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Lixão de Gramacho fecha esta semana; catadores querem forma "mais humana" de trabalhar com reciclagem

Maior lixão a céu aberto da América Latina, Gramacho (Baixada Fluminense) encerra suas atividades - Guillermo Giansanti/UOL
Maior lixão a céu aberto da América Latina, Gramacho (Baixada Fluminense) encerra suas atividades Imagem: Guillermo Giansanti/UOL

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

31/05/2012 06h00Atualizada em 31/05/2012 15h50

Maior lixão a céu aberto da América Latina, Gramacho (Baixada Fluminense) encerra suas atividades neste domingo (3) com cerca de 60 milhões de toneladas de resíduos acumulados ao longo de seus 34 anos. O fechamento, adiado por 14 anos, acontece perto de o Rio de Janeiro sediar a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que terá o meio ambiente no centro dos debates.

O fim das atividades estava previsto para esta sexta-feira (1º), mas a Prefeitura do Rio de Janeiro adiou para o domingo.

Segundo Sebastião Carlos dos Santos, representante da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho (ACAMJG), os catadores de lixo que trabalham no local até hoje vão buscar "trabalhar a coleta seletiva, a logística reversa e a cadeia produtiva da reciclagem no Rio de Janeiro de forma mais humana” .

Inaugurado em 1978 e localizado no município de Duque de Caxias, Gramacho recebeu por mais de três décadas o despejo de lixo urbano, químico hospitalar e industrial das cerca de 200 fábricas que compõem o polo industrial da Baixada Fluminense.

Segundo Vera Chevalier, diretora da ONG Ecomarapendi, Gramacho representa um dos maiores desastres ambientais provocados por um lixão no país.

“Gramacho é o exemplo de um grave desastre ambiental no Brasil e na América Latina e tem um passivo ambiental impagável. Não se consegue apagar tudo o que ele causou. Não é mais possível recuperar muitos dos danos causados”, afirma Chevalier, que acompanha o lixão desde 1990.

Símbolo de crime ambiental

Em 1995, Gramacho passou a ser um aterro controlado, mas mesmo assim não deixou de virar símbolo de degradação ambiental, pobreza e trabalho indigno.

Antes da mudança, foram duas décadas de despejo de resíduos sem controle num terreno que não tinha preparo para receber material tóxico. Após virar aterro controlado, Gramacho passou a receber apenas resíduos domiciliares e da construção civil.

“Já houve infiltração contaminando o mangue em volta, a Baía de Guanabara. Quantos milhões se gasta para tentar recuperar a Baía, mas não se consegue mais conter aquela fonte que está ali há anos drenando chorume [líquido gerado no processo de decomposição do lixo]”, diz Vera Chevalier.

Segundo a diretora da ONG Ecomarapendi, em um aterro controlado, o chorume deve ser não apenas contido, mas tratado e não despejado na natureza. “Ele exige muito tratamento.” Em Gramacho, porém, o que há é uma lagoa de chorume que represa todo o líquido tóxico drenado pelo lixo numa tentativa de evitar ainda mais a contaminação da área e do lençol freático.

Atraso de 14 anos

Inicialmente, a desativação de Gramacho estava prevista para 1998, mas a data foi adiada três vezes (para 2000, 2004 e, finalmente, 2012). Com uma área de 1,3 milhão de metros quadrados, Gramacho começou a ser gradualmente encerrado em abril de 2011.

A iniciativa foi motivada após a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que prevê o fechamento de todos os lixões no país até 2014. A meta nacional, porém, não deverá ser cumprida.

"Há vida após o lixão"

Gramacho ganhou projeção internacional com o documentário "Lixo Extraordinário", do artista plástico Vik Muniz. Indicado ao Oscar em 2011, a produção retratou a realidade de catadores de lixo que trabalham no local.

Sebastião Carlos dos Santos, o Tião, protagonista do filme e representante da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho (ACAMJG), afirma que haverá vida para os catadores após o fechamento do aterro e incentiva a reciclagem como alternativa de renda para os catadores.

Gramacho em números

  • 1978

    ano da inauguração

  • 5.000

    catadores

    chegaram a trabalhar no local

  • 60

    milhões de toneladas

    é o total de lixo acumulado

  • 1,3 milhão

    de m²

    é a área do lixão

  • 8.500

    toneladas

    quantidade de lixo recebida por dia

    “Espero que no dia 1º de junho a gente possa encerrar Gramacho da melhor forma e mostrar que existe vida após o fechamento. Há outras formas de trabalho com a reciclagem. A gente vai buscar trabalhar a coleta seletiva, a logística reversa e a cadeia produtiva da reciclagem no Rio de Janeiro de forma mais humana”, disse.

    Ele é um dos porta-vozes do movimento de catadores que reivindica melhores condições para a categoria e luta para dar voz aos que receiam ficar desamparados e sem emprego.

    “Não defendo que o catador tenha que estar dentro do lixão trabalhando de forma desumana sofrendo risco de vida e de saúde. Quantas pessoas morreram e perderam a sua saúde dentro de Gramacho? Queremos fechar com chave de ouro. Onde as pessoas não viam nada além de porco, urubu e lixo misturado, hoje elas conseguem ver os seus direitos. A gente defende os direitos do catador como cidadão”, disse.

    Novo destino

    Assim como a cidade do Rio, outros oito municípios da Baixada Fluminense também depositam lixo em Gramacho: Nilópolis, Mesquita, São João de Meriti, Guapimirim, Queimados, Belford Roxo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias.

    Até abril do ano passado, só a cidade do Rio enviava cerca de 6.500 toneladas de lixo por dia à Gramacho. No total, o lixão recebia 8.500 toneladas diariamente.

    Gradualmente os resíduos estão sendo direcionados para o aterro sanitário de Seropédica, inaugurado em 2011, e a central de Nova Iguaçu. Outra central deve ser inaugurada em Paracambi.

    Maior lixão da América Latina é desativado após 34 anos