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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Guia da Secom orienta influenciador digital "não falar mal do governo"

12.mai.2021 - Em pronunciamento na CPI da Covid, o ex-secretário especial de Comunicação Social da Presidência da República Fabio Wajngarten - Leopoldo Silva/Agência Senado
12.mai.2021 - Em pronunciamento na CPI da Covid, o ex-secretário especial de Comunicação Social da Presidência da República Fabio Wajngarten Imagem: Leopoldo Silva/Agência Senado

Colunista do UOL

16/05/2021 04h01

Um guia elaborado pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) do governo federal orienta um influenciador digital contratado sobre o que fazer e o que não fazer ao veicular mensagem de uma campanha. Entre as vedações, está "não falar mal do governo", "não falar de nada partidário ou político" e "não falar nada polêmico", além de "não postar fotos nem vídeos em aglomerações".

O documento da Secom intitulado "Guia Influenciador" foi usado como roteiro numa campanha em janeiro deste ano de combate ao mosquito transmissor da dengue e outras doenças e se dirigia aos influenciadores "PH Loures, Família Jeito Loko de Ser, Talita Ramos". O influenciador recebeu R$ 4 mil da Secom para divulgar um vídeo no seu canal no YouTube com orientações à população na campanha contra o mosquito.

Procurada pela coluna sobre a orientação de "não falar mal do governo", a Secom respondeu: "A Secretaria Especial de Comunicação informa que ações como essa consistem em uma prática publicitária, adotadas por todas as empresas, chamada de 'brand safety', que tem como objetivo garantir a segurança e proteção da marca anunciante, nesse contexto, o Governo Federal".

A coluna indagou se a mesma orientação era passada a outros influenciadores contratados pelo governo, mas a Secom não se manifestou sobre esse ponto.

Orientação da Secom do governo federal sobre mensagem difundida por influenciador contratado traz "do's" (pode, em inglês) e "don'ts" (não pode), incluindo "não falar mal do governo" - Reprodução - Reprodução
Orientação da Secom do governo federal sobre influenciador digital contratado por R$ 4 mil inclui "não falar mal do governo"
Imagem: Reprodução

O vídeo contratado pela Secom foi divulgado no dia 11 de janeiro no canal da "Família Jeito Loko de Ser" e teve 176 mil visualizações e 27 mil "likes" até este sábado (15). O canal da família tem 1,93 milhão de inscritos. A coluna tentou contato com os influenciadores, mas não teve sucesso.

Na justificativa para a contratação do influenciador, a Secom explicou que a "Família Jeito Loko de Ser é um perfil de uma família que divide sua rotina com seus seguidores. Com quase dois milhões de inscritos, faz muito sucesso no YouTube com seus vlogs diários".

Outros dois influenciadores digitais foram contratados pela Secom para a campanha de combate ao Aedes aegypti: Dayanne Ribeiro, que tem 749 mil seguidores na sua página "Coisas de Nany" no Instagram, e o atleta Adonias Fonseca, com 281 mil seguidores na mesma rede social. De acordo com uma planilha de registro de pagamentos, cada um recebeu R$ 3 mil para veicular, em janeiro de 2021, uma mensagem de orientação à população sobre o combate ao mosquito nos seus perfis no Instagram.

No "Guia Influenciador" repassado à "Família Jeito Loko de Ser", há também orientação sobre as atitudes que devem ser tomadas: "Fala Governo Federal e do Ministério da Saúde", "Cita o conceito da campanha: Combater o mosquito é com você, comigo, com todo mundo", "reforçar e marcar nas postagens o site gov.br/combateaedes" e "reforçar e marcar nas postagens a #CombataOMosquito".

Conforme revelado pela "Agência Pública" em março, a Secom e o Ministério da Saúde também remuneraram influenciadores digitais para uma campanha chamada de "cuidados precoces" da Covid-19. A Secom gastou R$ 23 mil com quatro influenciadores: João Zoli, Pam Puertas, Jessica Tayara e Flávia Viana.

Nas guias entregues a esses influenciadores, contudo, não aparece recomendação sobre não falar mal do governo. As orientações repassadas foram "inserir site do Ministério da Saúde no arraste aqui", "marca @minsaúde de forma visível nos stories", "marcar o @governodobrasil" e "inserir #coronavirus de forma visível no stories".

Sobre essa campanha, o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, que comandou o órgão de janeiro de 2019 a março passado, foi indagado por parlamentares em depoimento que prestou na quarta-feira (12) à CPI da Pandemia no Senado.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se era do conhecimento do ex-secretário "a subvenção de sites e influenciadores digitais ligados ao presidente [Jair Bolsonaro] via prestadores de serviço". Wajngarten negou. Depois, Renan fez menção à reportagem sobre os R$ 23 mil. O ex-secretário reconheceu esses pagamentos.

"Confirmo. Se não me engano, o total dos cachês dos influenciadores acho que deu R$ 23 mil, somados todos, se eu não me engano. E por que, naquele momento, a agência sugeriu que usasse os influenciadores? Porque eles têm muitos seguidores e isso daria maior credibilidade", disse Wajngarten.

Na sessão, o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) quis saber se celebridades, "defendendo o governo", haviam recebido recursos para campanhas em ambientais digitais. Wajngarten disse que "em nenhum momento se trata de defender o governo".

"Trata-se de emular uma mensagem para informar a população. Se o formato sugerido pela agência de publicidade foi o merchandising, que trata do anúncio inserido no conteúdo, cada um tem a sua tabela, e tenho certeza de que a Secom sempre buscou a maior pertinência e o maior retorno", disse o ex-secretário na CPI.