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Coreia do Norte: o que aconteceria se Kim Jong-un morresse?

Athit Perawongmetha/Reuters
Imagem: Athit Perawongmetha/Reuters

29/04/2020 11h25

O líder supremo da Coreia do Norte não compareceu às cerimônias oficiais do país em 15 de abril e, desde então, se encontra ausente do cenário político. Os rumores sobre seu estado de saúde aumentaram nos últimos dias. Ele estaria morrendo ou apenas se protegendo da covid-19? O que aconteceria se ele tivesse que deixar o poder?

As autoridades de Seul continuam cautelosas. Segundo Kim Yeon-chul, ministro da Unificação da Coreia do Sul, a ameaça da pandemia não explicaria a ausência de Kim Jong-un nas cerimônias tradicionais pelo aniversário de seu avô Kim Il-sung, fundador da República Democrática da Coreia.

Kim Jong-un, cujo trem particular foi visto em Wonsan, na costa leste do país, está em isolamento solitário como medida de precaução diante da pandemia de coronavírus.

Há duas semanas o atual líder supremo norte-coreano não é visto em público. Uma ausência sem precedentes que alimentou especulações sobre seu estado de saúde. Citando uma fonte do país, o Daily NK, um site de notícias de Seul, informou na semana passada que Kim Jong-un foi submetido a uma operação cardíaca em 12 de abril. O líder é conhecido por ter problemas de obesidade e tabagismo. Para a mídia japonesa, ele estaria em um "estado vegetativo" depois de ter "colocado a mão no peito e depois caído no chão".

Desde então, a imprensa oficial norte-coreana não ofereceu outras provas da vida do líder, exceto uma mensagem de incentivo aos trabalhadores norte-coreanos transmitida sem uma foto de Kim. Anna Fifeld, especialista em Coreia do Norte no Washington Post, diz que "ele ainda está no poder, mas não se exibe diante de uma câmera".

Seul tenta varrer os rumores

"É verdade que ele nunca perdeu o aniversário de Kim Il-sung desde que assumiu o cargo, mas muitas celebrações e um banquete foram cancelados devido a preocupações com o coronavírus", disse Kim Yeon-chul, durante uma audiência parlamentar. "Não acho que seja particularmente incomum na situação atual", disse. Desde meados de janeiro, em duas ocasiões Kim Jong-un deixou de aparecer em público, lembrou o ministro sul-coreano.

Segundo o governo de Seul, as informações segundo as quais ele foi operado do coração são, portanto, falsas, assim como o envio de uma equipe médica chinesa para a Coreia do Norte. Do lado norte-americano, circula a mesma informação. Na terça-feira (28), Donald Trump disse, sem mais detalhes, que ele tinha uma "ideia muito boa" da saúde de Kim Jong-un, sugerindo que sua vida não estava em perigo.

Apesar dessa cautela, muitos observadores da Coreia do Norte concordam em um ponto: essa situação não é normal. Daí surgem uma série de perguntas legítimas sobre os possíveis cenários, se Kim Jong-un morresse.

Como o mundo descobriria sua morte?

O regime ao norte da península coreana é um dos mais secretos e opacos do mundo, sobretudo no que diz respeito à saúde de seu mais alto líder. Kim Jong-il, pai de Kim Jong-un, estava morto há dois dias quando informações sobre seu falecimento circularam fora do primeiro círculo de poder em Pyongyang.

Se o filho dele morresse, o mundo provavelmente descobriria através de um repentino anúncio na televisão estatal. É o costume: se um apresentador de vestido preto aparece repentinamente na tela, é porque o dirigente do país morreu.

Nesse caso, Ri Chun-hee, a veterana do noticiário de televisão norte-coreana que narra há décadas os grandes momentos do país, começaria a chorar no caso de uma notícia trágica. Seja um tiro de míssil ou de um teste nuclear bem-sucedido, ela usa um joseon-ot rosa, um dos vestidos tradicionais da Coreia do Norte, conhecido como hanbok no sul da península. Quando ela revelou as mortes de Kim Il-sung, em 1994, e de seu filho Kim Jong-il, em 2011, ela usou um vestido preto.

O sucessor também se chamaria Kim?

Oficialmente chamada República Democrática Popular, a Coreia do Norte sempre foi governada por um dos membros desta mesma família desde a sua fundação, em 1948.

A legitimidade reivindicada pelo Partido dos Trabalhadores repousa na luta de Kim Il-sung contra o ocupante japonês, e depois contra a coalizão das Nações Unidas liderada pelos norte-americanos durante a Guerra da Coréia (1950-53).

Desde então, o Partido manteve o controle da sociedade norte-coreana - a "unidade de espírito" é um dos seus mais antigos slogans. Ninguém espera uma insurreição contra ele se Kim morrer. Segundo Andrei Lankov, do Korea Risk Group, entrevistado pela Reuters, "generais norte-coreanos e políticos de alto escalão não iniciarão uma luta pelo poder, ou esta será uma luta limitada. Eles aceitariam um novo líder da família de Kim".

Quem são os candidatos da família de Kim?

Acredita-se que Kim Jong-un tem três filhos. Entre eles, sabemos apenas que o segundo é uma menina. Mas, o fato é que eles são jovens demais para substituir o pai.

Sua irmã, Kim Yo-jong, é uma das conselheiras mais próximas do atual líder norte-coreano. Em 2018, ela foi sua representante nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang, no sul. Ela acompanhou Kim Jong-un em suas aventuras diplomáticas e até publicou comunicados de imprensa em seu próprio nome.

Yo-jong é membro suplente do Politburo do Partido dos Trabalhadores e hoje é a mais alta dignitária da família Kim. No entanto, a sociedade norte-coreana permanece muito conservadora e nunca foi liderada por uma mulher.

Quanto a Jong-nam, um dos irmãos de Kim Jong-un, ele seria seu sucessor natural se não tivesse sido assassinado em 2017, envenenado por um veneno mortal no aeroporto de Kuala Lumpur . Um assassinato que, segundo especialistas, leva a assinatura de Pyongyang.

Kim também tem um irmão mais velho, Jong-chol, conhecido por ser fã do guitarrista inglês Eric Clapton. Ele nunca demonstrou nenhuma ambição política. A lista próxima da família ficaria incompleta sem a esposa de Kim Jong-un, Ri Sol-ju. Ela tem um status público sem precedentes, e até recebeu o título de primeira-dama em 2018.

Entre os outros membros do clã, apenas Kim Pyong-il, meio-irmão de Kim Jong-il, também é mencionado como sucessor. Ele foi o embaixador da Coreia do Norte em vários países da Europa Oriental por décadas. Mas foi retirado em 2019 de seu último posto na República Tcheca. Ninguém ouviu falar dele desde então. No entanto, ele poderia ser um candidato alternativo a Kim Yo-jong, apoiado pelos conservadores norte-coreanos que se opõem à adesão de uma mulher ao poder supremo.

Coronavírus mais perigoso que a morte de Kim

A possível morte de Kim Jong-un não é o problema número um da Coreia do Norte. "Longe disso", lembra Peter Hayes, diretor do Instituto Nautilus, um think tank australiano. Para ele, o país é "uma caixa preta da pandemia de coronavírus, cuja opacidade de informações ameaça a todos".

De Pequim a Tóquio, via Seul, todos temem a contaminação por comerciantes e refugiados norte-coreanos que cruzam a fronteira.

A administração norte-coreana poderia gerenciar uma crise de saúde maciça? Sem mencionar a fome causada pela quarentena de trabalhadores em uma nação com uma economia mais frágil. O desafio seria, certamente, muito maior para Pyongyang do que encontrar um sucessor para Kim Jong-un.

(Com informações de Joris Zylberman)