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Kotscho: há 40 anos, Brasil se vestia de amarelo pela volta da democracia

Faz exatamente quatro décadas na próxima quinta-feira. Mas parece que foi ainda outro dia: o Brasil se levantou contra a ditadura militar e foi às ruas vestido de amarelo pela volta da democracia e das eleições diretas para presidente da República na memorável campanha das "Diretas Já" (ver a história completa no ótimo livro "O Girassol Que Nos Tinge", de Oscar Pilagallo, Editora Fósforo).

Por ironia do destino, boa parte do Brasil também se vestiu recentemente com a camiseta da seleção de futebol para participar de atos antidemocráticos promovidos pelo governo eleito com o objetivo de continuar no poder e reviver o Golpe de 1964. Dos figurões no palanque daquela época, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, só sobreviveu na política até hoje o tri-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que impediu a reeleição do candidato a ditador em outubro de 2022.

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Foi no dia 25 de janeiro de 1984, com mais de 300 mil pessoas reunidas debaixo de chuva na praça da Sé num festivo comício suprapartidário, que São Paulo deu a largada para o que Pilagallo definiu como "o maior movimento popular do Brasil". Eu estava lá.

Na abertura do livro, o autor cita um trecho do documento do Movimento 25 de Janeiro, lido por Esther Góes, presidente do Sindicato dos Artistas de São Paulo, em 14 de fevereiro de 1984, na festa do Amarelo, em frente ao bar Spazio Pirandello, em São Paulo:

"Queremos usar o amarelo das flores sem medo, o girassol amarelo que nos guia, tinge e alimenta".

Era neste bar que líderes políticos de oposição, jornalistas e artistas se reuniam quase todas as noites para discutir os passos seguintes do movimento que, em poucas semanas, mobilizaria o Brasil inteiro, mesmo sem o apoio da grande mídia, com a honrosa exceção inicial da Folha de S. Paulo.

Na abertura do meu livro "Explode Um Novo Brasil - Diário da Campanha das Diretas" (Editora Brasiliense, 1984) conto como começou esta cobertura que fez da Folha o maior jornal do país - até hoje. "Por que a Folha não empunhava de uma vez esta bandeira das eleições diretas, como fazia a imprensa, antigamente, quando se apaixonava por uma causa?", eu perguntava, no final de 1983, numa sugestão de pauta que entreguei ao chefe de reportagem, Adilson Laranjeira.

No dia seguinte, aquelas três laudas foram parar nas mãos de Octavio Frias de Oliveira, o proprietário do jornal. Frias convocou imediatamente a cúpula da redação, leu o texto para todos, e mandou tocar o pau na máquina, como se dizia no tempo da máquina de escrever. Na mesma hora, formou um grupo para cuidar da cobertura da campanha, sob a coordenação de Otávio Frias Filho, secretário do Conselho Editorial. Ambos, pai e filho, já são falecidos.

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25.jan.1984 - Da esq. para a dir., a atriz Dina Staf, o ator Raul Cortez e a atriz e deputada estadual Ruth Escobar (PMDB-SP), no grande comício das Diretas-Já, na praça da Sé
25.jan.1984 - Da esq. para a dir., a atriz Dina Staf, o ator Raul Cortez e a atriz e deputada estadual Ruth Escobar (PMDB-SP), no grande comício das Diretas-Já, na praça da Sé Imagem: Renato dos Anjos/ Arquivo - Folhapress - 25.jan.1984

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O livro foi lançado no saguão da Folha, em frente à velha gráfica da rua Barão de Limeira, na presença de seu Frias, que recepcionou efusivamente Ulysses Guimarães, o grande comandante de toda a campanha pelo país, que eu acompanhei do primeiro ao último comício, no Vale do Anhangabaú.

Apesar da derrota da Emenda Dante de Oliveira, poucos dias antes, por apenas 22 votos, o clima era de festa. No ano seguinte, com a eleição ainda indireta do primeiro presidente civil desde 1964, o mineiro Tancredo Neves, a ditadura militar chegava ao fim. A primeira eleição direta só aconteceria em 1989, mas a campanha já tinha atingido seus objetivos: levantou o Brasil para dizer não ao regime militar, para dizer sim ao futuro democrático.

No prefácio do livro, que Ulysses entregou manuscrito, o "Sr. Diretas", como passou a ser chamado, escreveu:

"(...) Osmar Santos é o locutor das diretas, Fafá de Belém é a cantora das diretas, Ricardo Kotscho é o cronista das diretas. O batismo é do povo. Leia este livro. Assim verificará que, mais uma vez, o povo tem razão".

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Esse foi o maior prêmio que já recebi em quase 60 anos de carreira. Até hoje me emociono quando relembro aqueles dias históricos na travessia da ditadura para a democracia.

Golpe nunca mais!

Vida que segue.

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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