Hostilidade e desinformação inibem voluntários e atrapalham ajuda no RS, diz Defesa Civil
Episódios de hostilidade contra servidores públicos que atuam no socorro às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul e de desinformação sobre resgates e doações afugentam voluntários e prejudicam a assistência aos afetados, disseram representantes da Defesa Civil à Reuters.
O problema acontece em meio a uma crise humanitária com 2,1 milhões de atingidos, segundo o governo gaúcho, na qual voluntários têm sido indispensáveis na ajuda à população.
Há uma semana, um influenciador digital foi ao depósito de mantimentos da Defesa Civil municipal de Porto Alegre e gravou um vídeo afirmando ter sido impedido de pegar água para um abrigo. Os servidores explicaram que era necessário fazer um cadastro e que policiais civis distribuíam as garrafas.
Com a recusa do influenciador em deixar o local e o tumulto causado, policiais tentaram contê-lo. As imagens foram para as redes sociais acompanhadas da acusação de que autoridades estariam retendo doações.
No depósito, o impacto concreto do caso foi a redução no número de voluntários e a necessidade de reforço na segurança. Na tarde de segunda-feira, dois policiais civis, um deles com um fuzil à mostra, faziam a guarda do local.
No dia do episódio, havia 12 voluntários no depósito, segundo uma servidora da Defesa Civil municipal que pediu para não ter o nome publicado por temer represálias. Na segunda-feira, quando o local tinha 280 quilos de colchões com destino definido para serem carregados em caminhões, apenas cinco voluntários apareceram. Duas mulheres disseram a integrantes do órgão que não iriam mais pois se sentiam inseguras.
"Os voluntários estão se sentindo coagidos e expostos, com medo de que alguém grave um novo vídeo e comece a persegui-los. Alguns não quiseram mais vir, e nós não temos como obrigar ninguém", disse a servidora.
Desconhecimento e desinformação
Assim como todos os pontos de ajuda mantidos pelo poder público, o depósito segue regras para a distribuição de itens, como o preenchimento de formulários para controle dos locais mais necessitados e repressão a roubos. Até domingo, o centro fazia entregas apenas para os 157 abrigos cadastrados na prefeitura. Agora, atende também moradores que estão recebendo desalojados.
O desconhecimento sobre tais processos é um dos focos de tensão entre a população e os servidores, e se soma à desinformação deliberada, segundo a funcionária da Defesa Civil.
Um episódio semelhante ao caso do depósito municipal, protagonizado pelo mesmo influenciador, aconteceu no Centro Logístico da Defesa Civil do Estado, também em Porto Alegre. O homem filmou embalagens fechadas de água e disse que estava "tudo parado".
Depois disso, a Defesa Civil gaúcha precisou fazer um pente-fino nos voluntários e limitar o acesso ao local. Na segunda-feira, equipes da Brigada Militar, da Polícia Civil e do Exército faziam o controle de acesso.
"Informações inverídicas veiculadas, de que nós estávamos segurando doações, desestimularam muito o trabalho voluntário", afirmou à Reuters a tenente Sabrina Ribas, porta-voz da Defesa Civil estadual.
Civil salva civil
Nas redes sociais, usuários criticam o que consideram como burocracia estatal e reforçam o bordão "civil salva civil". Os críticos comparam a articulação entre pessoas físicas à suposta lentidão do setor público — muitas vezes responsável por trabalhos mais complexos, como reparos de infraestrutura e resgates com aeronaves, no entanto.
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Quero receberOutros se valem do deboche para acusar servidores de pouco empenho. Um vídeo diz que bombeiros guardaram 40 motos aquáticas para evitar que sofressem danos nos resgates, o que foi desmentido pela corporação. Outro mostra militares pegando um lanche de voluntários em Porto Alegre e afirma que eles "não querem trabalhar, só querem comer".
"Nós temos policiais militares que foram afetados diretamente pelas enchentes, que perderam parte da sua vida material ou absolutamente tudo e que permanecem trabalhando. Então, ouvir ou ler algum ataque às instituições certamente traz um desestímulo para eles", afirmou à Reuters o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio dos Santos Feoli.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, reconheceu que o auxílio da sociedade civil é fundamental.
"Temos muitos heróis e muitas heroínas. Homens e mulheres que não mediram esforços para salvar a nossa gente que foi atingida pela maior tragédia ambiental da nossa história. Me faltam palavras para descrever o orgulho que sinto ao ver a bravura do nosso povo", escreveu Leite na segunda-feira no Instagram.
A Polícia Civil do Estado investiga episódios classificados como "fake news" e golpes. Há 24 inquéritos abertos. Até agora, 36 contas bancárias, sites, perfis ou posts nas redes sociais foram derrubados com aval da Justiça.
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