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'Armas biológicas': com medo, Venezuela discrimina venezuelanos que voltam ao país

De máscara, homem aguarda para receber cesta básica fornecida pelo governo da Venezuela durante a pandemia - Humberto Matheus/NurPhoto via Getty Images
De máscara, homem aguarda para receber cesta básica fornecida pelo governo da Venezuela durante a pandemia Imagem: Humberto Matheus/NurPhoto via Getty Images

Por Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil em Caracas

07/08/2020 05h35

Várias medidas vêm sendo aplicadas na Venezuela para conter a covid-19. Um estádio foi transformado em hospital de campanha, blocos de concreto foram colocados nas vias, festas estão proibidas e há um canal de denúncia contra venezuelanos que voltam ao país por trilhas ilegais.

Estas foram as maneiras que o governo encontrou de frear os 23.280 casos positivos do novo coronavírus registrados desde março deste ano, quando a doença chegou ao país.

Sem condições para se manterem no exterior, pelo menos 42 mil venezuelanos em território colombiano tentam voltar ao próprio país, de acordo com Juan Fernando Espinoza, diretor da Migração Colômbia.

É na fronteira entre os dois países que centenas deles se aglomeram aguardando a autorização para ingressar na Venezuela. No entanto, a entrada deles é restrita por ordem do governo de Nicolás Maduro. Para o governo da Venezuela, essas pessoas são "armas biológicas", já que poderiam elevar o número de casos no país.

As autoridades do governo bolivariano classificam o coronavírus como "o vírus colombiano", como se a doença tivesse surgido no país vizinho e não na China, um dos principais apoiadores da Venezuela.

Ao relento, com fome e sem conseguir passar legalmente pela fronteira, esses venezuelanos recorrem a "trochas", como são chamadas as vias ilegais, para voltar para casa. Às vezes precisam pagar atravessadores ou até mesmo subornar integrantes da Guarda Nacional Bolivariana para poder entrar no país em que nasceram.

Estes venezuelanos são recriminados e chamados pejorativamente de "trocheros". Caso sejam pegos na Venezuela, são levados presos por ordem do governo. Para o bolivariano Freddy Bernal, protetor de Táchira, estado na fronteira com a Colômbia, os "trocheros" são "terroristas biológicos".

Até o momento, pelo menos 21 "trochas", as passagens irregulares na fronteira colombo-venezuelana, foram destruídas.

Perseguição contra os "trocheros"

Entre as medidas restritivas, Maduro afirmou recentemente que é preciso "parar o tema dos "trocheros", que contaminaram o país".

Números divulgados pelo governo apontavam que havia mais casos "importados" que de transmissão comunitária. Hoje essa proporção se inverteu. Nas últimas horas foram registrados 942 casos de transmissão comunitária e apenas 39 casos importados.

Para identificar e buscar os "trocheros" foi criado um correio eletrônico para receber denúncias anônimas desses venezuelanos que retornam de maneira ilegal ao próprio país.

No incentivo à delação está o alerta: "lembre-se de que a saúde de todos está em jogo por culpa de irresponsáveis que violam pontos de controle epidemiológico no país. Denuncie!"

Maduro afirmou em rede nacional que mais de mil "trocheros" foram encontrados em todo o país.

Soledad García, relatora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, considera que classificar como "trocheros e apátridas" os venezuelanos que tentam voltar ao país "agrava a situação de vulnerabilidade dos migrantes".

São as Brigadas de Prevenção Popular que fazem as buscas. Elas vão aos endereços denunciados para capturar quem voltou ao país de maneira ilegal.

No melhor dos casos, eles são levados a albergues ou hotéis habilitados pelo governo, onde ficam em observação por até 14 dias. No entanto, há denúncias de que nesses centros faltam água e colchões, e a comida é limitada.

Outros não têm a mesma sorte. Cerca de 13 "trocheros" foram processados e deverão cumprir entre seis e dez anos de prisão.

De acordo com o Observatório Venezuelano de Prisões nos últimos dias cerca de 49 detentos foram detectados com a covid-19. Não há informações concretas sobre como a doença se espalhou nas cadeias venezuelanas.

Proibido se contaminar

A Direção de Manutenção da Ordem Interna da Guarda Nacional Bolivariana, braço das Forças Armadas, lançou uma advertência. O funcionário que por "negligência" for contaminado com a covid-19 terá um procedimento administrativo aberto e será severamente punido.

Há semanas pelo menos 160 militares testaram positivo para o novo coronavírus. Cerca de 12 integrantes da cúpula do chavismo, Diosdado Cabello entre eles, testaram positivo. Esta semana o vice-almirante Luis Somaza Chacón morreu em decorrência do vírus.

Para receber infectados, o governo bolivariano adaptou com 1.200 camas o Poliedro de Caracas, uma espécie de Maracanãzinho onde eram realizados shows, jogos e os concursos do Miss Venezuela. Como chefe deste hospital de campanha foi designado o ex-jogador de beisebol e cantor Antonio Álvarez, mais conhecido pelo apelido de Potro Álvarez.

É obrigatório o uso de máscaras nas ruas do país. No estado Miranda, que engloba a Grande Caracas e onde estão boa parte dos infectados, esta semana foi instaurado um rodízio. É preciso obedecer o dia da semana determinado pelo final numérico da carteira de identidade para poder comprar nos supermercados.

Em Caracas, nos bairros com maior número de infectados, foram colocados blocos de concretos nas ruas para impedir a circulação de veículos e de pessoas.

Em todo o país estão proibidas as reuniões, sob pena de prisão. No último fim de semana cerca de 140 pessoas foram presas em flagrante ao participar de festas clandestinas. Para a primeira dama, Cília Flores, "é preciso assumir a quarentena como forma de vida".