Quem são os "antialarmistas", movimento que se recusa a "ser guiado pelo medo" na pandemia de covid-19
O movimento vem cada vez mais ganhando adeptos e defensores na França. Os antialarmistas criticam as medidas determinadas pelo governo contra a pandemia de coronavírus, que julgam contraditórias, exageradas e ineficazes, mas não as deixam de cumprir. Liderando a mobilização, cientistas, médicos e sociólogos, que recusam a "serem guiados pelo medo".
Desde o início da crise sanitária, não era raro encontrar opiniões contestando a urgência da situação. Seis meses após o pico da epidemia na França e diante de novas medidas sendo anunciadas pelo executivo para tentar conter uma segunda onda da doença, cada vez mais especialistas e profissionais da saúde se agregam ao movimento.
Em uma coluna publicada pelo jornal Le Parisien em 10 de setembro, 35 cientistas, médicos e professores universitários não poupam críticas à comunicação do governo sobre a crise sanitária, que acusam de incitar o medo e a ansiedade na população.
"A sociedade francesa está atualmente sob tensão. Muitos cidadãos estão aterrorizados ou, ao contrário, zombam das recomendações, enquanto as autoridades entram em pânico. É urgente mudar de estratégia", escrevem.
Na liderança desta mobilização, que se recusa a ser associada aos manifestantes antimáscara ou aos complotistas, destacam-se algumas personalidades, como o epidemiologista Laurent Toubiana, o professor de fisiologia Jean-François Toussaint, e o sociólogo Laurent Mucchielli. É no blog dele, dentro do site do Mediapart, que uma tribuna assinada por 350 cientistas, universitários e profissionais da saúde, critica "as medidas que restringem as liberdades individuais e coletivas" que o executivo "afirma ser fundadas cientificamente na análise da epidemia de coronavírus".
"Essa pretensão é contestável. Nós acreditamos que, ao contrário, o medo e a cegueira lideram a reflexão que eles conduzem a interpretações errôneas de dados estatísticos e a decisões administrativas desproporcionais, frequentemente inúteis e até contraprodutivas", afirma o texto.
Epidemia não está no mesmo nível de março
Segundo o último boletim da agência Saúde Pública da França, emitido na quarta-feira (7), o país registra 32.445 mortos desde o início da epidemia. Em 24 horas, 18.746 novos casos de Covid-19 foram identificados, um recorde desde o início da campanha de testes em massa. A taxa de positividade avança e está atualmente em 9% contra 4% no início de setembro.
No entanto, a situação ainda é distante do pico da crise sanitária na França, entre março e abril. Na época, os hospitais foram palco de uma superlotação sem precedentes. Os profissionais da saúde tiveram que lidar com a falta de leitos e equipamentos. Também não havia testes, nem máscaras suficientes para a população.
"Não há uma segunda onda na França em termos de mortalidade atualmente", afirmou um dos líderes do movimento antialarmista, Jean-François Toussaint à Sud Radio em 18 de setembro. De fato, nas últimas 24 horas, o país registrou 80 mortos por coronavírus, um número muito inferior aos do auge da crise sanitária, quando mais de mil pessoas chegaram a falecer diariamente.
As próprias estatísticas comunicadas pelo governo mostram que desde maio o número de óbitos por Covid-19 diminuiu drasticamente no país. Essa "vitória" foi obtida graças ao estrito lockdown no país e a outras medidas, como a obrigatoriedade do uso de máscara e a proibição de eventos onde pudesse haver grandes aglomerações. Por isso, para parte da população, as novas restrições não são justificadas.
Em 23 de setembro, um coletivo formado por cerca de 50 juízes e advogados publicou uma tribuna em que denunciam o que consideram como "um exagero" por parte das autoridades. "Em um Estado de Direito, a liberdade deve continuar sendo a regra e a restrição, a exceção. Medidas que restringem os direitos e as liberdades só são legais se elas respondem a três exigências: a necessidade, a adequação e a proporcionalidade", afirmam.
Na esfera política, os antialarmistas também têm representantes, como o médico Renaud Muselier, presidente do partido de direita Os Republicanos na região Provença-Alpes-Côte d'Azur, para quem "a ditadura de uma ética médica quer impor seu savoir-faire às escolhas políticas". Ou Martine Wonner, ex-deputada do partido centrista A República em Marcha da região do Bas-Rhin, que defendeu no último 2 de outubro na Assembleia francesa que o uso de máscara é "inútil".
No cenário artístico e cultural, a polêmica não ficou de fora. Os atores Joey Starr, Vincent Lindon e Nicolas Bedos se manifestaram diversas vezes contra o que classificam de "excessos" por parte do Estado. "Vamos viver intensamente, morrer, ter febre", publicou Bedos no final de setembro em sua conta no Instagram, convidando os franceses a se levantarem contra "as covardes diretivas governamentais" contra a pandemia de Covid-19.
Medidas "ilógicas", mas obrigatórias
"Eu me submeto a essas medidas porque elas são obrigatórias, mas muitas delas me parecem ilógicas", afirma a secretária administrativa Vânia, que mora em Paris. Ela critica o fato de o governo ter proibido espetáculos, concertos e eventos para evitar aglomerações, enquanto os transportes públicos continuam superlotados, sem inspirar nenhuma preocupação por parte das autoridades.
A franco-brasileira também sente o peso da obrigação e um clima de tensão após meses de anúncios sobre novas medidas. "Se por acaso você está saindo de casa e percebe que esqueceu a máscara, já se sente culpado", diz. Por isso, afirma que tem evitado acompanhar com frequência as informações e notícias sobre a evolução da doença, que aumentam ainda mais sua angústia.
No entanto, é a indefinição sobre a duração das medidas um dos principais fatores que a levam a pensar que talvez possa deixar de cumprir as restrições. "Estou fazendo aulas de dança com máscara, por exemplo, o que é muito difícil e desagradável. Mas se um dia eu achar que cheguei no meu limite, posso deixar de me submeter a isso. O que é mais difícil para mim é não saber por quanto tempo essas medidas vão durar. Penso nessa época como algo temporário, um parênteses na minha vida. Eu me recuso a aceitar que precisaremos nos adaptar porque vai ser assim por muito tempo ainda", reitera.
A coordenadora cultural Caroline, de Bayonne, no sudoeste da França, afirma que se identifica com os antialarmistas, mas não deixa de cumprir as medidas determinadas pelo governo. Mas, para ela, as restrições impostas durante a crise sanitária geraram um clima de ansiedade e medo na França.
"Não sou uma complotista, nem contra as medidas ou a proteção das pessoas vulneráveis e idosas, mas algumas restrições me parecem ser inadequadas. Na Bretanha, por exemplo, um prefeito proibiu o transporte de instrumentos musicais. Não posso estar de acordo com isso", diz.
Caroline acredita que seu ceticismo em relação às determinações têm origem nas informações desencontradas e decisões contraditórias anunciadas ao longo da crise sanitária. Em março, o governo francês chegou a desaconselhar o uso geral de máscara, afirmando que a população poderia não saber utilizar o material e vir até mesmo se autocontaminar. Meses depois, o acessório se tornou obrigatório em todo o país, e o desrespeito da medida é passível de uma multa de ? 135.
"Acredito que as atuais medidas não são justificáveis em termos de proporção. Acho que é normal informar e proteger as pessoas, que as medidas preventivas são essenciais, mas as coercitivas desrespeitam nossa liberdade e assustam as pessoas. Será que é preciso que todo mundo pare de viver pensando na possibilidade de não saturar os hospitais?", questiona.
Para o sociólogo Philippe Riutort, pesquisador associado do Laboratório de Comunicação e Política do Centro Nacional de Pesquisa Científica, a constestação e as críticas contra o governo são "inevitáveis". "Não estamos mais no período de lockdown, quando houve uma espécie de união nacional", diz, em entrevista à France Info.
Por outro lado, por mais que as reclamações se intensifiquem, em geral, a população francesa aderiu às restrições. Segundo dados da agência Saúde Pública da França, 99% dos cidadãos respeitam o uso da máscara.
No entanto, o governo dá sinais que não fará marcha à ré na estratégia adotada até o momento. "Aqueles que me criticam por tomar medidas muito fortes poderiam ser aqueles que me criticariam por não ter feito o suficiente", afirmou recentemente o primeiro-ministro francês, Jean Castex.
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