Topo

Esse conteúdo é antigo

Cruzeiro de brasileiros pelo Mediterrâneo vira pesadelo por causa da covid-19

O casal Lígia Cossina e Thiago Azevedo Paes embarcaram num cruzeiro para comemorar dois anos de matrimônio. Mas a viagem se transformou num pesadelo por conta da Covid-19 - RFI
O casal Lígia Cossina e Thiago Azevedo Paes embarcaram num cruzeiro para comemorar dois anos de matrimônio. Mas a viagem se transformou num pesadelo por conta da Covid-19 Imagem: RFI

25/04/2020 17h15Atualizada em 25/04/2020 20h12

O cruzeiro de navio pelo mediterrâneo era o sonho do casal  Lígia Cossina e Thiago Azevedo Paes para comemorar os dois anos de matrimônio, mas a viagem se transformou num pesadelo que parece infinito. Depois de um mês a bordo do Costa Victoria, em 8 de abril eles fizeram o teste para a Covid-19 e resultaram infectados, apesar de assintomáticos. A partir daí, ficaram isolados em cabines separadas no navio.

O cruzeiro de navio pelo mediterrâneo era o sonho do casal Lígia Cossina e Thiago Azevedo Paes para comemorar os dois anos de matrimônio, mas a viagem se transformou num pesadelo que parece infinito. Depois de um mês a bordo do Costa Victoria, em 8 de abril eles fizeram o teste para a Covid-19 e resultaram infectados, apesar de assintomáticos. A partir daí, ficaram isolados em cabines separadas no navio.

Em 20 de abril, eles foram transferidos para um hotel em Roma, onde permanecem em quartos separados. Para comprovar o diagnóstico de coronavírus são necessários dois exames, com intervalo de duas semanas.

A segunda análise foi feita na sexta-feira (24), dezesseis dias depois do primeiro exame.

"Existem dois próximos grandes passos. Temos que realizar o exame de contraprova que deve ser feito 24 horas após este teste e também o voo de retorno ao Brasil. Nós não temos ainda qualquer informação sobre os próximos passos. Nada concreto, nenhuma informação é compartilhada conosco em relação a isso. Então, uma série de incertezas ainda estão conosco neste momento" explica Lígia.

Enquanto aguardam respostas, a incerteza é uma tortura em conta gotas. A exaustão do casal começou há quase dois meses, quando embarcaram no navio Costa Victoria no porto de Dubai no último 7 de março.

"A empresa do Cruzeiro a todo momento nos tranquilizou e nos encorajou a seguir adiante nessa viagem, informando que não teríamos qualquer problema de contaminação, comunicando, também, que haviam tomado todas as medidas necessárias para não haver nenhum problema. Eles impediram o embarque dos orientais, japoneses, chineses e dos próprios italianos".

Segundo ela, a temperatura dos passageiros foi controlada antes do embarque e só foi permitia a entrada a bordo de pessoas com menos de 37,5°. A companhia deliberou o uso álcool em gel com monitoramento.

Pandemia

Quatro dias depois do embarque, a Organização Mundial da Saúde declarou pandemia por causa do novo coronavírus. A partir daí, o navio não pode ancorar em nenhum dos destinos que haviam sido propostos pelo cruzeiro.

No dia 22 de março, o navio ancorou perto do porto de Creta, na Grécia, para o desembarque de uma passageira argentina com sintomas de Covid-19. Para evitar a disseminação do vírus, foi decretado a quarentena dentro do navio. Todos os passageiros tiveram que ficar isolados dentro das cabines.

"Eu e meu marido ficamos 8 dias dentro de uma cabine sem acesso à luz do dia. O ar condicionado do navio apresentou problemas liberando uma fumaça preta, um pó preto. Nós reportamos o problema à recepção, mas eles informaram que não poderiam entrar na cabine para fazer a manutenção devido à quarentena e nós permanecemos assim durante oito dias. Após muitos apelos e pedidos de ajuda, nós fomos transferidos para uma cabine com acesso à luz do dia," conta.

Lígia relata que durante este isolamento recebiam 3 refeições por dia. As bandejas com os pratos eram deixadas nas portas das cabines, apoiadas no chão.

"Nas refeições haviam fios de cabelo e talheres com resíduo de sujeira. O que nos despertou certa angústia por imaginar que nós poderíamos estar sendo contaminados através daquilo que estávamos recebendo na cabine.

Após 17 dias de quarentena, fomos realizar o exame de Covid-19, no qual eu e meu marido apresentamos resultado positivo. A partir daí, deu inicio uma nova quarentena".

Depois do resultado positivo, o casal foi separado, cada um em uma cabine, onde permaneceram por oito dias até serem transferidos para o hotel. Mas a transferência também foi um tormento. O casal de brasileiros, junto com um passageiro americano, foi transportado em um veículo improvisado, cujos assentos foram cobertos com sacos plásticos.

"Quando nós desembarcamos, a informação que tínhamos é que haveria um transporte exclusivo para nós. No entanto, o que havia era um veículo totalmente improvisado para a situação. Haviam plásticos cobrindo os bancos. Um plástico fazia a divisão entre os passageiros e o motorista, presos com fitas adesivas. E houve um choque quando a gente se deparou com aquela situação totalmente descabida, dadas as chances de uma possível contaminação. Era um dia muito frio e chuvoso aqui em Roma, com muito vento. Fomos expostos à esta condição climática desde o desembarque do navio até o deslocamento ao hotel".

A chegada ao hotel

A chegada ao hotel também foi tensa. O casal teve de aguardar fora do prédio, enfrentando frio e chuva. Lígia ressalta que a recepcionista de forma grosseira impediu a entrada deles pela porta principal porque estavam contaminados.

"Este processo todo gerou muito estresse para nós. Cada dia no navio havia uma informação diferente, o que colocava muito em xeque o nosso estresse emocional e pode ter colocado em xeque, também, a nossa imunidade".

Lígia, que vive em São Paulo e trabalha como arquiteta de tecnologia, diz que não vê a hora de abraçar seu marido Thiago, gerente de projetos.

"É uma angústia muito grande. Nós só precisaríamos que alguém acompanhasse o nosso caso. Entrasse em contato com o órgão sanitário, com o Gemelli, que é a empresa responsável pela nossa gestão hospitalar aqui e que o consulado também pudesse apoiar neste processo todo.

O cruzeiro, de fato, não está se responsabilizando como deveria em relação à nossa situação. Então a gente ainda não sabe o que vai acontecer com a gente".

No fechamento desta reportagem, Lígia nos informou que os resultados dos testes feitos na sexta-feira (24) foram negativos para ela e o marido. A informação é que o próximo exame de comprovação será na terça-feira (28). Se o resultado não sair no mesmo dia, eles poderão perder o voo que parte na quarta-feira (29) da Alemanha para o Brasil: caso isso aconteça, eles terão que ficar mais tempo em Roma.

Costa Cruzeiro

A companhia Costa Cruzeiros informou que a repatriação ocorrerá assim que as autoridades sanitárias italianas permitirem e seja compatível com a disponibilidade de voos para ao Brasil.

A empresa disse, também, que trabalha em um contexto difícil devido às numerosas restrições existentes. No momento do embarque em Dubai (7 de março) e chegada no porto de Civitavecchia (25 de março), 727 passageiros estavam presentes, entre eles nove brasileiros, e 776 tripulantes, incluindo sete brasileiros. O navio ainda está atracado em Civitavecchia com os 360 tripulantes a bordo, dos quais dois são brasileiros.

Nota do Itamaraty

Em resposta à solicitação de informações feitas pela RFI Brasil, o Itamaraty informou em nota:

"Os Consulados do Brasil na Itália, em Roma e em Milão, estão trabalhando para lograr o retorno dos brasileiros não residentes retidos na Itália e, simultaneamente, para buscar formas de poder ajudar aos brasileiros que se encontrem em situação de desvalimento financeiro.

Temos conhecimento de 260 nacionais não residentes retidos na Itália. Desde o início das restrições de movimentação, o Itamaraty prestou algum tipo de auxílio para o retorno de 600 brasileiros. Esse número não inclui nacionais que voltaram em voos que não foram cancelados ou que não demandaram qualquer tipo de intervenção das representações na Itália.

A título de exemplo, o Consulado em Roma, no âmbito da iniciativa "campanha solidariedade", tem feito entrega de cestas básicas, obtidas com apoio de diversas entidades e pessoas físicas, a brasileiros que delas necessitam. A previsão é de que 100 cestas básicas sejam entregues até o fim de abril.

O Consulado também fornece documentação em caráter emergencial a brasileiros; presta apoio em contato com empresas aéreas para viabilizar o endosso de passagens; faz vistorias in loco em portos, aeroportos, hotéis e hospitais a fim de verificar a situação dos cidadãos brasileiros que lá se encontram; fornece remédios; intercede junto à empresas de cruzeiro e órgãos de saúde pública a fim de agilizar o retorno de cidadãos brasileiros (47 até o momento); apoia mulheres e crianças brasileiras vítimas de violência doméstica agravada pelo período de confinamento decorrente do lockdown vigente; entre outras atividades.

Sobre os casos específicos citados, informamos que o Itamaraty não tem permissão legal para divulgar dados sobre cidadãos brasileiros que recebem assistência consular. Informamos, de toda forma, que o Consulado em Roma está a par do ocorrido, acompanha diariamente o caso dos cidadãos, tanto junto à empresa quanto às autoridades sanitárias italianas, mas não pode, por razões de saúde pública, sobrepor-se às decisões médicas e aos dispositivos legais colocados em vigor pelas autoridades locais."