Costureira enfrentou 3 enchentes em 7 meses no RS: 'Tu te sente impotente'
A professora de corte e costura Marli Gasparoto Nos, 66, relata sentir impotência e falta de esperança após perder móveis, eletrodomésticos e todos os equipamentos de trabalho nas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul nos últimos dias.
O que aconteceu
Marli enfrentou três alagamentos em menos de sete meses. Ela vive em Arroio do Meio, no Vale do Taquari, a cerca de 120 km de Porto Alegre. A cheia mais recente na região começou em 27 de abril.
Na segunda-feira (6), Marli e o marido Gilberto Nos, 70, saíram de casa "antes de a água chegar". "Temos uma saída pelos fundos. Nosso vizinho nos ajudou abrindo caminho", afirma. Ela ficou em alerta desde o momento em que ouviu que a previsão de que o volume de chuvas seria superior ao de setembro do ano passado.
"Desta vez, perdemos tudo: cama, colchão, roupeiro, tudo. Tudo está coberto de água e lama", lamenta. "Tiramos dois caminhões de móveis que foram para o lixo. Estamos só com uma malinha de roupas."
Ela relata que, agora, perdeu o mais importante que tinha: recordações, fotografias e documentos da família. "Tudo se foi, não temos mais nada", afirma. Nas enchentes de setembro, a água alcançou 4,70 m. Em novembro, Marli estima que a água tenha alcançado 70 cm — mas não houve estragos porque eles conseguiram transportar os móveis para o segundo piso a tempo.
A professora de corte e costura e o marido aposentado estão abrigados na casa de um dos filhos, na mesma cidade. Registros em vídeo feitos por ela mostram a casa em que vivia, com três andares, quase que totalmente submersa em água e lama. Outras imagens mostram a casa inundada por camadas espessas de lama invadindo os cômodos. Nos últimos dias, a família tem feito uma força-tarefa para ajudar a retirar as grossas camadas de lama da casa.
Corremos o risco de enfrentar tudo de novo. É uma insegurança permanente. A dificuldade nossa é a falta de energia elétrica, que nos impede de limpar as coisas.
Marli Gasparoto Nos, moradora de Arroio do Meio (RS)
Ajuda do governo serviu para consertar máquinas perdidas
Marli faz parte de uma lista de pessoas que receberam R$ 2,5 mil do governo estadual para reduzir os impactos das chuvas no ano passado. As doações foram depositadas em conta da Associação dos Bancos do Estado do Rio Grande Sul e gerenciada por um Comitê Gestor formado por integrantes do governo do Estado e entidades da sociedade.
Nesta semana, o governador Eduardo Leite (PSDB) foi questionado sobre as doações recebidas por Pix que serão direcionadas para uma entidade privada, com gerência pública. "O dinheiro não é para o governo'', afirmou. Ele disse ainda que nenhuma das ações governamentais anunciadas utilizarão o valor recebido.
No município de Arroio do Meio foram 314 moradores beneficiados, segundo o governo . Foram pagos cerca de R$ 780 mil. A administração estadual divulgou que, no total, foram distribuídos R$ 5.517.500 para 2.327 donos de pequenos negócios em nove municípios do Vale do Taquari que tiveram as atividades impactadas pelas enchentes de 2023.
Com o dinheiro, Marli conseguiu consertar algumas máquinas de costura que usa para dar aulas para mulheres no CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) da cidade — mas não foi o suficiente. "Usei o dinheiro para consertar minhas máquinas de costura overloque, tenho seis domésticas e uma industrial. Tudo ficou debaixo d'água." Além das máquinas, Marli perdeu tecidos que usava nas oficinas. "O recurso ajudou só a começar a reconstrução."
Em 2023, a água entrou em dois pisos da casa de Marli. Quando a enxurrada começou, ela levou os móveis para o andar superior. "A água nunca tinha chegado lá até então. Tudo que a gente tinha foi para o lixo. Não tinha como aproveitar os móveis. Tivemos que trocar portas, colocar pilares de concreto para o granito da casa não cair."
Marli não consegue estimar o volume das perdas que teve em setembro. Segundo ela, foi possível recuperar alguns eletrodomésticos com a ajuda de um técnico. "Agora não sei o que vamos conseguir salvar de novo", diz. "Minha casa era grande e linda, tinha quatro quartos, mas hoje não vale nada."
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Quero receberSem vontade de continuar no bairro
Moradora do centro de Arroio do Meio há 31 anos, Marli não quer mais continuar no bairro — mas ainda não sabe o que fazer. "Em setembro, vi tudo caindo, foi horrível. Fiquei no terceiro piso e assisti tudo cair. Depois disso, meus filhos disseram 'vocês nunca mais vão ficar em casa quando tiver uma enchente'", lembra.
A professora de costura relata que ainda não havia terminado de pagar o conserto do ar condicionado. "Por tudo isso, ainda não consigo imaginar o tamanho do prejuízo", afirma. "Fico pensando que ano passado minha mãe morava comigo. Ela faleceu em fevereiro. Ainda bem que ela não passou por esse momento de novo."
Se alguém dissesse que isso ia acontecer de novo, diria que era loucura. Ninguém imaginou que ia acontecer ainda mais com essa proporção. Tu te sente impotente ao ver que a água está chegando, sem saber o que fazer. Tu só vê a água subindo e não pode fazer nada, só fugir.
Marli Gasparoto Nos, moradora de Arroio do Meio (RS)
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