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Um ano após desabamento no Rio, prédios do centro preocupam Crea

Hanrrikson de Andrade e Júlia Affonso

Do UOL, no Rio

25/01/2013 06h00

A situação estrutural de muitos prédios no centro do Rio de Janeiro ainda é motivo de preocupação por parte do Crea-RJ (Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo). Após o desabamento de três edifícios na avenida Treze de Maio, na Cinelândia --a tragédia completa um ano nesta sexta-feira (25)--, houve uma atenção maior sobre o tema, o que não se refletiu, por outro lado, em medidas práticas. A opinião é do presidente do órgão, Agostinho Guerreiro.

"Do ponto de vista da preocupação em si, é óbvio que todos ficaram preocupados. Mas em relação a medidas práticas, nada foi alterado. Não avançamos", disse.

Para ele, que acredita que pelo menos cem imóveis estão sujeitos a riscos diversos, o problema "vem piorando gradativamente". "Falar em cem unidades é apenas uma referência. Há chance de que esse número seja maior. (...) Além de não ter surgido nenhuma perspectiva de solução a curto prazo, o problema tende a se agravar. Tanto na área estrutural, isto é, desabamentos propriamente ditos, como na questão de incêndios. Os desabamentos parciais, a exemplo da queda de pedaços de fachada, são frequentes", disse.

"Em algum momento, estaremos noticiando novos novos desabamentos e incêndios [de grandes proporções]", finalizou Guerreiro, lembrando que o centro do Rio representa cerca de 60% do total de denúncias recebidas pelo Crea quanto a irregularidades e/ou à possibilidade de acidentes. Apenas no ano passado, em função da grande repercussão do desabamento da Treze de Maio, o órgão recebeu 3.500 denúncias --o dobro em relação ao ano anterior.

Já o presidente da Comissão de Prevenção e Acidentes do Crea-RJ, Luís Antônio Cosenza, acredita que o número de imóveis cuja situação é crítica pode ser muito maior, já que as estimativas, em geral, não consideram os sobrados. "São considerados apenas os prédios altos, e não os sobrados. Nesses sobrados do centro do Rio moram pessoas, funcionam empresas. Eles estão em situação muito crítica", disse.

"O centro é a região que mais nos preocupa em termos de estrutura", completou ele, argumentando que o tema ficou em segundo plano na medida em que o desabamento da Treze de Maio foi "caindo no esquecimento". "O fato vai ficando de lado e aí começa o desleixo [das autoridades] sobre a situação desses prédios no centro do Rio. (...) Eu não tenho dúvida quanto ao risco que corremos. Principalmente nessa época de chuvas, pois a água vai acumulando e aumenta a chance de uma nova catástrofe", afirmou.

Detran e UFRJ preocupam

De acordo com um relatório da Comissão Especial de Patrimônio Cultural, da Câmara Municipal, concluído em dezembro de 2011, duas edificações que pertencem ao Detran (Solar do Visconde do Rio Seco, na praça Tiradentes) e a UFRJ (Hospital-Escola São Francisco de Assis, na avenida Presidente Vargas), respectivamente, estão em uma lista de 31 imóveis em situação crítica.

Segundo a diretora do Hospital-Escola São Francisco de Assis, Ana Maria Borralho, as obras de restauração "estão começando agora", mais de um ano após a vistoria da comissão de vereadores. O prédio, que é tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), ganhará nos próximos meses reparos no telhado e nas varandas, segundo ela.

"Também vamos começar demolindo algumas partes que não pertenciam ao conjunto arquitetônico original, a exemplo de um pequeno prédio condenado há muito tempo. A empresa contratada para fazer o trabalho de restauração já está montando os canteiros de obras", disse ela.

Questionado sobre o motivo pelo qual o Hospital-Escola São Francisco de Assis está em péssimo estado de conservação, Borralho afirmou que o imóvel se deteriorou consideravelmente a partir da inauguração do Hospital Universitário do Fundão, na Ilha do Governador, na zona norte. "O prédio já era bastante antigo e ficou fechado durante dez anos", explicou ela.

A reportagem do UOL tentou entrar em contato com o Detran para que o órgão comentasse sobre a situação do Solar do Visconde do Rio Seco, o antigo Cassino Fluminense, porém não obteve retorno.

Já a assessoria da Defesa Civil municipal afirmou que o órgão só pode agir em caso de denúncia. A Secretaria Municipal de Urbanismo, por sua vez, argumentou que a pasta "não é focada em imóveis com risco de desabamento". "Quem atende este problema é a Defesa Civil", informou em nota.

 

A tragédia

O desabamento de três prédios na avenida Treze de Maio, que ocorreu no dia 25 de janeiro do ano passado, no centro do Rio de Janeiro, deixou pelo menos 19 pessoas mortas, das quais duas tiveram morte presumida declarada posteriormente, uma vez que os corpos não foram encontrados. Outras três pessoas permanecem desaparecidas. Ainda na época da tragédia, o Corpo de Bombeiros encerrou as buscas por considerar impossível a possibilidade de encontrar sobreviventes.

A principal suspeita, de acordo com a investigação que teve início na Polícia Civil e foi concluída, posteriormente, pela Polícia Federal, é de que obras que aconteciam no 9º andar do edifício Liberdade --o mais alto dos três--, pavimento que pertencia à empresa TO (Tecnologia Organizacional), podem ter contribuído para o acidente. O inquérito da PF, finalizado em maio de 2012, indiciou sete pessoas.

O inquérito foi encaminhado ao MPF (Ministério Público Federal), pois havia suspeita de que o desabamento poderia ter afetado o Theatro Municipal, situado na mesma avenida e vizinho ao Edifício Liberdade, que desabou. Após a comprovação de que o teatro não sofreu danos, o inquérito, com mais de 500 páginas, passou para a responsabilidade do MP-RJ (Ministério Público do Estado). Ontem (24), o MP denunciou seis pessoas pelo desabamento, entre elas Sérgio Alves de Oliveira, sócio e administrador da empresa TO; Cristiane do Carmo Azevedo, que também era ligada à TO e era responsável pela fiscalização da reforma; além dos pedreiros e mestres de obra que trabalhavam no local: Gilberto Figueiredo de Castilho Neto, André Moraes da Silva, Wanderley Muniz da Silva e Alexandro da Silva Fonseca.

Segundo nota do Ministério Público, a denúncia foi feita pelo promotor de Justiça Alexandre Murilo Graça, da 1ª Central de Inquéritos Policiais, que excluiu da denúncia Paulo de Souza Renha, síndico do prédio à época do desabamento. Renha sofria de hipertensão, teve uma parada cardíaca a cerca de um mês e morreu na manhã desta quinta.

No dia 17 deste mês, a promotora Ana Lúcia Melo solicitou à 5ª DP (Gomes Freire), responsável pela área onde ocorreu o desabamento, a conclusão de algumas diligências. O distrito policial tem três meses para fornecer à promotoria depoimentos de testemunhas e demais informações. Ontem, a delegada-assistente Karina Regufe designou uma equipe de peritos para retomar o caso.

Na época do desabamento, o proprietário da TO, Sérgio Alves, negou que as reformas de sua empresa possam ter provocado o acidente. O empresário afirmou à polícia que "um conjunto de fatores" pode ter sido o motivo do desastre. Segundo o empresário, as reformas estavam "em processo de demolição", e apenas três paredes de tijolos foram destruídas no 9º andar com o objetivo de alterar a posição de um banheiro. Além disso, os operários realizavam "ajustes frequentes para regulagem das portas".

O proprietário da TO esclareceu ainda que a mudança na posição do banheiro não causou impacto algum quanto à distribuição da rede hidráulica. "O prédio possuía dois barbarás [tubulação que serve de escoamento para águas pluviais e esgoto], sendo um no canto e um no centro do andar que estava sendo reformado", disse.

Dois dias após o desastre, Alves admitiu ter iniciado os trabalhos no edifício Liberdade sem um laudo técnico assinado por engenheiro. Segundo ele, o síndico exigiu o documento, porém teria aceitado recebê-lo durante a reforma em razão de um problema particular do engenheiro contratado pela empresa, Paulo Sérgio Cunha Brasil. "Foi acordado que o laudo seria entregue depois que a obra fosse iniciada", argumentou o empresário.

A reportagem do UOL tentou entrar em contato com o proprietário da TO, mas a assessoria da empresa afirmou que a mesma só se pronunciará por meio de nota, assinada pelo advogado que a representa (a assessoria não quis fornecer o nome). Segundo ele, "o laudo assinado por peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli é inconclusivo e deixa evidenciado que as paredes retiradas não eram pilares de sustentação". "A empresa aguarda a conclusão das novas investigações, uma vez que ainda há muito a ser esclarecido sobre o incidente. Sem esgotar todas as possibilidades, é impossível a atribuição de  qualquer tipo de culpabilidade a algum responsável", informa a nota.

Veja o local onde desabaram os prédios no centro do Rio