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Traficantes usam imagem de jogadores de futebol para fazer "marketing" do crack no Rio

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio de Janeiro

24/01/2012 06h01

Na tentativa de maximizar os lucros ou supostamente associar à droga uma imagem de "qualidade", os traficantes da principal facção criminosa do Rio de Janeiro passaram a adotar uma estratégia de marketing para impulsionar o comércio de crack e outros entorpecentes nas favelas da capital fluminense: embalagens que estampam rostos de ícones midiáticos, em especial jogadores de futebol. Reportagem do UOL mostrou ontem que antes visto como "coisa de paulista", o crack garante atualmente lucro para traficantes no Rio.

  • Custódio Coimbra/Agência O Globo

    No dia 11 de janeiro desse ano, operação em uma cracolândia do Rio apreendeu papelotes de crack com a foto do jogador Ronaldinho Gaúcho

A escolha dos "garotos-propaganda" do narcotráfico é feita de acordo com os valores unitários dos entorpecentes. Na favela de Manguinhos, por exemplo, onde fica uma das principais cracolândias da zona norte da cidade, o crack mais barato –que sai a R$ 5 nas bocas de fumo próximas aos acessos à comunidade–, ainda é personalizado com a imagem do atacante Adriano.

De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), Analice Gigliotti, os narcotraficantes realmente acreditam que a associação da droga com pessoas famosas é capaz de aumentar os lucros. No entanto, o sucesso crescente do crack estaria ligado principalmente aos preços mais baixos, e não necessariamente a uma ação de marketing.

"Todos, inclusive os traficantes, sabem que o rosto de um famoso é capaz de aumentar a venda do produto. Seja maionese, calcinha ou supermercado, é claro que essa associação pode trazer bons resultados. Isso não significa, claro, que essas celebridades estão endossando o uso do crack ou de qualquer outra droga. O que aumenta mesmo o consumo é o preço do crack", afirma Gigliotti, que também é chefe do setor de dependência química da Santa Casa de Misericórdia do Rio.

A imagem do "Imperador", que passou pelo Flamengo e que atualmente integra o elenco do Corinthians, é uma das mais utilizadas pelos traficantes do Comando Vermelho (CV) desde que a facção introduziu a ideia no cenário mercadológico do crime organizado. A mesma estratégia já foi adotada por traficantes das comunidades da Cidade Alta e do Jacarezinho, ambas na zona norte, e de várias outras favelas.

Segundo informações do 16º BPM (Olaria), os criminosos utilizavam uma técnica simples de impressão para reproduzir a imagem do jogador, que aparecia em uma foto de péssima qualidade vestindo a camisa da Internazionale de Milão, clube pelo qual se destacou no futebol italiano.

No mesmo período, nas favelas de Manguinhos e do Jacarezinho, as embalagens de pedras vendidas a R$ 10 exibiam a imagem do ex-jogador Ronaldo, que hoje é membro do comitê organizador da Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

Se no mercado publicitário os ícones midiáticos são constantemente substituídos, a mesma lógica foi incorporada pelo tráfico de drogas.
Quando o atacante Adriano deixou o Flamengo, em 2010, já em fase de declínio na carreira, e Ronaldo anunciou sua aposentadoria, no ano seguinte, os criminosos começaram a buscar outros personagens.

O volante Willians, destaque do Flamengo na conquista do Brasileirão de 2009, foi o escolhido por traficantes do Arará, no complexo de Manguinhos, para ser o garoto-propaganda da embalagem de crack mais cara, a de R$ 25. Em uma operação realizada pela PM em agosto do ano passado, foram apreendidas cerca de 5.000 pedras de crack com a imagem do jogador.

Já em 2011, a bola da vez no mercado publicitário do crime organizado foi o atacante Ronaldinho Gaúcho, também do Flamengo. Já foram apreendidas pela polícia embalagens de crack com a foto do "R10" em pelo menos três favelas da capital fluminense, principalmente no Jacarezinho –nas quais ele estampava a embalagem da pedra vendida a R$ 10.

Um agente do 22º BPM (Maré) afirmou ao UOL que durante uma incursão para reprimir o tráfico em Manguinhos, os policiais localizaram em um imóvel abandonado vários adesivos rosas com a inscrição "Ronaldinho Gaúcho, o melhor crack do mundo". O decalque estava em meio a um farto material utilizado para "endolar" o crack. Na comunidade, o entorpecente que exibe a imagem do atacante flamenguista é vendido a R$ 5.

Qualidade gráfica

Na última operação realizada pela Secretaria Municipal de Assistência Social (Smas) na cracolândia do Jacarezinho, há quase duas semanas, policiais civis encontraram 42 envelopes de crack com a imagem de Ronaldinho.

A qualidade da reprodução da imagem do atacante flamenguista, pela qual se nota a preocupação em criar uma identidade visual do produto, mostra que os traficantes estão investindo cada vez mais nesse tipo de associação.

Segundo a polícia, a iniciativa se dá não só pela popularidade do esporte, mas pela semelhança fonética entre “crack”, o entorpecente, e o adjetivo “craque”, utilizado para rotular os jogadores acima da média.

"Tática é antiga"

De acordo com a ex-chefe de inteligência da Polícia Civil do Rio, Marina Maggessi, a estratégia de marketing do narcotráfico carioca é utilizada desde o início dos anos 2000, quando a facção Comando Vermelhou passou a demonstrar publicamente sinais de identificação com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

"Essa tática é antiga, eles sempre fazem isso. Há muito tempo atrás, os traficantes do CV diziam que o crime no Rio tinha ligações com as Farc, por exemplo. Mas eles nem sabiam o que significava isso. Apenas carimbavam no papelote e saíam por aí dizendo que eram parceiros das Farc. Todas as favelas tinham o carimbo, é uma estratégia", explica.

Maggessi lembra que a moda se popularizou com rapidez depois que os criminosos do Comando Vermelho passaram a utilizar a imagem de Osama bin Laden, ex-líder terrorista morto no ano passado pelo Exército americano.

"Toda vez que a mídia anunciava uma apreensão de cocaína com a imagem do Osama bin Laden, era publicidade para eles [traficantes]", disse.

Desde o atentado ao World Trade Center em Nova York, em 2001, a principal facção criminosa do Rio passou a utilizar a imagem e o nome de Osama bin Laden como o pioneiro de uma estratégia de marketing que incluía não só a personalização das embalagens de drogas, mas a divulgação de músicas funk (os chamados "proibidões") que exaltavam tal associação.

No funk "Comando Vermelho da Unidos do Borel", de autoria de MC Frank (que foi preso no fim de 2010 sob acusação de apologia ao crime e ao tráfico de drogas), há versos que homenageiam o líder terrorista, tais como "Um monte de homem-bomba estilo Osama bin Laden" (em referência à postura dos integrantes da quadrilha nos confrontos com policiais e criminosos rivais) e "Borel é vários bicos, tipo Afeganistão".

A favela do Borel está situada no bairro da Tijuca, na zona norte, e atualmente conta com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

Outros famosos

Imagens de ícones midiáticos como a cantora inglesa Amy Winehouse –morta no ano passado– e a atriz Vera Fischer também já foram utilizadas pelo narcotráfico carioca. Ambas já tiveram problemas com o uso de drogas e passaram por clínicas de reabilitação.

Em agosto desse ano, a PM apreendeu durante uma incursão na favela de Manguinhos mais de cem papelotes de cocaína com a inscrição "Amy House", em alusão ao nome da artista inglesa. Os envelopes contavam ainda com uma foto colorida da cantora.

Segundo informações do 22º BPM (Maré), o objetivo dos criminosos seria criar uma ideia de que a cocaína comercializada em Manguinhos teria uma "qualidade melhor" em comparação com as favelas concorrentes.

A imagem de Vera Fischer também foi utilizada com o mesmo propósito no mesmo período da operação em Manguinhos. A atriz, que começou a usar cocaína depois dos 30 anos, foi internada em uma clínica de reabilitação em julho do ano passado. Os criminosos aproveitaram a repercussão em torno do drama pessoal de Fischer e a transformaram em garota-propaganda da droga.

"Traficante também lê jornal", disse a ex-chefe de inteligência da Polícia Civil, Marina Maggessi.