Em Lisboa, campanha de imigrantes trans angaria fundos para alugar uma casa e evitar despejo
A campanha de arrecadação começou em agosto de 2020, por meio da Gofundme, uma plataforma de angariação de fundos. O objetivo era conseguir dinheiro suficiente para pagar a caução e os primeiros meses de aluguel de um imóvel - a "Casa T".
Até o fim da primeira quinzena de setembro, a campanha chamada "Casa T" havia conseguido mobilizar pouco mais de 100 doadores e arrecadar quase ? 3,4 mil. A meta é chegar a ? 3,5 mil, o que corresponde a cerca de R$ 22 mil . Além da caução, o dinheiro vai ser suficiente para pagar três meses de aluguel.
Graças às doações feitas até agora, finalmente foi possível alugar um imóvel de três quatros. Atualmente moram sete pessoas trans na Casa T - uma da Guiné-Bissau e seis do Brasil. Para quem reside, a nova moradia é um lugar seguro, "onde eu posso dormir, posso ter a minha alimentação saudável, e [onde] eu também vou ser bem tratada dentro do meu pronome, dentro da minha singularidade trans", sublinha Áquilla Correia, moradora e uma das idealizadoras da campanha.
Pedido de socorro
Segundo Áquilla, se não fossem as doações, tudo seria mais difícil. "Nós não temos dinheiro pra pagar um aluguel, justamente porque não temos trabalho. E nós não temos trabalho porque os processos seletivos, eles são extremamente transfóbicos, racistas e xenófobos."
Mestre em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa, Áquilla explica que a campanha é um pedido de socorro "inclusive para as empresas, para o Estado, para pensarem num processo seletivo bem mais aberto, que consiga contemplar o ser humano pelas suas potencialidades, pelo seu percurso", ressalta.
Despejos
A ideia de fazer a campanha foi motivada pela grande quantidade de despejos, principalmente, durante a quarentena. "Nós tivemos seis manas que foram despejadas de forma brutal, sob a interferência policial. Nós, primeiro, procuramos as associações locais, que colocam ali a sigla T, e nós não tivemos um retorno dessas associações locais, porque elas também não estão preparadas pra nos abrigar."
Áquila Correia é natural da cidade goiana de Minaçu. Há três anos vivendo em Lisboa, ela lembra que já passou por diversos despejos desde que chegou a capital portuguesa. "Pouquíssimos despejos foram por questão financeira. A maioria dos meus despejos, eles surgem a partir da transfobia."
Estar em Lisboa, "enquanto corpa transvestige?nere, negra e imigrante é uma remada solitária, mas, ao mesmo tempo, a gente vai encontrando as pares" - pessoas trans ou, como prefere Áquilla, transvestige?neres. O termo, explica, foi adotado "para englobar as palavras travestis, transexuais, transgêneros e não-binários".
Casa T de olho no futuro
Ciente de que a angariação de fundos foi uma medida adotada para dar uma resposta rápida ao problema de habitação, Áquilla Correia diz que, a partir de agora, é necessário um conjunto de ações sustentáveis.
"É muito importante pra nós construirmos autonomia fora da prostituição. Então, tendo um espaço físico, fica muito mais fácil essa autonomia. Como por exemplo, estamos fazendo um trabalho de cozinha afetiva; a gente vai vender comida pra fora."
A fim de acolher um número maior de transvestigeneres, os projetos futuros também incluem transformar a Casa T em Organização Não Governamental e fazer com que a ideia ocupe outros imóveis. Áquila adianta que a Casa já está fazendo parcerias com associações internacionais, que atuam no acolhimento de pessoas trans, além de contatos com a autarquia local e empresas.
"Espera-se que a gente consiga formalizar a ONG e que essas empresas parceiras, que já tão começando a entrar em contato com a gente, realmente possam oferecer um apoio continuado à casa."
De portas abertas
Segundo Áquilla, à medida que uma residente vá conquistando sua autonomia financeira e mudando-se para um espaço somente dela, novas pessoas poderão viver na Casa T de Lisboa. Embora priorize o acolhimento de trans imigrantes, a Casa também está aberta a portugueses "porque essas corpas também poderão estar em situação de risco social", esclarece.
Por fim, um registro: "Unimo-nos pra isso", lembra Áquilla, "pra dizer 'Olha, somos pessoas que precisam, que têm necessidades, assim como outras. Só que, ao contrário do que a legislação ordena, nós estamos esquecidas'."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.