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"Agora tenho medo de sair sozinha de branco", diz menina apedrejada no Rio

Katia Coelho Maria leva neta, que foi atingida por uma pedra quando saia de um culto no Candomblé, ao IML - Fabiano Rocha/Extra/Agência O Globo
Katia Coelho Maria leva neta, que foi atingida por uma pedra quando saia de um culto no Candomblé, ao IML Imagem: Fabiano Rocha/Extra/Agência O Globo

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

17/06/2015 13h30

Depois de ser atingida na cabeça por uma pedra, por intolerância religiosa, no último domingo (14), a menina de 11 anos praticante do candomblé agora teme sair sozinha na rua vestida de branco --cor das roupas tradicionalmente utilizadas pelos candomblecistas. Segundo a garota, no entanto, o episódio não muda em nada a sua devoção à religião. "Minha fé vai continuar sendo a mesma", declarou. A agressão ocorreu pouco depois de ela deixar um culto na Vila da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro.

Na manhã desta quarta-feira (17), a vítima fez exame de corpo de delito no IML (Instituto Médio Legal). Em seguida, ela foi até o Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos, do Governo do Estado, para receber atendimento de psicólogos, assistentes sociais e advogados. Acompanhada da avó, a mãe de santo Kátia Marinho, ela será recebida à tarde na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) pelo deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), que acompanha o caso.

Três dias depois da agressão, a menina diz estar mais tranquila. "Antes eu estava muito nervosa", lembra. "Eu sei que meu orixá [Logun Edé] está me protegendo. E o apoio da minha família está sendo muito importante", conta. Falando sobre os agressores --dois homens, ainda não identificados-- a garota disse que se eles forem presos, ela não aceitará eventuais desculpas. "O que eles fizeram foi inaceitável", declarou.

No momento que antecedeu a pedrada, ela conta, os dois agressores estavam do outro lado da rua. Ela estava acompanhada da mãe, da avó, da irmã, e outra adepta do candomblé, e cantando um pagode cuja letra citava "Deus". "Eles começaram a gritar que a gente não era de Deus, que o sangue de Deus é mais forte. A gente ignorou, para não da ibope. Depois, só senti o impacto", contou. Com a pedrada, a jovem chegou a desmaiar e perder momentaneamente a memória.

Frequentadora do candomblé desde que nasceu, a garota nunca havia sido vítima de intolerância religiosa. "Na minha escola, nunca sofri nenhum bullying", afirmou.

Para a avó da menina, a agressão deixou marcas profundas na neta. "Ela está bem de saúde, só que não quer mais sair de branco”, disse Kátia Marinho. “Agora mesmo, vamos sair para fazer uma entrevista e ela perguntou se não podia ir de roupa comum e vestir o branco quando chegar lá”, contou a avó, que lidera uma campanha nas redes sociais contra a intolerância religiosa.

A família está empenhada em fazer da agressão um símbolo da luta contra o preconceito religioso, lembrando que a cor branca, usada pelos praticantes do candomblé e da umbanda, também é a cor que simboliza a paz. No próximo domingo (21), adeptos das religiões organizam uma passeata na Vila da Penha, às 10h, bairro onde houve a agressão.

Rio liderou denúncias de discriminação religiosa

Apesar de o Estado do Rio ter a maior proporção de praticantes de religiões afro-brasileira (1,61%), segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas com base no Censo 2010, o estado também liderou as denúncias de discriminação religiosa em 2014, como mostra levantamento da SDH (Secretaria de Direitos Humanos) da Presidência da República (). Foram 39 ligações para o Disque 100 denunciando a intolerância. São Paulo, em segundo lugar no ranking, contabilizou 29 casos.

A professora aposentada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Denise Fonseca, que coordenou pesquisa sobre templos de religiões de matriz africana, acredita que por trás das agressões aos praticantes de candomblé e umbanda está a necessidade de religiões neopentecostais criarem um inimigo a ser combatido, para depois cooptar fiéis.

“Há um projeto de aliciamento de pessoas em estado de vulnerabilidade emocional ou material [por neopentecostais]”, disse. “Ao satanizar a trazer para dentro de suas igrejas oferecendo o que chamam de 'libertação' nada mais estão fazendo do que roubando adeptos”, completou.

Na pesquisa realizada pela professora, entre 2008 e 2011, foram mapeados 900 templos religiosos de matriz africana no Rio e 450 queixas de intolerância. “São casos que começam com agressões verbais – 'filha do demônio’ e 'vai para o inferno’, ou seja, uma satanização – e passam por agressões às casas religiosas, com pichações e depredações e até agressões físicas”, revelou. (Com Agência Brasil)