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Putin e as leis da gravidade

27/03/2014 00h01

Uma coisa que aprendi cobrindo o Oriente Médio durante muitos anos é que existe “a manhã seguinte” e existe “a manhã depois da manhã seguinte”. Nunca confunda as duas.

A manhã seguinte a um grande evento é quando os tolos correm e declaram que a vitória ou a derrota de alguém em uma única batalha “mudou tudo para sempre”. Na manhã depois da manhã seguinte, as leis da gravidade começam a se aplicar: as coisas muitas vezes não parecem tão boas ou tão ruins quanto se pensava. Isso me leva à anexação da Crimeia por Vladimir Putin.

Na manhã seguinte, ele foi o herói da Rússia. Alguns comentaristas idiotas aqui até expressaram o desejo de que tivéssemos um líder tão “decidido”.

Bem, vamos ver o que Putin parece na manhã depois da manhã seguinte, digamos, em seis meses. Eu não faço previsões, mas indicarei isto. Putin está desafiando três das forças mais poderosas do planeta ao mesmo tempo: a natureza humana, a Mãe Natureza e a Lei de Moore. Boa sorte para ele.

A tomada da Crimeia por Putin certamente salienta o poder duradouro da geografia na geopolítica. A Rússia é um país continental, que se estende por uma enorme massa de terra com poucas barreiras naturais para protegê-lo. Todos os líderes do Kremlin - desde os czares até os comissários e os bandidos - foram obcecados por proteger a periferia da Rússia de possíveis invasores.

A Rússia tem interesses de segurança legítimos, mas este episódio não tem a ver com eles.

Este recente drama da Ucrânia não começou com geografia - com uma potência externa tentando entrar na Rússia, por mais que Putin queira fingir que sim. Essa história começou com pessoas dentro da órbita da Rússia tentando sair.

Um grande número de ucranianos queria encaminhar seu futuro econômico para a UE, e não para a União Eurasiática Potemkin de Putin. Essa história, no fundo, foi iniciada e promovida pela natureza humana - a busca constante das pessoas por um futuro melhor para si mesmas e seus filhos -, não pela geopolítica ou mesmo pelo nacionalismo.

Esta não é uma história de “invasão”. É uma história de "êxodo".

E não admira. Um artigo recente na “Bloomberg Businessweek” notou que em 2012 o PIB per capita da Ucrânia foi de US$ 6.394 - cerca de 25% abaixo de seu nível de quase um quarto de século antes.

Mas se você comparar a Ucrânia com quatro de seus vizinhos comunistas a oeste que aderiram à UE - Polônia, Eslováquia, Hungria e Romênia -, “o PIB médio per capita nesses países é de cerca de US$ 17 mil”. Pode-se culpar os ucranianos por quererem entrar em outro clube?

Mas Putin também está contando que o mundo nada fará sobre a Mãe Natureza, mas a Mãe Natureza levará isso em conta.

Hidrocarbonetos

Cerca de 70% das exportações da Rússia são em petróleo e gás, e elas formam a metade de toda a receita do Estado (quando foi a última vez que você comprou uma coisa com o rótulo "Made in Russia"?).

Putin basicamente apostou o presente e o futuro econômico de seu país nos hidrocarbonetos, em um momento em que o economista-chefe da Agência Internacional de Energia declarou que “cerca de dois terços de todas as reservas confirmadas de petróleo, gás e carvão terão de continuar inexploradas se o mundo quiser alcançar a meta de limitar o aquecimento global em 2 graus centígrados” desde a Revolução Industrial.

Cruzar essa linha de 2 graus, segundo os cientistas climáticos, aumentará drasticamente a probabilidade de derretimento do Ártico, perigosos aumentos do nível do mar, mais supertempestades perturbadoras e uma mudança climática descontrolada.

O ex-ministro do Petróleo saudita, xeque Ahmed Zaki Yamani, advertiu certa vez seus colegas da Opep sobre algo que Putin deveria lembrar: “A Idade da Pedra não terminou porque ficamos sem pedras”.

Ela terminou porque inventamos ferramentas de bronze que eram mais produtivas. A era do hidrocarboneto também terá de terminar com muito petróleo, carvão e gás deixados no subsolo, substituídos por formas mais limpas de geração de energia, ou a Mãe Natureza terá sua vingança. Putin está apostando em outra coisa.

Como se diz “Lei de Moore” em russo? Esse é o teorema proposto por Gordon Moore, um cofundador da Intel, de que o poder de processamento dos microchips duplicará aproximadamente a cada dois anos.

Qualquer pessoa que acompanhe a indústria de energia limpa hoje pode dizer que existe uma espécie de Lei de Moore em ação sobre a energia solar, cujo preço está caindo tão rapidamente que cada vez mais casas e até empresas estão achando tão barato instalá-la quanto o gás natural.

O vento segue uma trajetória semelhante, assim como a eficiência energética. A China está prestes a conseguir 15% de sua produção total de eletricidade de fontes renováveis até 2020, e não vai parar aí. Ela não pode, ou sua população não poderá respirar.

Se os EUA e a Europa fizessem hoje mais um pequeno esforço em políticas a favor das renováveis para reduzir a receita do petróleo de Putin, esses atos poderiam pagar dividendos muito mais cedo e maiores do que as pessoas imaginam.

A legitimidade dos líderes chineses hoje depende em parte de sua capacidade de tornar o sistema de energia de seu país mais verde, para que as pessoas possam respirar. A legitimidade de Putin depende de manter a Rússia e o mundo dependentes de petróleo e gás. Em quem você quer apostar?

Então, antes de coroarmos novamente Putin como a Pessoa do Ano na revista “Time”, vamos esperar para ver como se desenrola a manhã depois da manhã seguinte.