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Acuados entre fogo e agricultura, animais do Pantanal não têm para onde fugir

Carcaça de um macaco-prego morto em área queimada na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Sesc Pantanal, no Mato Grosso - Lalo de Almeida/ Folhapress
Carcaça de um macaco-prego morto em área queimada na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Sesc Pantanal, no Mato Grosso Imagem: Lalo de Almeida/ Folhapress

Em meio a uma seca sem precedentes, o fogo no Pantanal já consumiu pelo menos 2,3 milhões de hectares do bioma no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A área representa 15% de toda a extensão da maior zona tropical úmida do mundo, conforme indica o Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais).

As imagens dos animais mortos ou gravemente feridos pelas chamas causam comoção e revolta. Acuada entre o fogo, de um lado, e gigantescas terras destinadas à agricultura, do outro, a fauna típica da região não tem para onde escapar.

"Saindo do Pantanal, para onde poderiam ir? O Cerrado, o bioma do entorno? A maior parte do Cerrado já foi transformado em agricultura", explica Joari Costa de Arruda, doutor em biodiversidade e biotecnologia e professor da Unimat (Universidade do Estado do Mato Grosso).

"Na realidade, o Pantanal é um refúgio de toda a pressão que temos em volta. Suprimindo esse ambiente com os incêndios, esses animais não têm para onde ir. Não há um local onde eles possam permanecer, voltar, procriar. Se a gente perder mais desse ambiente, são vidas que jamais vamos conseguir ver novamente", diz.

Fauna excepcional ameaçada

As onças-pintadas são o cartão-postal do Pantanal, que concentra a maior população da espécie no planeta. Mas também estão ameaçados animais típicos como arara-azul-grande, lobo-guará, ariranha, tamanduá-bandeira e o tuiuiú, além de dezenas de serpentes, jacarés e macacos, entre tantos outros.

"Se o Cerrado também não for preservado, teremos problemas. As nascentes do Pantanal estão todas no Cerrado, como os rios Cuiabá e Taquari. As chuvas vêm de lá", frisa Arruda.

O pesquisador lembra que os incêndios ilegais, iniciados em julho para expandir a área plantada e preparar a terra, não são o único problema que o Pantanal enfrenta: 2020 está sendo um ano excepcionalmente trágico para o bioma. No início do ano, a deterioração da qualidade da água dos rios, com o fenômeno chamado de dequada, levou a uma mortalidade em massa de peixes.

Depois, a pandemia de coronavírus resultou no aumento das atividade nos rios, que ficaram sobrecarregados. Agora, a estiagem e a ocorrência de temperaturas extremas propagam os incêndios. Pela primeira vez desde que há registros meteorológicos, Cuiabá teve três dias consecutivos a 42° C.

"A gente hoje está passando por uma seca histórica, a maior dos últimos 100 anos, conforme os registros. Estamos num período em que, pela legislação, é proibido o uso de fogo, mas não é o que temos visto", comenta. "É muito tenebroso o futuro que nos espera se a gente não cuidar mais disso."

Falta de articulação para combater o problema

Denis Rivas, presidente em exercício da Ascema (Associação dos Servidores de Carreira de Especialistas em Meio Ambiente), denuncia que, até agora, o governo federal não adotou um protocolo organizado para salvar a fauna nem combater o fogo.

"Hoje, eles estão tentando correr atrás no combate ao incêndio somente para atender à opinião pública, e de uma maneira muito atrapalhada. Em todo esse período, eles não ouviram os técnicos. Em nenhum momento o ministro sentou para dialogar com eles, que têm 20 ou até 30 anos de experiência", afirma Rivas. "Isso está tendo impacto direto na falta de capacidade de organização e articulação."

Um número limitado de brigadistas do Ibama e do ICMBio, além de voluntários, atuam dia e noite para enfrentar as chamas. Eles se expõem a um fenômeno particular da região, chamado fogo subterrâneo, que queima componentes orgânicos altamente inflamáveis depositados sob o solo.

"O fogo subterrâneo queima as raízes das árvores. Em locais que já foram queimados no passado, as árvores não se recuperaram mais", detalha o especialista da Unimat. "Árvores de 12 ou 15 metros de altura morrem com os incêndios no Pantanal. A vegetação de lá é adaptada para um clima molhado, hidromórfica, e não para o fogo."

Menos fiscalização em ano com recorde de incêndios

Para Denis, a única estratégia eficaz para evitar que uma tragédia como essa volte a se repetir é a prevenção, graças aos mecanismos de fiscalização ambiental de órgãos como Ibama e ICMBio:

"Em 2019 inteiro, fizeram descaso, fingiram que não estava acontecendo nada, atrasaram contratações, diminuíram orçamento, não fizeram nenhuma reposição de servidores. Essa sinalização é desastrosa", pontua o servidor. "O que estamos vendo hoje, esse descontrole, tem muito mais a ver com uma falta de sinalização do governo federal de que iria de fato combater os crimes ambientais, o desmatamento e as queimadas."

O resultado é que, em 2020, houve uma queda de 22% das multas ambientais relativas ao tema no Mato Grosso do Sul e 52% no Mato Grosso, em comparação com o ano passado. Isso ocorre ao mesmo tempo em que o Pantanal registra recordes de queimadas: dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que os incêndios cresceram 210% em 2020.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado anteriormente, o nome da espécie é arara-azul-grande, e não arara-azul-gigante. A informação já foi corrigida.