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'Existe em média um assassinato em massa por dia nos EUA', diz cientista político

Ataque à escola foi realizado dias antes do fim do ano letivo - REUTERS/Marco Bello
Ataque à escola foi realizado dias antes do fim do ano letivo Imagem: REUTERS/Marco Bello

Da RFI

25/05/2022 14h28Atualizada em 25/05/2022 14h46

A morte de 19 crianças no Texas, fuziladas a sangue frio por um adolescente de 18 anos, provocou revolta nos Estados Unidos. O presidente norte-americano, Joe Biden, declarou que estava enojado e cansado da sequência de assassinatos trágicos no país. O episódio relança o debate sobre o acesso legalizado às armas de fogo, mas a população norte-americana é profundamente apegada a esse "direito à autodefesa", como explicou à RFI Didier Combeau, cientista político francês especializado nos Estados Unidos.

"Uma boa parte dos norte-americanos acreditam que o porte de armas faz parte de um ideal democrático", explica o cientista político Didier Combeau. "Trata-se dessa pequena parte de poder que pode ter cada cidadão, que permite a cada um deles supostamente pegar em armas caso o governo se torne autoritário. Isso remete à guerra da independência e à formação dos Estados Unidos enquanto país, quando os norte-americanos se rebelaram contra a tirania do rei da Inglaterra", diz o especialista.

Um senador do Texas chegou a declarar que o porte de armas não era um problema e, após esse novo assassinato em massa, propôs deslocar "policiais armados para as escolas". Uma declaração parecida com a do ex-presidente norte-americano Donald Trump que disse, na ocasião dos ataques terroristas à casa noturna Bataclan, em Paris, "que se os franceses estivessem armados, eles teriam conseguido acabar com os atiradores mais rápido", lembra Combeau.

"Há pessoas que defendem que até os professores se armem, o que é uma hipótese completamente absurda", avalia o cientista político. "Imagine se um professor tiver uma pistola ativada em sua bolsa e um aluno pega essa arma... Seria extremamente perigoso", diz. "Muito frequentemente as armas são apresentadas como seu próprio antídoto nos Estados Unidos", avalia.

Combeau lembra que o autoproclamado "direito à autodefesa" também tem uma importância para boa parte da população. "Quando se fala em autodefesa nos Estados Unidos, significa a defesa da comunidade. Então existe quase um dever cívico nesse direito à autodefesa", contextualiza. "Existe em média um assassinato em massa por dia nos Estados Unidos, mas só ouvimos falar daqueles que deixam muitos mortos. Estive há pouco tempo em Sacramento, na Califórnia, por exemplo, onde havia acontecido uma matança que deixou seis mortos", relata o especialista em entrevista à RFI.

Uma lei anti-armas parece impossível no contexto atual

"Para conseguir adotar uma lei federal [contra o porte de armas] seria necessário convencer os senadores a votar nela. Mas existe um sistema de obstrução no Senado [norte-americano] que pode exigir que 65% dos senadores votem por essa lei, e os democratas possuem apenas 55% das cadeiras", afirma Combeau.

"É impossível que uma lei como essa possa ser adotada e, mesmo se ela conseguisse passar, esperamos nos próximos meses uma decisão da Corte Suprema que pode decidir que a Segunda Emenda da Constituição proíbe desregulamentar o porte de armas no país", explica. "Ou seja, é muito difícil fazer passar uma lei como essa e, mesmo se ela for adotada, pode ser considerada inconstitucional", resume o cientista político.

Lobby

"Há certamente muita pressão por parte do porte de armas", diz Combeau. "A National Rifle Association [NRA na sigla em inglês] dá notas aos candidatos [a cargos políticos] de acordo com seu posicionamento em relação às armas, como alunos de escola", diz. "E como há uma pequena porcentagem de norte-americanos que se determina [politicamente] unicamente sobre esse assunto, é preciso lembrar que se trata de uma minoria, mas que pode mudar o resultado das eleições", avalia.

"Além disso, há um enfrentamento cada vez maior entre democratas e republicanos sobre a questão. Isso faz parte da guerra cultural, tudo isso remete a uma questão de identidade. Do lado republicano, acredita-se que ter uma arma faz parte da identidade norte-americana e que, se retirarmos as armas, retira-se também um pedaço dessa identidade. Do outro lado, os democratas, se têm uma visão completamente diferente", conta.