'Baby', de Marcelo Caetano: 'uma história que só poderia se passar em SP, mas que pode ser entendida no mundo todo'

O segundo longa de Marcelo Caetano, "Baby", estreia nesta quarta-feira (19) no circuito comercial da França. O premiado trabalho já arranca elogios da crítica e alavanca ainda mais a fase triunfal que vive o cinema brasileiro ao levar para as telonas o drama da rejeição e do abandono vividos por pessoas LGBTQIA+.

"O que você está fazendo na rua a essa hora? Fugiu de casa", pergunta o personagem Ronaldo (interpretado por Ricardo Teodoro) a Wellington (João Pedro Mariano), vulgo Baby. "Eles que fugiram de mim", responde o personagem principal da trama, um jovem de 18 anos, abandonado pelos pais enquanto cumpria pena em um centro de detenção juvenil em São Paulo.

A história fictícia do adolescente é "muito brasileira". "É uma história que só poderia se passar em São Paulo, mas ela é contada de uma forma que ela pode ser entendida no mundo todo", avalia Marcelo Caetano, que já viajou por boa parte do planeta com o filme.

No centro da trama, está a relação de Wellington com Ronaldo, profissional do sexo na faixa dos 40 anos que, na ausência do pai e mãe do jovem, vai ser tornar seu companheiro, guru e encarnar a figura paterna ausente. "Deixa de ser baby, vai", recomenda Ronaldo em determinado momento do filme, sem saber que o apelido será incorporado pelo adolescente junto a homens mais velhos com quem se prostitui.

Como traduzir uma história tão comum ao público brasileiro a espectadores internacionais foi um desafio para Caetano, que lembra que o filme é uma coprodução francesa e holandesa. "Eu acho que o que eu aprendi um pouco no 'Baby' e que talvez no primeiro filme [Corpo Elétrico, de 2017] eu não soubesse muito como fazer, é que a gente tem que traduzir essas características da identidade nacional brasileira em linguagem cinematográfica", diz. "A linguagem cinematográfica é universal e tem uma capacidade de alcance muito forte. A gente não precisa fazer concessões à cultura brasileira" para que o público estrangeiro compreenda a obra, resume.

Na França, onde "Baby" será exibido em 25 cidades, e onde João Pedro Mariano levou o prêmio de melhor ator na Semana da Crítica do Festival de Cannes, as pré-estreias foram marcadas pela surpresa do público pela escolha do clássico "Laissez-moi danser", de Dalida para a trilha sonora. "Em todas as cidades onde eu estou indo apresentar o filme, me perguntam: 'as pessoas escutam Dalida no Brasil?'", ri.

"Os franceses não conseguem imaginar o alcance que a Dalida teve especificamente nessa geração gay com mais de 60 anos", explica, referindo-se à sequência em que Wellington dança ao som desta icônica canção em um clube no centro de São Paulo, frequentado por homossexuais mais velhos. "Eu adoro como os franceses reagem, porque eles pensam que a escolha foi feita por causa da co-produção com a França. Mas foi justamente porque tinha um comentário importante sobre a diferença de idade entre o Baby e o personagem que ele conhece nessa noite", diz.

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Expandir o conceito de família

Rejeição, exclusão e abandono da própria família são situações comuns da comunidade LGBTQIA+ em todo o mundo. Mas, ao mesmo tempo, Caetano também explora em "Baby" a criação de laços e vínculos que mostram que "a solidão não é uma opção".

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"Eu acho que a gente está vivendo no Brasil uma disputa muito forte em relação ao conceito de família. Existem grupos conservadores, que eu posso até chamar de extrema direita, que estão tentando cristalizar a família numa só possibilidade: a família biológica, sanguínea, pai, mãe e filhos heterossexuais cis", ressalta.

Por isso, para o cineasta, é preciso que o Brasil torne mais amplo o conceito de família. "Tem as famílias monoparentais, das mães que criam os filhos sozinhas, as famílias homoafetivas, de duas mulheres, de dois homens, de duas pessoas trans, e você tem famílias de amigos, como a família de 'voguing' do Baby. Esse tipo de criação de família vai responder a muitas demandas de trabalho, econômicas, afetivas", reitera.

Caetano também salienta a importância de fazer frente a discursos violentos e LGBTfóbicos que se reforçam atualmente, como os do bilionário sul-africano Elon Musk, uma das principais figuras do novo governo de Donald Trump. "É bom a gente olhar neste momento para o outro lado também e ver que tem muita família que segura a onda de muita gente e são famílias muitas vezes formadas por pessoas queer", aponta.

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