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Discurso de Damares no Conselho de Direitos Humanos da ONU foi repleto de omissões, denuncia ONG

A ministra Damares Alves durante sessão na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
A ministra Damares Alves durante sessão na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher Imagem: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

24/02/2020 13h35

O discurso da ministra Damares Alves, na ONU, em Genebra, nesta segunda-feira (24) provocou reação por parte de organizações que atuam na área de direitos humanos. Para a ONG Conectas, a fala da ministra foi repleta de omissões e autopropaganda, mostrando um país que não existe. O Brasil vai ser alvo de denúncias no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas por violar os direitos humanos.

Políticas implementadas pelo governo brasileiro em relação aos povos indígenas, por exemplo, serão denunciadas na próxima semana por Conectas, Comissão Arns e Instituto Socioambiental. "Faremos um evento paralelo sobre ataques aos direitos dos povos indígenas. Vamos denunciar as políticas implementadas, incluindo o desmonte da Funai", explica Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.

Segundo ela, durante as reuniões do Conselho, a ideia é chamar a atenção da comunidade internacional para o que vem acontecendo no Brasil na área de direitos humanos.

Para a Conectas, a ministra Damares Alves tentou blindar a imagem do Brasil na ONU com discurso repleto de omissões.

"O governo Bolsonaro se elegeu a partir de uma plataforma anti-direitos e com discurso de ódio contra indígenas, LGBTs, negros e mulheres. Esse governo vem implementando exatamente esse discurso. Ele segue apresentando projetos que violam sistematicamente direitos humanos tais como a excludente de ilicitude, ou de mineração em territórios indígenas, enquanto atacam jornalistas com discursos misóginos e chamam pessoas que vivem com HIV/AIDS de 'despesa para todos no Brasil'", disse Camila.

O discurso da ministra reflete o "encolhimento da relevância internacional do Brasil", na visão da Conectas. "Ser membro do Conselho de Direitos Humanos implica compromisso na busca de soluções para as diversas crises e opressões nas diferentes regiões do mundo. Damares utilizou seus breves minutos na ONU como mero palanque de autopropaganda do governo Bolsonaro".

"Sem corrupção, já começa a sobrar dinheiro para proteger nossos brasileiros"

Em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, destacou o engajamento do governo Bolsonaro no combate à corrupção, criticando a administração anterior. "A corrupção era a maior violação de direitos humanos no Brasil. O governo Bolsonaro recebeu de herança um Estado debilitado por anos de sistemáticos desvios de recursos públicos. Nosso governo, contudo, está decidido a mudar essa realidade", disse ela no Segmento de Alto Nível do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Segundo a ministra, "o dinheiro da corrupção agora vai para políticas públicas de defesa dos direitos humanos".

"Não fazemos discurso de homenagem aos direitos humanos e à justiça social como cortina de fumaça para o desvio institucionalizado de bilhões de dólares destinados à saúde, à educação, à segurança pública. Estamos, na verdade, fazendo o caminho de volta. Em 2019, o equivalente a mais de 25 milhões de dólares em ativos recuperados pela Operação Lava-Jato foram destinados à promoção de direitos de adolescentes em conflito com a lei", afirmou Damares.

De acordo com Damares, o governo atual recebeu "um Brasil mergulhado em corrupção e violência".

Iniciativas do governo Bolsonaro - como a de pagar pensão vitalícia para crianças nascidas com microcefalia por causa do vírus zika e o pagamento da décima terceira parcela do Bolsa-Família - foram usadas pela ministra como exemplos ao dizer que "sem corrupção, já começa a sobrar dinheiro para proteger nossos brasileiros".

O direito à vida no discurso e Marielle de fora, de novo

Como fez no ano passado na ONU, a ministra voltou a falar da proteção do direito à vida, "o primeiro e maior de todos os direitos humanos", escolhido como prioridade, citando queda dos homicídios e no número de estupros. E também como fez em 2019, Damares não mencionou o assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes, que vai completar dois anos e ainda sem a identificação dos mandantes.

Quando falou a respeito da proteção da criança e do adolescente, Damares lembrou a experiência vivida. "Como vítima de violência na infância, estou comprometida em avançar no cumprimento dos diversos tratados de proteção das crianças e peço igual empenho dos demais países por aqueles que herdarão nosso futuro", disse.

Amazônia e LGBTs no discurso

De acordo com a ministra, os "25 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia tem nosso carinho e nossa atenção especial". "Há duas semanas, o presidente Bolsonaro estabeleceu o Conselho da Amazônia, com poderes para propor e acompanhar as políticas públicas para a região, bem como para coordenar a prevenção, fiscalização e repressão a ilícitos em nossa Amazônia, particularmente o desmatamento ilegal", disse. Sobre as pessoas LGBT, ela destacou a publicação de um relatório sobre a situação delas nos presídios brasileiros.

Críticas a Maduro e elogios à ajuda do Brasil aos venezuelanos

A Venezuela voltou a aparecer no discurso da ministra na ONU, quando Damares afirmou que o Brasil vem fazendo "todo o possível para prestar assistência a milhares de cidadãos que chegam ao Brasil em razão da crise humanitária naquele país".

Segundo ela, mais de um milhão de atendimentos emergenciais a venezuelanos foram feitos na fronteira. "Estamos particularmente preocupados com as centenas de crianças que chegam desacompanhadas ao Brasil. Elas precisam de uma perspectiva de vida livre e saudável, algo que lhes foi violentamente retirado pelo regime ilegítimo e autoritário de Nicolás Maduro. "Reitero, com tristeza, nossa preocupação com as persistentes e sérias violações de direitos humanos cometidas na Venezuela".

Na agenda, encontro com Bachelet, que criticou situação no Brasil

Damares Alves está representando o Brasil na ONU pela segunda vez. A ministra desembarcou no domingo (23) no aeroporto de Genebra e, a partir de hoje, tem uma série de compromissos agendados.

Além do discurso na abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, estão previstos ainda outros compromissos, como participação em painéis em homenagem aos 30 anos da Convenção sobre os Direitos das Crianças. Nesta terça-feira (25), Damares tem um encontro com a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet que, em setembro do ano passado, alertou para a redução da democracia no Brasil, dizendo que o país vivia ataques contra defensores da natureza e dos direitos humanos.

As críticas geraram reação do presidente Bolsonaro à ex-presidente do Chile: "Se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba", afirmou ele à época.