Mortes por covid-19 no Brasil dobrarão até janeiro, diz presidente do Conass
As mortes por covid-19 dobrarão no Brasil para cerca de 150 mil até o final deste ano, calculou Carlos Lula, presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), que coleta dados sobre a doença nos 26 estados do país e no Distrito Federal.
Em entrevista à Agência Efe, Carlos Lula também advertiu que há uma falta de medicamentos para intubar os pacientes em estado grave com coronavírus e alertou para o aumento das taxas de contágio e mortalidade nas regiões Sul e Centro-Oeste.
"O primeiro lugar (em números totais de infecções e mortes) deverá ser dos Estados Unidos, mas o segundo lugar será muito difícil para outro país tirá-lo de nós", reconheceu Carlos Lula, que também é secretário estadual de Saúde do Maranhão.
No início de junho, o governo federal decidiu utilizar outros parâmetros para calcular os casos de coronavírus e mortes por covid-19, o que criou uma crise que afetou a reputação internacional do país. Por fim, voltou atrás e passou novamente a contar com os números dos governos estaduais.
O general Eduardo Pazuello, que continua à frente do Ministério da Saúde, não deveria ser afastado agora do cargo, segundo Carlos Lula. O presidente do Conass alegou que o general da ativa do Exército tem bom diálogo com o conselho, e que mais uma troca no comando da pasta não seria positiva no momento.
Carlos Lula, de 38 anos, foi eleito presidente da Conass no início de julho, depois da renúncia de Alberto Beltrame, que está sendo investigado por supostas irregularidades na compra de respiradores no Pará, onde foi secretário de saúde.
Confira a entrevista:
Como está a relação com o governo federal?
Carlos Lula: Houve um momento de ruptura (em junho, quando o governo omitiu dados estaduais sobre casos de coronavírus). A base de dados deles é a que lhes passamos, eles não constroem nada. Esses dados são científicos, pois ajudam a elaborar estratégias para o combate à doença. Atualmente, não há outra tentativa (do governo federal) de manipular ou ajustar os dados de forma pouco transparente.
O que aconteceu no início de junho soou estranho. Até a Universidade Johns Hopkins, referência internacional em dados sobre a covid-19, retirou os números do Brasil de sua plataforma.
CL: Exatamente. Esses dados (do governo) não seriam confiáveis, porque deixavam de informar o número de mortes, por exemplo. Um absurdo. O Conass fez um movimento de resistência entre os secretários (estaduais).
E a relação com o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello?
CL: Ele tem tentado se mostrar mais próximo, nos chamou para conversar, recuperou o comitê de crise que havia sido suprimido desde a saída de (Luiz Henrique) Mandetta (que deixou a pasta em abril). Mesmo perdendo algum debate, eles nos escutam. Por exemplo, sobre a falta de medicamentos para entubar os pacientes.
O senhor acredita que Pazuello deveria ser substituído por alguém com mais competência técnica?
CL: Como não temos muito tempo, a saída do general, neste momento, levaria a muitas mudanças no Ministério. Seria o quarto gestor em um ano. O momento de sair, se for o caso, não é agora. Mudar seria desfazer o que tínhamos construído: o diálogo com o governo federal. Já houve grandes ministros da Saúde que não eram da área, como (o economista de formação e atual senador) José Serra. O importante é quem cerca o ministro. Neste caso, seria muito melhor que esses cargos de confiança sejam da saúde pública.
No Brasil, além do Conass e o governo federal, um consórcio de veículos de imprensa informa sobre os dados da covid-19.
CL: Como medida política, para se distinguir do Ministério da Saúde, o consórcio começou a divulgar seus dados. Em geral, a coleta de dados deles corresponde à do Conass. Com o governo federal, no entanto, às vezes divergimos. Eles divulgam os dados antes de nós (Conass). Ao fechar (um boletim) mais cedo, podem dar um número menor.
Os dados oficiais, os que são levados em conta por organizações internacionais, são os do governo federal.
CL: Sim. E, eventualmente, pode haver uma coleta de dados errônea (por parte das organizações internacionais).
Devido ao tamanho continental do Brasil, há várias curvas de contágios no país. Quais são as que mais os preocupam no Conass?
CL: As das regiões Sul e Centro-Oeste, apesar de terem tido tempo para se preparar em relação às primeiras a serem afetadas. Faltam medicamentos para permitir intubação de maneira segura, para que o paciente não sofra, e isso é um problema grave. O Ministério da Saúde está tentando fazer uma grande compra internacional.
O que preocupa mais os governos estaduais? Faltas de testes para detectar a covid-19, relaxamentos do distanciamento social, reabertura precoce da economia, prescrição da cloroquina?
CL: A falta de testes ocorreu por falta de estratégia, devido à negação do governo federal sobre a pandemia. Essa estratégia deveria ter sido adotada no início. Além disso, há muitas pessoas no país com empregos informais, elas têm que estar nas ruas. Uma coisa é voltar ao trabalho, e outra é tratar como se tudo estivesse acabado. Há pessoas que negam a doença. O mesmo com a cloroquina (com a qual o próprio presidente Jair Bolsonaro tratou sua infecção pelo coronavírus). Há estudos científicos que mostram que ela não é eficaz em nenhuma das fases da doença.
Houve vários casos de corrupção nos estados na compra de materiais médicos. Qual é a proposta do Conass a respeito?
CL: Solicitei uma audiência com o órgão de controle da União sobre esse assunto. Não podemos chegar ao ponto de dizer que todas as compras foram corruptas, nem podemos dizer que a corrupção não existe. Devemos considerar como melhorar os processos de compra e como aumentar a transparência de nossas ações. Houve casos de compras de testes em empresas que consertam veículos ou compras de respiradores em empresas vinícolas. A legislação brasileira é ruim porque não impede a corrupção e é muito burocrática se houver pressa para a compra.
Até o final do ano, qual é a perspectiva para os números de mortes e contágios?
CL: Muito ruim. O primeiro lugar (em números totais de infecções e mortes) deverá ser dos Estados Unidos, mas o segundo lugar será muito difícil para outro país tirá-lo de nós. Pegamos todos os exemplos negativos e os trouxemos para cá. Conhecendo as condições de vida e sociais daqui, que eram ideais para a propagação da doença, não fizemos nada ou muito pouco para proteger as pessoas. De certa forma, simboliza o fracasso da nação no combate à doença. Podemos obter uma imunidade, mas será por acaso.
O país chegará ao final do ano com quais números?
CL: Haverá pelo menos o dobro de mortes que temos atualmente (cerca de 80 mil). Serão 150 mil, quase certamente. De contágios, o número está subestimado. Os casos reais estarão hoje entre 6 milhões e 8 milhões.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.