Analistas avaliam riscos da viagem de Bolsonaro à Rússia em meio à crise com Ucrânia
O presidente Jair Bolsonaro (PL) embarca na próxima segunda-feira (14) a Moscou, onde deve se encontrar com o chefe de Estado russo, Vladimir Putin, em meio à tensão com a Ucrânia. A justificativa é que o governo brasileiro não quer ceder às pressões dos Estados Unidos — posicionamento visto por analistas políticos como uma situação delicada, com riscos para a postura diplomática do Brasil.
Poucos dias antes da viagem que fará à Rússia e à Hungria, Jair Bolsonaro ouviu de apoiadores religiosos, que o aguardavam do lado de fora do Palácio do Alvorada, nessa quinta-feira (10), uma oração para que cumprisse bem sua "missão de paz" no velho continente.
O semblante do presidente não escondeu certo incômodo: o que ele menos deseja é ter de falar sobre o risco de um conflito armado diante da ameaça, cada vez maior, de um conflito entre Rússia e Ucrânia. Como numa bolha política, o chefe da nação brasileira agirá como se não houvesse nenhuma tensão e o tema só será mencionado se Vladimir Putin decidir abordar a questão.
Mas qual é a agenda do presidente e de sua comitiva de ministros e empresários, a essa altura do campeonato, no país de Tolstoi e Lênin? E se uma invasão russa acontecer durante a visita? É o que tentam entender analistas políticos e eleitores.
"Ele não tem experiência suficiente, não tem traquejo, não tem conhecimento histórico nem geográfico para se colocar como mediador nesse caso. O que resta para justificar uma viagem como essa é de que se trata de um discurso voltado para seus eleitores", afirmou à RFI Brasil William Gonçalves, professor de Relações Internacional da UFRJ. "Mas mesmo isso não me parece capaz de render frutos. Não vejo alguém disposto a votar em Bolsonaro, a apoiar sua reeleição porque ele foi visitar Putin. Então parece mais uma iniciativa caprichosa sem nexo algum, sem racionalidade alguma por parte do presidente que, um dia sim o outro também, dá um tiro no próprio pé", reitera.
A visita de Bolsonaro à Rússia foi negociada no fim do ano passado e a informação nos bastidores do governo é de que, apesar do clima de guerra, o presidente não cancelou a viagem para demonstrar que não cedeu aos apelos dos Estados Unidos de Joe Biden.
O Itamaraty tentará passar a imagem de um encontro de interesses bilaterais, citando por exemplo a importância do agrotóxico russo para a agricultura brasileira. Mas tem treinado o presidente para que não escorregue nas palavras porque sabe que não poderá controlar todas as perguntas sobre temas mais espinhosos.
Neutralidade
O embaixador Rubens Barbosa falou à RFI que o Brasil já expôs sua posição publicamente sobre o embate entre Moscou e Kiev, mas isso não vai necessariamente livrar Bolsonaro de situações delicadas no campo diplomático durante a viagem.
"O governo brasileiro já se pronunciou no Conselho de Segurança da ONU a favor de uma solução negociada. Então o Brasil já definiu sua posição de neutralidade nessa questão. Claro que existe um risco. O primeiro risco é de haver um ato militar russo na Ucrânia no meio da visita de Bolsonaro, o que eu, particularmente, não acredito. Acho que há chances de uma negociação diplomática. O segundo risco é o de Bolsonaro falar algo por lá que pode ser interpretado como a favor da Rússia", completa.
Sem Trump, vai de Putin, parece ser a saída encontrada por Bolsonaro para mostrar que não está isolado mundialmente e que há similares de seu perfil. Jogando para sua claque, o presidente ainda vai à Hungria do ultra direitista e conservador Viktor Orbán.
Gestão perdida
Mas para o analista William Gonçalves, apesar da convergência em alguns temas de costume, Putin é um líder nacionalista forte em seu país, ainda que pesem várias críticas relativas a seu modo de governo. Já Bolsonaro, diz ele, tem uma gestão perdida em muitas frentes, especialmente nas relações exteriores.
"Se fosse para o Brasil ser aliado da Rússia, deveria o Brasil ter-se mantido no Brics. O Brasil criou esse bloco ao lado da China e da Rússia. Mas diante das divergências com esses países, o Brasil se afastou e hoje só participa do bloco formalmente, sem qualquer unidade de pontos de vista. Essa unidade em tese existia com Donald Trump", diz. "Mesmo assim, enquanto a política externa de Trump tinha alguma razão de ser para uma parte dos americanos, a política externa de Bolsonaro não tem nenhuma. Diria até que o Brasil hoje está sem política internacional. Ninguém sabe onde queremos chegar, quais nossos parceiros principais, nossos objetivos", lamenta.
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