Jamil Chade

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Isolado, Macron diz que 'não precisa de acordo' com Mercosul

O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou ao término da Cúpula da União Europeia que vai "continuar a se opor" ao acordo com o Mercosul e disse que já informou sua posição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele ainda afirmou que "não precisa de um acordo" para comercializar com os sul-americanos e que qualquer tratado que venha a ser considerado terá de ser "honesto".

Uma de suas exigências é que a Europa possa controlar como a produção agrícola no Brasil é realizada, em termos fitossanitários e ambientais, para aceitar que esses produtos possam entrar no mercado europeu.

Governos como o da Espanha, da Alemanha, de Portugal e a própria Comissão Europeia são favoráveis ao tratado e, durante o encontro, ficou claro que a França era minoria entre os 27 membros da UE. O UOL revelou como, na semana passada, os negociadores europeus cederam e aceitaram algumas das principais exigências do Brasil no acordo, o que deixou o entendimento muito próximo de uma eventual assinatura.

Mas, sob forte pressão de seus agricultores e temendo perder força para a extrema direita, Macron diz que defende uma "soberania alimentar". Ele confirmou que conversou nesta quinta (1º) com a presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, sobre o Mercosul.

Seu principal argumento para rejeitar o acordo é o fato de que o pacto permite que produtos do Mercosul entrem no mercado europeu sem as mesmas regras de produção que existem na França. Segundo ele, isso "é incompreensível".

"Nossos agricultores querem que as regras sejam as mesmas para todos. E isso é o bom senso", disse Macron. Segundo ele, os governos europeus exigiram "muitos esforços por parte dos agricultores". "O que é incompreensível e que eu mesmo não sei explicar é que, enquanto nós mesmos colocamos regras de produção, importamos produtos que não respeitam essas regras", disse. "A regra que vale para a produção doméstica deve valer para o exterior. É simples", argumentou.

É por esse motivo, pelo estado atual do texto do Mercosul, a França se opõe e continuará a se opor a esse acordo de livre comércio", declarou. "Eu disse há poucas semanas ao presidente Lula e volto a dizer aqui.
Emmanuel Macron, presidente da França

'Não precisa de um acordo para abrir comércio'

O francês admitiu que o Brasil é um parceiro comercial importante e que planeja ir, em março, ao país. Segundo ele, a intenção é aproximar os dois governos em temas como defesa e outros setores — mas indicou que não será por isso que vai ceder.

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Macron deixou claro que não precisa de um acordo para manter relações comerciais com o Brasil e seus vizinhos.

"A região do Mercosul é muito importante para o nosso comércio, agrícola e industrial", disse. "Eu mesmo irei em março", disse. "Mas um acordo comercial não é isso. E mostra que podemos fazer comércio sem um acordo", afirmou.

Segundo ele, "é necessário que seja justo, é isso que eu peço". Macron ainda pediu um entendimento com o Mercosul que seja "equilibrado". "Reciprocidade", disse.

Isso mostra que não quer dizer que precisamos de um acordo para abrir o comércio com esses países.
Macron

Francês comemora suspensão de assinatura de acordo

Macron comemorou o fato de que o texto que estava prestes a ser assinado foi "suspenso" e de que "não foi concluído" na velocidade que "alguns ameaçam fazer".

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"Pedimos apenas que as regras ambientais e sanitárias que nos colocamos a nós mesmos sejam as mesmas aos países para os quais estamos abrindo as portas. Caso contrário, não é justo", alertou. "Vamos manter essa posição, pois se trata de uma posição de coerência e de clareza.".

O presidente francês admitiu que a França não tem o poder de determinar sozinha o destino da negociação. "Mas sempre que mostramos a incoerência, somos seguidos", afirma. Segundo ele, em dezembro de 2023, o acordo esteve prestes a ser assinado e foi sua rejeição que impediu o tratado. "Não foi assinado por termos sido contra", disse.

"Não somos só os franceses que vamos decidir e não podemos bloquear. Faz sete anos que dizemos isso e cada vez que elevamos nossa voz e que mostramos incoerências, somos seguidos", comemorou. "O acordo era para ser assinado. E a caneta foi retirada. Isso por conta de termos sido ouvidos.".

Macron afirma que não é contra os acordos comerciais. "Sou contra o livre comércio quando ele é a lei da selva", disse. Ele ainda apontou para a incoerência de políticos que, mesmo não sendo ultraliberais, defendem acordos comerciais que são "ultraliberais".

Acordo ultrapassado

O francês criticou o fato de que o acordo negociado com o Mercosul é ultrapassado. "Não podemos exigir que o produtor europeu adote mais regras e que seja forçado a aceitar acordos comerciais que se faziam nos anos 90, que é o modelo do Mercosul. Nós defendemos modelos de negociações como a Nova Zelândia ou o Chile, que são acordos de nova geração e coerentes com novas políticas agrícolas", explicou.

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Segundo ele, essa nova política exige uma mudança no tratamento da questão ambiental. "Com menos emissões, defesa de biodiversidade", disse. "Para isso, eles investem. Mas, se ao mesmo tempo, retiramos tarifas de importação, faremos um continente que faz regras para produtores que não existem mais", alertou.

Seremos um continente que, amanhã, não poderemos produzir para o nosso consumo.
Macron

Macron quer controle sobre 'padrão de produção' no Mercosul

Ao falar nesta quinta-feira, Macron ainda sugeriu que uma forma de avançar a negociação seria a de garantir que os europeus possam fiscalizar a produção agrícola sul-americana.

"A Europa tem o melhor padrão do mundo em matéria de descarbonização, fitossanitário, pesticida. Aplicamos, investimos. Mas, ao lado disso, somos intratáveis na questão da concorrência desleal. Tem que ser honesto", disse.

Macron quer, portanto, que qualquer acordo com o Mercosul permita que os europeus possam controlar como a produção é feita no exterior, para que os produtos sejam aceitos.

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Extrema direita

Macron alegou que a Europa vive uma crise agrícola há meses, com o impacto da guerra na Ucrânia. Segundo ele, o risco é de que a ausência de uma resposta gere uma situação na qual grupos "extremistas" ganhem espaço na política. "Falamos que é terrível que os extremos ganham força. Mas se nossa política é incompreensível?", alertou.

Precisamos ter a capacidade de explicar. Se não podemos explicar, temos um problema. E o acordo com o Mercosul não é explicável, como está.
Macron

Sua declaração foi interpretada como um alerta sobre como a extrema direita poderá usar a crise para ampliar sua base de votos para as próximas eleições. "Temos levar em consideração as questões geopolíticas, e colocar no coração do bloco a soberania alimentar."

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