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Exército suspende obras que dariam acesso de quilombolas a água na Bahia

Franco Adailton

Colaboração para o UOL, em Salvador

10/01/2017 22h13

O governo federal determinou que o Exército suspendesse as obras de implantação das vias alternativas para a comunidade remanescente do quilombo rio dos Macacos, localizada na divisa de Salvador com o município de Simões Filho, numa área em litígio com a Marinha.

A decisão ocorre dois dias depois de o UOL publicar reportagem sobre a iniciativa da Marinha de cercar a área sob jurisdição dos militares, inclusive o rio dos Macacos, única fonte de abastecimento de água da comunidade quilombola.

O território onde o Exército conduzia as obras é uma área de 301 hectares reconhecida pela União como quilombola, mas que foi dividida em duas partes: 196,2 hectares ficaram para Marinha, que se instalou no local em 1970, enquanto 104,2 hectares restantes foram cedidos aos quilombolas.

As intervenções são uma reivindicação antiga dos quilombolas, que pediam a construção de dois acessos independentes, para que cerca de 85 famílias locais não precisem usar a mesma entrada que os militares, algo que tem sido motivo de um conflito que se arrasta há décadas.

“Se não bastasse a Marinha cercar o rio, que é nossa fonte de abastecimento de água e de alimento, o governo federal, agora, adota a postura de suspender as obras”, reclamou uma das lideranças locais, a pescadora, extrativista e lavradora rural Rosemeire Silva, 38 anos.

“Esses acessos são muito importantes para toda a comunidade, pois, nos garante nosso direito de ir e vir em liberdade. Sem eles, a gente sempre tem problema com a Marinha, que impede o acesso a qualquer melhoria aqui na comunidade”, continuou a mulher.

Rosemeire conta que os quilombolas ainda tentaram impedir que o Exército retirasse os materiais de construção da área, mas não tiveram sucesso. Orçadas em R$ 1,6 milhão pelo Ministério da Defesa, as vias estavam estimadas para ficarem prontas no final de fevereiro próximo.

As intervenções previam a construção de uma via de 900 metros na gleba 1 e outra de 570 metros na gleba 2, além de implantação da sinalização horizontal das pistas, implantação de seis bueiros tubulares de concreto, drenagem superficial e recomposição florestal.

Secretaria

Por meio de nota, a Secretaria de Governo da Presidência da República respondeu que “a suspensão das obras se deu em face das manifestações ocorridas nos últimos dias”. No entanto, a pasta não informou quais eram as manifestações.

Nesse sentido, prossegue o comunicado, a decisão mais imediata do governo foi de paralisar as atividades, considerando que a comunidade, apesar de ter sido comunicada da construção do muro, em outubro de 2016, “ainda apresenta resistência”.

A construção do muro, diz a nota, assim como todas as demais benfeitorias, está atrelada à autorização judicial no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, o que vem sendo feito, na forma daquilo que consta nos autos.

Assim como as benfeitorias, o muro é necessário com a finalidade de resguardar a área da Base Naval, que se constitui em espaço de segurança nacional, informa o comunicado. A construção das vias nas duas glebas faculta o acesso ao território de um número maior de pessoas, “que não mais se limitam à comunidade e isso expõe as instalações da Marinha”, diz o texto.

“Dessa forma, a paralisação se dá tão somente com a finalidade de facultar a comunidade mais tempo para debater sobre aquilo que tem sido decidido coletivamente entre os seus moradores e os entes governamentais”, conforme a nota.

Por fim, o texto destaca que “tão logo se tenha uma posição, retomaremos o diálogo e, se decidido pela comunidade, daremos continuidade às obras que já estão em curso e às demais benfeitorias”.

Racha entre moradores

Para Rosimeire, a postura federal de embargar as intervenções é uma forma de retaliar a comunidade pela denúncia feita sobre o cercamento do rio.

Segundo ela, a União está tentando promover um racha entre os moradores, que representam a quinta geração de quilombolas.

“O que o governo está fazendo é negociando nossas vidas. Como vamos escolher entre deixar a Marinha cercar o rio, para que Exército continue as obras?”, indagou Rosemeire. “Estamos falando de nossa sobrevivência! O que estão fazendo é uma chantagem”, lamentou.

Sucessivas gestões da União se passaram pelo Planalto sem que o imbróglio tivesse sido resolvido, até que o governo federal publicou, em 18 de novembro de 2015, a demarcação do território quilombola, ainda sob a administração da presidente afastada Dilma Rousseff.

Apesar da demarcação, os moradores não podem fazer melhorias no local, continuam vivendo em casas de barro cobertas com telhas de amianto, sem energia elétrica, sem água encanada, tampouco rede de esgotamento sanitário.

Somente a regularização fundiária permitiria o governo da Bahia executar obras para a melhoria da qualidade de vida dos quilombolas, pois a área está sob jurisdição da União. Orçadas em R$ 8 milhões, as intervenções são para levar serviços de habitação, acesso à água e inclusão produtiva.

Enquanto a Marinha já obteve autorização judicial para cercar a área sob responsabilidade dos militares, os quilombolas ainda aguardam a titulação da posse da terra. A previsão da Secretaria da Presidência é de que isso ocorra até o fim do primeiro semestre.