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'Brasil protege a economia e deixa a pandemia se expandir', afirma chanceler argentino

Os ministros das Relações Exteriores de Argentina e Brasil, Felipe Solá e Ernesto Araújo - Lucio Tavora/Xinhua
Os ministros das Relações Exteriores de Argentina e Brasil, Felipe Solá e Ernesto Araújo Imagem: Lucio Tavora/Xinhua

Márcio Resende

Da RFI, em Buenos Aires

17/07/2020 08h10

O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Felipe Solá, indica que "os pólos opostos" que hoje representam o argentino, Alberto Fernández, e o brasileiro, Jair Bolsonaro, são um dos motivos para que a relação entre Brasil e Argentina não esteja fácil. O chanceler também afirma que o governo argentino não vai mais insistir em rever o acordo Mercosul-União Europeia e que deixará a decisão de uma aprovação ou não do tratado para o Congresso.

O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Felipe Solá, admitiu que "a relação entre Brasil-Argentina não está fácil" e que isso dificulta um encontro pessoal entre os presidentes Alberto Fernández e Jair Bolsonaro que nunca se falaram nem mesmo pelo telefone.

"Admito que a relação não está fácil para que um encontro aconteça não só porque tem a questão da covid, mas também pelas diferentes políticas de ambos os países que motivam os dois presidentes a se expressarem exatamente em pólos opostos sobre como encarar a pandemia", indicou o chanceler Felipe Solá, durante videoconferência com os jornalistas estrangeiros em Buenos Aires.

O ministro apontou o ponto central da discórdia: "A posição de proteger a saúde humana em primeiro lugar, no caso de Alberto Fernández, ou proteger a economia e deixar que a pandemia se expanda, em nível federal, no caso de Jair Bolsonaro", comparou.

"Esse é um dos motivos de desencontro forte", concluiu.

Um ano de desavenças

O argentino Alberto Fernández usa regularmente o mau desempenho do Brasil em matéria sanitária no combate ao coronavírus para exaltar o bom desempenho argentino. Já o brasileiro Jair Bolsonaro indica que a Argentina ruma ao socialismo e que as intervenções do governo na economia têm levado empresários argentinos a procurarem refúgio no Uruguai e no Brasil.

Em termos de combate ao vírus, enquanto a Argentina adotou a mais prolongada quarentena do mundo, o Brasil flexibiliza as restrições. Enquanto a Argentina, com 45 milhões de habitantes, tem 2.122 mortos, o Brasil, com quase cinco vezes mais de população, tem 36 vezes mais: 76.822 falecidos.

Bolsonaro não cumprimentou Fernández pela vitória nas urnas em outubro e não foi à posse do presidente argentino em dezembro. Há duas semanas, os dois participaram de uma videoconferência para a reunião virtual de presidentes do Mercosul, mas nenhum mencionou o outro.

Os ataques entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández começaram em junho do ano passado, quando Bolsonaro começou a fazer campanha a favor da reeleição do ex-presidente, Mauricio Macri durante o processo eleitoral argentino e alertou para o risco de Fernández transformar a Argentina numa nova Venezuela.

No mês seguinte, Alberto Fernández visitou Lula da Silva na prisão e depois, em outubro, durante seu discurso de vitória, pediu a liberdade de Lula, maior inimigo político de Bolsonaro.

Acordo Mercosul-União Europeia

O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Felipe Solá, também indicou uma mudança na postura do governo argentino em relação ao tratado comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Buenos Aires tinha indicado que queria "rever termos do acordo", mas o chanceler declarou que o governo não quer alterar mais o texto, deixando a decisão da sua aprovação para o Congresso.

"O acordo foi assinado pelo governo anterior, mas, por uma continuidade jurídica do Estado daquilo que se assina, temos de aceitá-lo e de enviá-lo ao Congresso. Nós nos opusemos a que fosse assinado porque não houve nenhum estudo de impacto sobre os setores privados", explicou Solá.

Atualmente, o acordo assinado em junho passado, depois de 20 anos de negociações, está na fase de revisão legal. Depois, começará a fase seguinte em que precisará ser ratificado pelos Parlamentos de cada país, um processo que pode levar cerca de dois anos. Somente após esse processo, entrará em vigência, inaugurando uma paulatina abertura comercial que pode levar até 15 anos, dependendo de cada setor.

Na Europa, os Parlamentos de cada país precisam aprovar o capítulo político enquanto que, para o capítulo comercial, basta a aprovação da Comissão Europeia que já se mostrou contrária a uma revisão.

Sem modificações

Durante a campanha presidencial, Alberto Fernández oscilou entre a crítica e a advertência sobre o acordo comercial negociado por seu antecessor, Mauricio Macri. Fernández anunciou que "iria rever o acordo UE-Mercosul".

"O acordo está fechado. Ainda não terminou a sua etapa jurídica. Depois disso, será redigido e nós o assinaremos. Depois virá uma etapa muito política nos Parlamentos da Europa e do Mercosul, mas não se pode mudar o que foi assinado: ou se aprova ou se reprova", esclareceu Felipe Solá numa mudança de postura.

E qual será a recomendação ao Congresso, perguntou a RFI ao ministro. "Nós não temos uma palavras final, mas acreditamos que estejamos mais perto de que se discuta no Congresso e não mais no Poder Executivo porque, com o passar do tempo, vão-se mudando as circunstâncias políticas e as estratégias", respondeu.

Enquanto essa fase final não chega, a Argentina encomendou estudos sobre o impacto do tratado na economia para encaminhar o resultado durante o debate parlamentar.

Há um ano, quando ainda governava o ex-presidente argentino, Mauricio Macri, os países do Mercosul concordaram que o acordo entraria em vigência em cada país, individualmente, à medida que cada Parlamento o aprovasse. Os governos já previam o que poderia acontecer na Argentina se Mauricio Macri perdesse as eleições para Alberto Fernández. Assim, o acordo Mercosul-União Europeia poderá entrar em vigência, independentemente da Argentina que ficaria de fora.