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Primeiros problemas em barragem foram detectados após 4 meses de operação, diz MPF

Carro é levado por enxurrada causada pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015 - Douglas Magno/AFP
Carro é levado por enxurrada causada pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015 Imagem: Douglas Magno/AFP

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

20/10/2016 17h31

Os procuradores do MPF (Ministério Público Federal) afirmaram, nesta quinta-feira (20), que a mineradora Samarco e suas controladoras, a Vale e a anglo-australiana BHP, já sabiam, quatro meses após o início da operação da barragem do Fundão em Mariana (MG), que a estrutura tinha problemas.

“Com quatro meses da existência da barragem, [houve] a necessidade de sua paralisação. Em abril de 2009, em vista de um problema sério de erosão, houve a necessidade da suspensão do depósito de rejeito dentro da barragem e, ao curso, de todo o ano, e até o início de 2010, houve um trabalho de recuperação da barragem”, disse o procurador federal José Adércio Leite Sampaio, durante coletiva de imprensa realizada na sede do MPF, em Belo Horizonte.

A tragédia, que irá completar um ano no mês que vem, matou 19 pessoas [um corpo ainda está desaparecido] e foi considerado o maior desastre ambiental do país. O colapso da estrutura, ocorrida no dia 5 de novembro do ano passado, lançou um mar de lama na bacia do rio Doce.

Ao denunciar 21 ligadas às empresas por homicídio com dolo eventual, o MPF disse ter se debruçado em atas de reuniões feitas pelas companhias às quais teve acesso e, nelas, identificado que, desde o início da operação de Fundão, a estrutura apresentava problemas. No entanto, ainda de acordo com o órgão, houve negligência no trato desses temas ao longo dos anos.

“Foi com esse trabalho minucioso que chegamos ao quadro de responsabilidades, que a nosso ver, reflete uma consciência de que a barragem de Fundão pedia socorro, ou que a barragem de Fundão apresentava sinais claros que poderia se romper. Esse rompimento se tornou cada vez mais indicativo no final de 2014”, disse Sampaio.

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“Estas questões de omissões foram debatidas em diversas reuniões do conselho de administração, no sentido da apresentação das falhas, dos problemas de Fundão e, ao mesmo tempo, de uma série de decisões que lá eram tomadas que, ou faziam pouco caso desses registros das falhas verificadas na barragem ou não davam a ênfase necessária”, frisou.

Sampaio fez questão de destacar que, nas reuniões, havia representantes das controladoras da Samarco. “Havia comitês operacionais, comitê de barragem, em que os assuntos eram tratados e havia nesses comitês representantes da Vale e da BHP. Portanto, nós, a partir do que se debatia nessas atas, a partir dos documentos que eram apresentados nestas reuniões, nós identificamos o rol de pessoas que consta da denúncia do MPF”, salientou.

Problemas no início

Conforme Sampaio, os responsáveis pela barragem foram negligentes ao verificar problemas estruturais na barragem logo após o início de sua operação e protelado a situação.

Segundo o procurador, o conselho de administração da Samarco havia decidido que a empresa responsável pela construção de Fundão deveria arcar com os prejuízos em decorrência das medidas de recuperação e do tempo parado com a interdição da barragem. No entanto, não foi isso o que teria ocorrido.

“Em uma reunião seguinte, houve um relatório [encaminhado] para o conselho de administração em que a Samarco diz que dificilmente conseguira uma vitória judicial porque as mudanças na construção foram mudanças decorrentes da própria interferência da Samarco”, afirmou.

Recuo

Sampaio listou outro caso, já em 2012, referente ao recuo feito, em forma de “S”, no topo da barragem. De acordo com o procurador, havia um projeto original para que isso fosse feito, mas ele não teria sido levado adiante.

“Optou-se por uma opção caseira. Foi encomendado a um engenheiro recém-contratado da empresa que elaborasse um projeto para o recuo da barragem”, afirmou.

Sampaio disse que a obra feita para a realização recuo teria sido uma das causas que contribuíram para a ruptura da estrutura. Essa intervenção foi feita para abrir um canteiro de obras na região. A estrutura apresentava problemas de drenagem em uma das galerias. 

“Demonstra a reiterada conduta da empresa em colocar esparadrapos estruturais para uma resposta que deveria ser mais contundente. [Ou seja], uma paralisação [dos trabalhos] pelos menos até que se avaliasse se, de fato, a barragem era segura”, declarou.

Outro lado

Em nota, a Vale repudiou a denúncia do Ministério Público Federal. Para a empresa, o MPF optou por "desprezar as inúmeras provas apresentadas, a razoabilidade, os depoimentos prestados em quase um ano de investigação que evidenciaram a inexistência de qualquer conhecimento prévio de riscos reais à barragem de Fundão pela Vale por seus executivos e empregados, tenta, injustamente e a todo custo, atribuir-lhes alguma forma de responsabilidade incabível."

A BHP também repudiou as acusações. “A BHP Billiton está ciente da declaração emitida pelo Ministério Público Federal, que apresentou denúncia criminal perante a Justiça Federal de Ponte Nova, Minas Gerais, contra a BHP Billiton Brasil LTDA, determinados empregados e ex-empregados.  Aguardamos receber notificação formal acerca desses procedimentos. A BHP Billiton Brasil repudia veementemente as acusações contra a empresa e os indivíduos denunciados e irá apresentar sua defesa contra as denúncias oferecidas, prestando também todo o suporte na defesa dos indivíduos denunciados”, informou a empresa em nota.

O UOL entrou em contato com as assessoria de imprensa da Samarco que informou que iria se pronunciar em breve.