Topo

Avenida histórica de São Paulo sofre com enchentes e obras há 25 anos

Trecho que atualmente passa por obras na avenida Ricardo Jafet, zona sul de São Paulo - Shin Shikuma/UOL
Trecho que atualmente passa por obras na avenida Ricardo Jafet, zona sul de São Paulo Imagem: Shin Shikuma/UOL

Guilherme Balza

Do UOL Notícias <BR> Em São Paulo

29/03/2011 07h01

Mistérios rondam um dos principais corredores viários da zona sul de São Paulo, formado pelas avenidas Doutor Ricardo Jafet e Professor Abraão de Morais. Moradores, motoristas e frequentadores das vias --banhadas pelo córrego Ipiranga, onde Dom Pedro 1º anunciou a Independência do Brasil em 1822-- se perguntam: por qual razão as obras no corredor se arrastam por décadas e nunca são concluídas? E por que mesmo com tantas obras as avenidas sempre alagam com as chuvas de verão?

OBRAS E ENCHENTES INTERMINÁVEIS

  • Sidnei Lopes/Folhapress

    Carros ilhados no início da avenida Ricardo Jafet
    em 26 de fevereiro de 1999

  • Caio Guatelli/Folhapress

    Obras, alagamento e trânsito em 5 de janeiro de 2006

  • Derek Sismotto/UOL

    Córrego Ipiranga transborda e alaga avenida
    Ricardo Jafet em 16 de fevereiro de 2011

A reportagem do UOL Notícias foi atrás das respostas e descobriu que as intervenções no corredor começaram há exatos 25 anos, em 1986, e, desde que o Real entrou em vigor, em 1994, já consumiram mais de R$ 115 milhões dos cofres públicos. O dinheiro é suficiente para construir cerca de 2.300 casas populares no valor de R$ 50 mil cada.

Desde 1986, foram pelo menos 11 obras que, somadas, duraram mais de 16 anos. O maior intervalo sem obras foi entre 1992 e 1997, durante as gestões de Paulo Maluf e Celso Pitta. Com exceção desse período, jamais a avenida ficou mais do que dois anos sem obras. “Isso aí é uma novela, um drama, nunca termina”, afirma o aposentado Carlos Roberto Soares, 63, morador da Vila Mariana que utiliza a avenida quase todos os dias.

Com cerca de 6 km de extensão, o corredor Ricardo Jafet-Abraão de Morais começa na praça do Monumento, no Ipiranga, passa pelos bairros da Vila Mariana e Saúde, até terminar na rodovia dos Imigrantes, no Jabaquara. Na via há mais de 20 postos de gasolina, cinco supermercados, um shopping center, dezenas de motéis, várias lanchonetes e lojas de automóveis, além da estação Santos-Imigrantes do Metrô.

Histórico das obras

A primeira obra no corredor, entre 1986 e 1989, foi a ampliação do canal do córrego Ipiranga entre a avenida Tereza Cristina e a rua Tabor. Entre 1990 e 1992, foi feita ampliação do canal entre as ruas Tabor e Tamboatá. De dezembro de 1999 a agosto de 2002, durante a gestão de Marta Suplicy, foram recuperadas as paredes do córrego entre as ruas Tamboatá e Coronel Diogo, também na Ricardo Jafet, no valor de R$ 12 milhões.

Em janeiro de 2004 (administração de José Serra), começaram as obras de canalização do córrego e a reconstrução de pontilhões entre as ruas Tamboatá e Marcelino Champagnat (1.410 m), trecho até então mais afetado pelas enchentes. A primeira parte da obra, entre as ruas Tamboatá e Coronel Diogo, deveria ter sido entregue em julho de 2006, mas só ficou pronta em dezembro de 2007, com custos de R$ 24,7 milhões.

Como o contrato referente a essa obra não previa a pavimentação, microdrenagem e urbanização da via, a Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb) abriu nova licitação em 2009 e iniciou os novos trabalhos no trecho em março de 2010. A obra --que custou R$ 6,9 milhões-- deveria ter sido finalizada até o final de março deste ano, mas só ficará pronta no final do ano, segundo a Siurb. Apenas 15 funcionários trabalham atualmente no canteiro de obras, de acordo com os próprios operários.

Do outro lado do mundo

Japão reconstrói em seis dias estrada destruída pelo terremoto

O trecho que está em obras atualmente começa na rua Pero Correia e termina na rua Rodrigo Vieira (cerca de 300 m), na pista sentido São Paulo-Santos. Nessa parte, uma faixa e meia das quatro pistas da avenida está ocupada por blocos e tubos de concreto, terra, vergalhões, entre outros materiais de construção. Diariamente, uma longa fila de carros se forma nos horários de maior fluxo. À noite, é comum guindastes ocuparem mais uma faixa da via.

Para piorar ainda mais a situação do trânsito, paralelamente às obras da prefeitura, estão sendo realizados pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado) trabalhos de saneamento básico, que tiveram início em junho de 2009 e devem ser concluídos no final do ano --seis meses depois do previsto--, com custo de R$ 44 milhões.

Apesar de as obras serem subterrâneas, há 14 poços abertos ao longo da faixa da direita, no sentido São Paulo-Santos, entre as ruas Rodrigo Vieira e Jan Breughel, ainda na Ricardo Jafet, e da rua Ribeiro Lacerda até a rua Palermo, no mesmo sentido, já na Abraão de Morais. Nos dois trechos --que somam cerca de 700 metros-- as obras impedem ou atrapalham o trânsito na faixa da direita. Também há um poço aberto na pista sentido Ipiranga, antes do cruzamento com a rua Oliveira Melo.

  • R$ 115 milhões

    É o valor gasto com obras nas avenidas Ricardo Jafet
    e Professor Abraão de Morais desde 1999

     

    “Meu filho estuda na Vila Mariana e eu faço esse caminho [pela Ricardo Jafet] de manhã e à tarde, todos os dias. Eu tenho que sair uma hora mais cedo para não pegar congestionamento. Agora piorou porque a Sabesp está fazendo obra”, diz o segurança Edivaldo Santana Santos, 39.

    Segundo a Sabesp, as obras visam ampliar a capacidade do tratamento de esgoto do córrego Ipiranga e coletores secundários e irão beneficiar uma população de 360 mil pessoas (veja no mapa abaixo os locais das obras atuais).

    Além dos trabalhos de saneamento e canalização do córrego Ipiranga, mais cinco obras de contenção e recuperação das margens do córrego foram realizadas no corredor entre 2006 e 2010. Por serem obras emergenciais, a prefeitura não precisou abrir licitação para contratar as empresas. Juntas, as cinco obras consumiram R$ 27 milhões.

    No total, as intervenções da prefeitura (emergenciais e licitadas) e da Sabesp somam R$ 114,6 milhões --valores não atualizados. A Siurb não soube informar os gastos com as obras anteriores a 1999. “É muita obra! Para ali, volta para cá. Para aqui, vai para outro lugar. E nunca acaba. Está sempre assim. A avenida todinha”, afirma o chefe de posto de gasolina Edinaldo da Silva Júnior, 25, apontando para os entulhos da obra.

    Outro problema do corredor é completa falta de sinalização na pista e a má qualidade do asfalto entre a avenida Bosque da Saúde e a rua Oliveira Melo, sentido Ipiranga.

    VEJA NO MAPA OS TRECHOS QUE ESTÃO EM OBRAS

    Mais obras no futuro

    As perspectivas não são consoladoras para os frequentadores do corredor. Segundo o engenheiro da prefeitura Pedro Algodoal, que acompanha as ações no córrego Ipiranga desde 1983, como a canalização do córrego “é muito antiga e estruturalmente está com a vida útil vencida”, serão necessárias obras de reconstrução nos trechos que ainda não passaram por reformas.

    “O sistema [de canalização] foi feito em partes, sendo reconstruído à medida que os trechos foram cedendo. Essas obras não foram programadas”, diz Algodoal, funcionário e ex-diretor da Superintendência de Projetos da Siurb. “O canal vai ter que ser substituído porque está comprometido estruturalmente”, afirma.

    2011: recorde de enchentes

    Desde que o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da prefeitura passou a contabilizar as enchentes na capital, em janeiro de 2004, o corredor Ricardo Jafet-Abraão de Morais alagou por 97 vezes. No total, foram 200 pontos de alagamento, a maioria causada pelo transbordamento do córrego Ipiranga.

    “Sempre alaga. Basta chover. Agora mesmo meu filho teve que sair meia hora antes do fim da aula porque o tempo fechou”, diz Edivaldo Santana Santos.

    • 27 alagamentos

      Foram registrados somente neste ano nas margens do córrego Ipiranga

       

      A situação das enchentes piora com as chuvas de verão. Entre janeiro e março, as avenidas alagam, em média, uma vez a cada 12 dias. O recorde ocorreu no verão deste ano, quando houve registro de enchente por dez vezes, com 27 pontos de alagamento no total. “O tamanho da canalização do córrego é pequeno, face às chuvas que temos hoje”, afirma Pedro Algodoal.

      Para resolver o problema das enchentes nas margens do córrego Ipiranga, o Plano da Bacia do Alto Tietê, elaborado pelo governo do Estado em 2002, orientou a Prefeitura de São Paulo a construir um piscinão em um terreno particular amplo e até então vazio, localizado na altura do número 1.500 da Ricardo Jafet, já que não havia áreas públicas disponíveis.

      A prefeitura poderia adquirir o terreno com a emissão de decreto de utilidade pública ou por meio do uso do direito de preempção, o que obrigaria o proprietário a vender o terreno para a administração municipal. Como a prefeitura não tomou nenhuma das medidas, o terreno foi vendido ao Grupo Pão de Açúcar, que construiu no local uma unidade do hipermercado Extra.

      Questionada pela reportagem, a assessoria da prefeitura afirmou que o Plano da Bacia do Alto Tietê apenas é uma orientação do local da construção do piscinão e que o processo de aquisição do terreno não é uma medida simples. A prefeitura não respondeu por quais motivos não foram utilizados os mecanismos que davam preferência de compra do terreno ao Poder Público.

      Algodoal diz que a Siurb está finalizando um projeto para implantar dois piscinões ao longo do córrego Ipiranga. Após a conclusão do projeto, o órgão pedirá financiamento à Secretaria do Planejamento, o que ainda não tem previsão para acontecer.