França ataca acordo com Mercosul, mas lucra com danos ambientais no Brasil
Ao se opor ao acordo com o Mercosul sob a justificativa de que operamos sob padrões ambientais mais baixos que os da União Europeia, o presidente francês Emmanuel Macron omite que empresas de seu país lucram sendo parceiros de quem opera nesses padrões. Ou seja, o problema não é o crime ambiental, mas se ele traz lucro ou prejuízo para a França.
As declaracões de Macron ocorrem em meio a grandes protestos de agricultores franceses que demandam mais apoio do governo e exigem que a França não endosse o acordo - que vem sendo costurado há décadas entre os dois blocos e têm uma chance de ser fechado sob o governo Lula.
Segundo relato de Jamil Chade, no UOL, o presidente afirmou que "não precisa de um acordo" para comercializar com os sul-americanos e que qualquer tratado que venha a ser considerado terá de ser "honesto".
Não precisa porque é cômoda a atual situação, na qual empresas da União Europeia que atuam na periferia do mundo lucram com crimes ambientais e trabalhistas lá cometidos mesmo que os produtos nunca entrem nos seus mercados internos.
Cálculos da Coalizão Florestas & Finanças mostram que entre 2013 e 2021, as instituições financeiras francesas AXA, Crédit Agricole, BNP Paribas e BPCE realizaram investimentos no valor de quase 70 milhões de dólares em empresas de pecuária no Brasil cujo gado foi produzido com violações ambientais e de direitos humanos.
O lucro obtido com essas operações foi de cerca de 11 milhões de dólares.
De um lado a França reclama que o acordo com o Mercosul vai atingir os seus agricultores porque, na América do Sul, os padrões ambientais são mais baixos. A reclamação seria justa, ainda que brotada do oportunismo protecionista, se a sua própria economia não lucrasse com esses padrões mais baixos.
A França é pioneira em legislação sobre devida diligência ou dever de cuidado. Aprovada em 2017, a lei francesa determina que as empresas instaladas no país realizem avaliações sobre o risco que suas operações para o meio ambiente e os direitos humanos em qualquer lugar do mundo.
Antes de investir em um frigorífico, os bancos precisam examinar a cadeia produtiva do negócio para se certificar de que seu dinheiro não está apoiando impactos negativos em populações ou na natureza. Por isso, em fevereiro do ano passado o BNP Paribas foi denunciado à justiça francesa.
Se a lei de devida diligência francesa estivesse a todo o vapor, a França, que realmente fez investimentos para melhorar os padrões de sua produção interna, poderia cobrar reciprocidade do Brasil. Mas, na prática, a França vem garantindo a qualidade de vida dos seus habitantes enquanto lucra com a redução da qualidade de vida da periferia. O que, digamos, é bem neocolonial.
O bloqueio setorial ou a imposição de medidas draconianas a produtos brasileiros ou do Mercosul jogam no mesmo balaio os produtores que operam à margem da lei e os que se esforçam para estar dentro da lei.
Empresas da União Europeia que querem importar produtos feitos com qualidade ambiental e trabalhista já podem consultar a lista de embargos do Ibama, do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, e a "lista suja" do trabalho escravo mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
É o que fazem os grandes fundos de investimento noruegueses, por exemplo, sem precisar levantar barreiras. Ou grandes compradores de soja via porto de Roterdã, na Holanda. Há instrumentos desenvolvidos no Brasil para uma pressão ou mesmo exclusão cirúrgica sobre quem desmatou ou escravizou.
Macron faria bem em exortar a utilização desses mecanismos, bem como apoiar a lei francesa de devida diligência, ao invés de fazer média eleitoral com os produtores ameaçando o acordo.