se souberam notícias.

Por este caso são acusados na Itália 11 uruguaios: o ex-chanceler Juan Carlos Blanco; José Ricardo Arab, José Horacio Gavazzo, Pedro Antonio Mato, Luis Alfredo Maurente, Ricardo José Medina Blanco; Ernesto Avelino Ramas, José Sande Lima, Jorge Alberto Silveira, Ernesto Soca e Gilberto Vázquez.

Em 2017 o Tribunal de Roma concluiu o julgamento em primeira instância com oito sentenças de prisão perpétua, entre outros para García Meza, Arce Gómez e Juan Carlos Blanco, mas os demais acusados foram absolvidos, bem como o militar Jorge Néstor Troccoli, o único que vive na Itália e que está presente no julgamento, pois fugiu do Uruguai em 2007.

Este ex-militar do corpo de fuzileiros navais durante a ditadura uruguaia (1973-1985) atrai parte da atenção, pois é acusado pelo desaparecimento de 20 uruguaios e sua condenação pode ser cumprida ao ser o único que se encontra na Itália.

Em todo caso, Cristina acredita que o julgamento na Itália tem "um significado muito importante", pois demonstra que a busca pela verdade continua quatro décadas depois e ressalta que o caso de Bernardo já levou a sentenças em Argentina, Uruguai e Itália.

"Posso dizer que por ele houve justiça, mas não verdade. Queria poder enterrar Bernardo com dignidade", concluiu a viúva, emocionada. EFE