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Após 12 anos, morte de juiz que denunciou desembargadores ainda é mistério

Celso Bejarano<br>Especial para o UOL Notícias<br>Em Campo Grande

10/05/2011 07h00

Embora seu corpo tenha sido achado crivado de balas e parcialmente queimado há 12 anos, as circunstâncias que puseram fim à vida do juiz Leopoldino Marques do Amaral ainda são um mistério. O magistrado teria sido morto por denunciar um esquema de venda de sentença envolvendo desembargadores do TJ-MT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso). Suas suspeitas foram investigadas, mas não produziram nenhuma punição.

A investigação sobre o caso é conflitante até agora. Tanto que ontem, a pedido do MPF (Ministério Público Federal), a Justiça Federal em Cuiabá (MT) determinou a prisão do delegado da Polícia Civil Márcio Pieroni por manipular o processo com a intenção de provar que o magistrado não foi assassinado e estaria vivendo hoje em algum país sul-americano.

A manobra do policial, segundo o MPF, seria um meio de proteger o mandante do crime, o empresário Josino Guimarães, amigo seu, também preso ontem.

Meses antes de morrer o juiz deu uma entrevista ao Jornal Nacional, quando disse que no TJ-MT havia um esquema de compra de decisões judiciais. Ele afirmou à época que Josino Guimarães seria uma espécie de corretor do negócio.

No dia 5 de setembro de 1999, o juiz saiu de Várzea Grande, cidade colada a Cuiabá (capital do Mato Grosso), e, numa caminhonete seguiu para a cidade de Concepción, no Paraguai, uma distância de 1,2 mil km. O magistrado viajou junto com Beatriz Árias, então escrevente do fórum de Cuiabá, e de Marcos Peralta, tio dela, que dirigiu o carro.

Dois dias depois, o corpo do magistrado foi achado com dois tiros na cabeça e parte do corpo queimado. Beatriz e o tio negaram o caso e sustentaram num primeiro depoimento que o juiz teria sido morto por dois brasileiros.

Mais adiante, a escrevente confessou que o tio havia matado o juiz a mando do empresário Josino Guimarães. O marido, o irmão e um advogado de Beatriz foram detidos um mês após o crime numa agência bancária da cidade de Ponta Porã (MS), fronteira com o Paraguai. O trio sacava R$ 22 mil. Eles foram soltos depois.

Beatriz Árias foi presa e julgada em Cuiabá dois anos depois. Condenada a 12 anos de prisão, hoje ela cumpre pena em liberdade condicional. Seu tio, que nunca confessou o crime, foi detido no Paraguai, mas nunca chegou a ser ouvido pela Justiça brasileira. Ele morreu de diabetes, em 2005. Nenhum desembargador foi indiciado ou teve o nome ligado à morte do juiz Amaral, ao menos nos inquéritos e processos.

Ainda no Paraguai, exame de arcada dentária comprovou que o corpo achado em Concepción era mesmo do juiz. Outras análises foram feitas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e pela Unicamp, todas reforçando o primeiro resultado.

Ainda assim, Josino Guimarães, que havia sido preso por duas ocasiões por suspeitas de participação no crime, sustentava que o magistrado não tinha sido assassinado.

Investigação paralela
A partir de 2006, o delegado Márcio Pieroni entrou no caso e, por seguidas vezes, segundo o MPF, tentou comprovar de modo ilegal a tese de Josino, cuja mulher é sócia em negócios tocados pela mulher do policial. Naquele ano o corpo do magistrado foi exumado, mas novas análises comprovaram que o corpo enterrado numa das sepulturas do cemitério de Poconé (MT), onde nascera, era do juiz. Ainda assim, Pieroni insistiu em suas investigações.

“A acusação refere-se à montagem de um simulacro de investigação paralela comandada pelo delegado Pieroni para tentar levantar suspeitas das provas que subsidiam o processo judicial, em trâmite na Justiça Federal, no qual Josino Guimarães será julgado em breve por um júri popular pelo assassinato do juiz Leopoldino”, afirmou um comunicado do MPF, distribuído ontem à imprensa.

Em março passado, os restos mortais do magistrado foram retirados de novo do cemitério e levados para o IML de Cuiabá, onde seria examinado. A análise só não foi feita porque a Justiça Federal, por solicitação do MPF, barrou operação. Desde então, o delegado trocou de lado, deixando a condição de investigador e passou a ser investigado.

O comando da Polícia Civil de Mato Grosso tirou o policial da Delegacia de Homicídios e o mandou para a Delegacia de Roubos e Furtos. Pieroni já chefiou a polícia mato-grossense e, em trecho da denúncia do MPF ele seria conhecido por produzir provas e até praticar torturas para arrancar depoimentos em delegacias.

Até hoje, ninguém soube precisar o motivo da viagem do juiz até o Paraguai. Numa das versões de Beatriz, Leopoldino teria ido atrás de um amigo que teria gravações incriminando Josino e os desembargadores do TJ-MT.