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Catadores do lixão de Itaoca lutam por indenização; Alerj quer decretar área de calamidade pública

Catadores do lixão de Itaoca lutam por indenização - Divulgação/SEA
Catadores do lixão de Itaoca lutam por indenização Imagem: Divulgação/SEA

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

13/09/2012 14h36

Cerca de trezentos ex-catadores do lixão de Itaoca, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, participaram na quarta-feira (12) de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) para discutir a situação de calamidade do local e reivindicar atenção e auxílio. Eles reclamam da falta de indenização após o fechamento, em fevereiro deste ano, do lixão, único vazadouro para onde eram destinadas as cerca de mil toneladas diárias de lixo do município de São Gonçalo.

De acordo com cadastro feito pelos próprios trabalhadores do lixão, existem 786 catadores, sendo que cerca de 200 deles moram dentro dos limites do vazadouro.

“Estamos todos desempregados passando fome e necessidades. Precisamos de socorro. Muita gente trabalhou no lixão e ficou doente. Lá todo mundo trabalhava sem proteção. Cada um chegava com a sua sacola e catava dia e noite. Eu chegava às 6h e só saia às 20h. Foi a minha mocidade toda assim, eu me acabei lá dentro”, explicou ao UOL Margarida de Oliveira Mendes, 60, que trabalhou durante 30 anos em Itaoca.

Em operação realizada em dezembro do ano passado, a Coordenadoria Integrada de Combate aos Crimes Ambientais do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) fechou Itaoca por operar de forma irregular. Segundo os órgãos ambientais, apesar de ter licença para funcionar, o chorume vazava por meio de um valão para a Baía de Guanabara atingindo o manguezal da região. Na ocasião, o administrador do vazadouro de lixo de Itaoca foi preso por crime ambiental.

Sem perspectiva de trabalho ou de ajuda financeira, muitos ex-catadores enfrentam uma situação difícil. A moradora, por exemplo, conta que tinha a expectativa de conseguir trabalho na reciclagem após a desativação do vazadouro. “Até fizeram um curso, mas não tinha mais vaga”, disse Margarida. 

Ela conta que recebeu durante cinco meses uma ajuda de R$ 200 e algumas cestas básicas, mas diz que foram poucas as famílias que receberam este valor. Segundo a ex-catadora, era possível conseguir cerca de R$ 800 por mês por meio da coleta de material reciclável.

"Fomos esquecidos"

“Nós fomos esquecidos, a situação é crítica. Hoje a água que bebem os que vivem ali é misturada com chorume e coliformes fecais, a casa de muitos é feita com plástico de piscina e restos de madeira que pegavam no lixão", falou Adeir Albino da Silva, 34, conhecido como Nem. Ele é o líder comunitário e integra a cooperativa de reciclagem de óleo de cozinha formada por alguns catadores. "Desde 2004 falavam que iam fechar e nunca fecharam. E, nesse ano, em questão de um mês desativaram tudo sem avisar”, lamentou.

Silva diz que nem todos os catadores querem continuar a trabalhar com resíduos. “A maioria deles quer trilhar outro caminho, muitos passaram a vida toda no lixo”, disse.

É o caso de Ana Claudia da Silva, 25, ex-catadora: “Hoje eu vivo de bico. Muitos querem receber a indenização para arranjar outra coisa melhor. Eu tenho sonho de abrir um restaurante e construir minha casa”, afirmou.

‘Itaoca lembra Gramacho há 25 anos’

Dione Manetti, do Centro de Estudos Socioambientais Pangea, que articula catadores de todo o país, resolveu ajudar o grupo. Ele atuou junto a catadores no fechamento de Gramacho e disse que Itaoca lembra o maior vazadouro da América Latina, encerrado em junho deste ano, pela insalubridade e falta de articulação entre as pessoas que catavam material para reciclar.

“As pessoas moram em barracos dentro do lixão, o chorume passa dentro da casa delas e muitas doenças são geradas também pelos materiais contaminados. Tivemos contato com a situação e ficamos aterrorizados, o que nos lembra Gramacho há 25 anos”, descreveu.

Para ele, o problema é que a empresa concessionária contabilizou 200 catadores em Itaoca, que receberam uma indenização de R$ 200, mas os catadores contabilizam mais de 700 pessoas que trabalhavam ali no momento do encerramento. “Há um conflito. Eles [os catadores] contam as pessoas que também tiveram problemas de saúde gerados pelo próprio lixão e tiveram que parar de catar. Foram vítimas do lixão e também tem direitos”, afirmou Manetti.

Catadores podem participar do Bolsa Família

Após uma tarde inteira de negociações na audiência pública na Alerj, que reuniu deputados das comissões de Saúde, de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e de Saneamento Ambiental, foi decidido elaborar um plano de intervenção que possibilite ações de curto prazo. A primeira iniciativa decidida é incluir os 786 catadores no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e no Bolsa Família.

Para acelerar a inserção dessas famílias nos programas de transferência de renda, os parlamentares irão propor um decreto legislativo que considere a área de calamidade pública.

A Lei Nacional de Resíduos Sólidos obriga extirpar todos os lixões e vazadouros clandestinos até 2014. Em 2007, apenas 10% do lixo de todo o Estado do Rio era destinado a locais ambientalmente preparados. A meta, segundo o governo, é ter 87% do lixo sendo descartado em aterros sanitários, ainda em 2012, e diminuir o número de lixões, que ainda são 30 no Estado.

Segundo disse ao UOL o superintendente de políticas de saneamento da Secretaria Estadual do Ambiente, Victor Zveibil, é impossível saber a quantidade de lixo acumulado em Itaoca ao longo de mais de três décadas de funcionamento. Hoje há, pelo menos, 10 milhões de toneladas acumuladas em montanhas de barro, que aterrou o lixo depositado sem nenhum tipo de tratamento ou preparo do solo.

“Era um lixão que contaminava cotidianamente a Baía de Guanabara e recebia resíduos de São Gonçalo. Essa calamidade existe há muito tempo. Tem gente que insiste em jogar resíduos no entorno”, explicou.

Antes de encerrar Itaoca, foi construída a Central de Tratamento de Resíduos (CRT) de Alcântara, uma área de 1,5 milhão de metros quadrados operada pela empresa Haztec e inaugurada em março deste ano, que já recebeu investimentos de R$ 8,5 milhões, com previsão de outros R$ 10 milhões ainda este ano.

Para operação o novo aterro sanitário, a Haztec tem que cumprir compromissos em relação aos catadores de Itaoca. Mas, segundo Zveibil, a empresa indicava que havia 200 catadores, que receberam treinamento, mas apenas 50 foram aproveitados na nova central de tratamento e “por enquanto não há proposta de criar uma iniciativa de reciclagem”.

A concessão da licença ambiental de remediação que está sendo formulada pelo Inea terá uma “série de exigências técnicas e sociais”, destacou o representante da Secretaria do Ambiente, que pretende incluir no plano as demandas dos ex-catadores.

Em nota, a empresa disse que as obras de recuperação ambiental estão em curso e que ofereceu "oportunidades para todos os catadores que trabalhavam no antigo lixão de Itaoca, promovendo cursos profissionalizantes e abrindo vagas de trabalho na CTR para funções de encarregado de operação, auxiliar de serviços gerais entre outros", além de apoiar a fundação da cooperativa de reciclagem Planeta Vivo, formada por ex-catadores de Itaoca, oferecendo suporte técnico e jurídico.

A Haztec diz que financiou a implantação de uma unidade de reciclagem na região e pagou uma bolsa-auxílio de R$ 200 para os catadores de forma emergencial até que o Poder Público defina e implante as políticas públicas sociais. "Reivindicar indenização é um direito dos ex-catadores, que devem procurar o Poder Público como esfera adequada para suas demandas", diz a nota.