Topo

Delegado, secretário do DF "muda de lado" e se diz contra PEC da maioridade

O subsecretário do Sistema Penitenciário do DF, João Carlos Lóssio, posa em frente a veículo militar durante as eleições de 2014. Desde 2015, ele comanda os presídios do DF - Reprodução/Facebook
O subsecretário do Sistema Penitenciário do DF, João Carlos Lóssio, posa em frente a veículo militar durante as eleições de 2014. Desde 2015, ele comanda os presídios do DF Imagem: Reprodução/Facebook

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

15/05/2015 06h00

O delegado da Polícia Civil do Distrito Federal João Carlos Lóssio passou quase 20 dos seus 48 anos de idade defendendo a redução da maioridade penal. Em 2014, ele concorreu (e perdeu) às eleições para a Câmara Distrital do DF fazendo campanha em um carro militar verde-oliva e evocando seu passado como um “tira” linha-dura. Até que em 2015 ele assumiu a Sesipe (Subsecretaria do Sistema Penitenciário) do DF e algo mudou. 

“Sempre fui a favor de reduzir a maioridade e de que se colocasse o adolescente na cadeia. Hoje, eu acho que não resolve”, afirmou o subsecretário, referindo-se à PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 171/93, que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos e que está sendo debatida na Câmara dos Deputados. 

Em entrevista ao UOL, Lóssio diz que, apesar de ter amigos entre os integrantes da chamada “Bancada da Bala”, discorda dos colegas em relação à maioridade penal. Lóssio afirma que colocar adolescentes de 16 anos na cadeia é uma “temeridade” e que a sociedade “tem uma visão míope” ao tentar resolver o problema da segurança pública colocando mais gente nas cadeias.

Confira os principais trechos da entrevista:

UOL - Em uma audiência pública realizada no último dia 16 de abril, em frente a dezenas de familiares de presos, o senhor disse que era a favor da redução da maioridade penal até o senhor assumir a Sesipe e que agora o senhor é contra. O que fez o senhor mudar de opinião?

João Carlos Lóssio - Sou delegado de polícia desde 1996, quase 20 anos. E, quando estamos no combate à criminalidade, no "front", a gente vê a dificuldade de combater a criminalidade, vemos ações de adolescentes que são cooptados pelos maiores para cometimento de crime em organizações criminosas. E eu sempre tive a ideia de que o adolescente tinha que pagar pelo que fez como se fosse um maior de idade. Porém, a partir do momento em que assumi a Sesipe, a gente vê realidade dos presídios. Hoje, o Estado não está preparado para ressocializar como deveria. É muito temeroso pegar um adolescente de 16 ou 17 anos e colocá-lo no meio de uma massa carcerária, quando vários presídios do Brasil têm organizações criminosas. Esses adolescentes seriam facilmente cooptados por essas organizações e não iria resolver o problema. Não adianta baixar a maioridade para 16 anos e colocar um adolescente dentro da cadeia que não vai resolver o problema. Eu mudei de lado porque a gente vê a realidade. Eu estava combatendo a criminalidade, e agora eu tenho outro papel.

Então é possível dizer que o senhor era a favor da redução da maioridade até assumir a subsecretaria?

Sim. Quando na atividade de delegado de polícia, combatendo a criminalidade, eu sempre fui a favor de reduzir a maioridade e de que se colocasse o adolescente na cadeia. E eu acho que não resolve. O que tem que fazer é, talvez, fazer uma reforma no estatuto [da Criança e do Adolescente, o ECA].

O senhor tem encontrado resistência entre amigos e ex-colegas da polícia agora que o senhor tem outro posicionamento?

Não. Porque alguns delegados têm essa ideia também. Eles acham que diminuir para 16 não vai resolver o problema. Porque aí você vai diminuir para 16. Aí o menor de 14 anos vai começar a cometer crime e, daqui a alguns anos, vão baixar para 14, para 12? Acho que não é por aí.

  • 42335
  • true
  • http://noticias.uol.com.br/enquetes/2015/03/31/se-a-maioridade-penal-cair-para-16-anos-o-que-voce-acha-que-vai-acontecer-com-os-indices-de-criminalidade.js

Por que o senhor acha que há tantos políticos defendendo a redução da maioridade penal?

A própria sociedade cobra alguma mudança. A violência hoje no país está muito grande. A própria sociedade busca alternativas e, às vezes, tem uma visão míope e acha que, se reduzirmos  a maioridade penal, vamos resolver os problemas. Mas não vai. O problema da violência é a falta de oportunidade, de emprego, falta de educação, cultura.

O que o senhor diria aos parlamentares que defendem essa medida?

Que repensem e façam uma pesquisa sobre o sistema penitenciário para ver a realidade aqui em Brasília e em outros Estados para ver se tem condição de receber o adolescente e reeducá-lo. E não vai ter condição. Vamos colocar um adolescente na cadeia e não vai resolver o problema. Ele vai sair depois numa condição até mais revoltado na vida e cometer mais crimes.

Alguns parlamentares e também pessoas que não são do meio político usam o termo "colônia de férias" para se referirem o período em que alguns presos ficam detidos. Agora que o senhor conhece a realidade dos presídios, o senhor acha que essa declaração é plausível?

De jeito nenhum. A realidade da vida carcerária não é fácil. Hoje, todos os presídios do Brasil inteiro têm excesso de presos. Tentamos ressocializar dando condições de trabalho e educação. É uma dificuldade enorme. São poucas vagas, então o Estado tem que investir primeiro no sistema penitenciário, tornando o sistema melhor.

Em 2014, o senhor fez campanha para a Câmara Distrital dirigindo um carro militar e, em diversos programas eleitorais, o senhor evocou seu passado como policial. O senhor se identifica com a chamada "Bancada da Bala"?

Eu sou delegado de polícia, tenho vários amigos nessa "Bancada da Bala". Tem situações em que defendo os posicionamentos da bancada, mas, em relação à maioridade penal, minha visão era essa, mas mudou pela realidade que temos nos presídios.

O senhor acha que é proporcional a preocupação que a sociedade em geral tem em relação à necessidade de que se prenda pessoas e a necessidade de se recuperar pessoas?

A sociedade quer tirar o bandido do meio e quer que o coloquemos na cadeia. E não se preocupa com ressocialização. Quem se preocupa com isso são as autoridades, os próprios familiares. A sociedade quer se livrar do problema, se livrar do criminoso que está aprontando na rua, mas não sabe da realidade e da necessidade de se ressocializar. É importante que se aproveite a discussão da maioridade penal se discutir, também, o sistema penitenciário como um todo. Não adianta só aprovar uma lei e dizer: “Ah...a partir dos 16 anos vai todo mundo para a cadeia”. Mas e a cadeia? Como é que ela vai ficar? Qual vai ser o impacto disso no sistema penitenciário do Brasil? Quantos jovens vão ingressar no sistema penitenciário e como eles vão sair depois?

O senhor se preocupa que essa medida seja tomada sem essa discussão prévia?

Com certeza. Se você baixar para 16 anos, a situação que nós temos hoje de superlotação em todos os Estados... isso é preocupante. Pode aumentar a demanda de presos e inchar ainda mais o sistema. Uma medida dessas tem que ser vista com vários olhares. Não apenas da sociedade, mas do poder público. É um paliativo que temos que discutir.