O drama dos brasileiros que se sentem 'abandonados' pelo Itamaraty na Venezuela
Eles não se conhecem, mas têm muito em comum: são brasileiros, estão na Venezuela, têm cada vez menos dinheiro para sobreviver no país vizinho e não sabem como farão para voltar ao Brasil. O pior é que o Itamaraty não responde aos inúmeros pedidos de ajuda enviados por eles.
Esta é a situação de Mônica Lima, Weverton Ferreira da Conceição, Dalva Mello de Chauran e Marcela Araújo. Eles estão, respectivamente, nas cidades de Valencia, Barquisimeto, El Tigre e Puerto La Cruz. Outros brasileiros estão em lugares remotos da Venezuela, clamando por ajuda para sair do país.
No início de março, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, decretou quarentena nacional e ordenou o fechamento das vias aéreas e terrestres em todo o território. Passar de um estado a outro é possível após a apresentação de um documento outorgado pelas Forças Armadas, o "salvo-conduto". Sem ele, o viajante pode ser preso por desobedecer a uma ordem do governo bolivariano.
A situação desses brasileiros se agravou desde 27 de março. Foi nesta data que o Consulado-Geral e os três vice-consulados encerraram as atividades diplomáticas do Brasil na Venezuela. Dias depois foi a vez da Embaixada Brasileira fechar as portas em Caracas. A decisão do presidente Jair Bolsonaro foi tomada sem prévio aviso, deixando mais de 10 mil brasileiros desamparados na Venezuela.
No voo da FAB (Força Aérea Brasileira) enviado para a retirada dos integrantes do corpo diplomático foram repatriados pelo menos 14 cidadãos brasileiros. Já em 20 de abril deste ano, cerca de 19 brasileiros conseguiram deixar a Venezuela em um avião militar do Uruguai. A partir de então, não foram anunciadas outras ações de apoio aos nacionais do Brasil na Venezuela. Cada um está entregue à própria sorte.
A RFI Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do Itamaraty, mas até o fechamento desta reportagem não recebeu resposta.
Sem casamento e cozinhando à lenha
Em fevereiro deste ano, o maranhense Weverton Ferreira da Conceição saiu de Manaus com a venezuelana Elena rumo a Barquisimeto, cidade a 383 quilômetros de Caracas. Durante os vinte dias de férias, o casal formalizaria a união matrimonial. Por causa da epidemia de covid-19, o casamento precisou ser adiado. Há seis meses longe de casa e de seus empregos, o dinheiro começou a escassear. Graças ao apoio dos sogros, o casal tem conseguido se manter na Venezuela.
"Já sabia da situação do país. Com o salário (venezuelano) não dá para comprar mais que dois quilos de arroz. Já vi muita gente passando fome", conta Weverton.
Eles tentaram de diversas maneiras chegar à fronteira com o Brasil. Todas frustradas."Para sair daqui tinha que pedir o salvo-conduto. Fui de madrugada ao comando das Forças Armadas. Após horas na fila, começaram a impor dificuldades", relata o maranhense.
Por causa da angústia de não poder voltar para casa, a incerteza sobre seu emprego no Brasil e a falta de infraestrutura na Venezuela, Weverton tem se sentido doente.
"Estou entrando em depressão. Aqui onde estou falta água, energia elétrica, há escassez de gás de botijão. Estamos cozinhando à lenha. Nunca vivi isso na minha vida."
Ele desistiu de pedir ajuda ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil. "Há dois meses me comuniquei com o Itamaraty. Nunca me responderam nem bom dia. Já não mando mais mensagem e não posso mais ficar aqui."
O brasileiro ressalta que "o presidente (do Brasil) podia dar um jeito de nos tirar daqui". "Estamos abandonados na Venezuela", constata com amargura.
A chance de chegar à fronteira brasileira é por meio dos caminhoneiros que transportam alimentos. Eles têm permissão e podem circular por todo o país. Mas há outro empecilho.
"Eles se aproveitam da situação e cobram preços absurdos. Um pediu US$ 800 para levar eu e minha esposa até a fronteira. É muito dinheiro", diz Weverton.
Carona de US$ 2 mil
Situação parecida é vivida por Mônica Lima. Ela chegou ao país em 2015, onde "fez amizades e foi bem recebida". De tempos em tempos, ela ia a alguma cidade brasileira perto da fronteira para renovar o visto de turista e voltar à Venezuela. Trabalhando como autônoma, percebeu que "já não dá para sobreviver e custear despesas por conta de uma inflação desenfreada".
De acordo com a Assembleia Nacional, de oposição ao governo, a inflação acumulada deste ano chegou a 843% na Venezuela. A crise econômica e financeira piorou com a pandemia, "que não nos deixa ter uma vida normal", explica Mônica. Em fevereiro, ela fez o que pensava ser seu último retorno à Venezuela, "para terminar de resolver uns problemas, pegar a bagagem que ainda tenho aqui e voltar em definitivo ao Brasil", mas acabou ficando bloqueada pela epidemia.
Mônica se queixa da forma como o governo brasileiro procedeu. "Para piorar a situação, após o início da quarentena, o Brasil retirou seu cônsul e funcionários da Venezuela de forma sorrateira, porque nenhum brasileiro teve conhecimento disso para tomar providências", critica Mônica.
Esta alagoana ressalta que "nem avisaram que viria um avião da FAB".
A reportagem da RFI Brasil vem acompanhando a situação dos brasileiros na Venezuela. Na ocasião do voo da FAB, poucos brasileiros foram avisados e o Itamaraty, através de um questionário, deu prioridade àqueles que estavam em turismo na Venezuela, relegando os residentes.
Nos últimos dias, Mônica vem tentando sair do país em algum caminhão. "Mas isso é uma odisseia, além da extorsão dos motoristas, que querem cobrar até US$ 2 mil para levar a pessoa de carona até a fronteira".
Nas últimas mensagens enviadas, o Itamaraty explica que somente atenderá casos de morte de brasileiro em território venezuelano.
Idosa brasileira com Alzheimer
Após diversos pedidos negligenciados pelo Itamaraty e sem saber mais a quem recorrer, a família da brasileira Dalva Mello de Chauran pede apoio para retirá-la da Venezuela. Esta idosa de 78 anos mora em El Tigre cidade a 40 minutos de voo de Caracas, no estado Anzoátegui. Paciente de Alzheimer, ela está só com sua cuidadora, Marlem Lizaira Suarez de Chauran.
Mas, segundo Patrícia Urias, que está no Brasil e é sobrinha de Dalva, "não há condições financeiras para ela adquirir os medicamentos".
"As duas estão em estado de penúria", sem conseguir se manter apenas com um salário mínimo de 800 mil bolívares, o equivalente a US$ 2,80 na moeda americana.
De acordo com o Cendas (Centro de Documentação e Análise Social), para cobrir as necessidades básicas de alimentação eram necessários cerca de US$ 270 em junho deste ano.
Sem gasolina
Marcela Araújo está em Puerto La Cruz, onde estuda medicina, e quer voltar para Boa Vista, sua cidade natal.
"Minha alimentação vem do Brasil e a comida aqui na Venezuela, todo mundo sabe, é uma coisa absurda. Todo dia as coisas estão mais caras. Por causa das dificuldades econômicas tem vezes que não consigo me alimentar de forma adequada."
Em busca de alternativas para voltar ao Brasil, ela relata o impasse que viveu.
"Há dois meses tentamos, com outros brasileiros, ir embora no carro de um deles. Mas a gente não conseguia gasolina para completar a viagem. Além disso, não tínhamos autorização para fazer a viagem. Então decidimos ficar."
Marcela fez vários pedidos de repatriação ao Itamaraty, até que desistiu de voltar a escrever para o governo brasileiro.
"Já enviamos informações sobre as condições que estamos enfrentando aqui. A gente só está pedindo para voltar para casa!", diz com um certo cansaço, sem compreender por que as autoridades em Brasília tratam os brasileiros bloqueados na Venezuela com tamanho menosprezo.
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