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Qual será o futuro das UPPs? Conheça a opinião de moradores de 5 favelas do Rio

Márcia Foletto/Agência O Globo
Imagem: Márcia Foletto/Agência O Globo

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

05/07/2017 04h00Atualizada em 05/07/2017 04h27

A menina Vanessa dos Santos, 11, morreu com um tiro na cabeça nesta terça-feira (4) durante operação policial na comunidade Camarista Méier, favela com UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na zona norte do Rio. Quatro dias antes, na sexta (30), Ana Cristina da Conceição, 39, morreu quando foi socorrer a mãe, Marlene Maria da Conceição, 76, que também foi vítima de tiroteio que durava três horas na favela da Mangueira, vizinha ao estádio do Maracanã.

Apesar de viverem em favelas com UPPs, elas são os rostos mais recentes da crise que envolve o projeto, inaugurado em 2008.

Com 38 unidades em diferentes comunidades da cidade, o programa tem cerca de 10 mil policiais e enfrenta críticas de moradores, denúncias de abuso policial e falta de recursos.

Levantamento feito pelo UOL com base nos dados do aplicativo Fogo Cruzado, da Anistia Internacional, mostrou que, desde o começo do ano, ao menos uma pessoa perdeu a vida a cada dois dias em decorrência de conflitos armados nas favelas ocupadas pela polícia.

Procurada para comentar a situação, a Secretaria de Segurança Pública não respondeu até a publicação desta reportagem. 

O próprio secretário de segurança, Roberto Sá, reconheceu recentemente que a UPP foi uma tentativa “ousada demais” e que é preciso reformulá-la. 

Mas qual será o futuro do programa?

O UOL conversou com cinco moradores de favelas ocupadas pela polícia --dois deles preferiram não se identificar por questões de segurança-- para saber a opinião deles sobre o que deu errado na principal política de segurança pública dos governo de Sérgio Cabral (PMDB) e Luiz Fernando Pezão (PMDB). Confira os depoimentos:

Complexo do Alemão, zona norte

Mariluce Mariá de Souza, 35, artista

Mariluce Alemão - Mauro Pimentel/Folhapress - Mauro Pimentel/Folhapress
Imagem: Mauro Pimentel/Folhapress

A UPP chegou com uma propaganda enganosa. Venderam um modelo Santa Marta [primeira unidade a ser instalada], com policiais caminhando pela favela de forma tranquila, conversando com o morador, que não se encaixa no Alemão.

Aqui é o policial fazendo “progressão”, correndo em grupo, apontando os fuzis para todos os lados, desesperados, boa parte do tempo.

A base blindada foi o ápice ao mostrar que o Estado realmente está omisso. A base é blindada, mas os barracos no entorno, não. Eles não consideram isso aqui cidade, por que iriam tratar a gente como o resto do Rio?

Acho que faltou planejamento, fazer escolas, praças, levar mais oportunidade para quem vive aqui. Não tinha possibilidade de dar certo sem trazerem os outros serviços. Eles se perderam no caminho. Consequência dessa falta de Estado e da falta de prefeitura.

Mesmo se você conhece o seu direito, a polícia te trata mal. Como se fôssemos culpados pelos criminosos estarem no bairro. Ser polícia ou ser bandido é uma opção; ser morador, não.

A postura e a abordagem do Exército [que permaneceu no Alemão entre 2010 e 2012] era muito diferente da abordagem dos policiais da UPP. Eles tinham um revezamento dos soldados, eram respeitosos, não coagiam ninguém. Quando o Exército estava aqui, a gente se sentia muito à vontade.

Em 2011, eu abri uma agência de turismo, mas fechei logo depois da Copa do Mundo porque não tinha nenhum tipo de segurança para os turistas.

Queria mostrar as nossas forças --por um tempo consegui isso--, não trazer eles para verem traficantes, polícia, tiroteio.

Desde o final de 2013, as coisas pioraram muito. Não consigo me lembrar de um mês sem tiroteio.

A mudança tinha que começar de baixo. O bandido não acredita que ele vai preso; ele acha que vai ser morto. Daí ele prefere seguir no crime, partir para o confronto.
Para a gente que é morador, é muito pior ter os dois juntos aqui. A cada esquina tem polícia, a cada esquina tem bandido.

Hoje em dia as pessoas estão muito arrependidas de terem apoiado a UPP.

Acho que o governo está esperando acontecer alguma desgraça para justificar a saída da UPP. ‘Dar a louca’ no tráfico, acho difícil. O mais provável é dar a louca em um policial, fazerem uma loucura. Eles vivem em um estado de tensão muito grande.

Às vezes eu fico com pena dos policiais. Para a pessoa pensar em ser policial hoje, ela tem que ter muita coragem ou muita revolta no coração. É um risco o tempo todo. O policial é sempre policial, mesmo quando está de folga. É tipo gado marcado.

Manguinhos, zona norte

Ana Paula Oliveira, 40, ativista

Ana Paula Oliveira, maguinhos - Ana Paula Oliveira/Arquivo Pessoal - Ana Paula Oliveira/Arquivo Pessoal
Imagem: Ana Paula Oliveira/Arquivo Pessoal

Meu filho tinha 19 anos quando foi assassinado por um policial de Manguinhos em 2013. A UPP entrou em outubro de 2012. Desde então, já tivemos nove jovens mortos.

Não posso dizer que a UPP tenha trazido algum benefício. No começo, parecia que iam diminuir as armas. A gente sabia que os traficantes ainda estavam ali, mas não víamos mais aquelas armas pesadas. Mas, rapidamente, isso foi substituído pelo armamento pesado da polícia.

Há uma visão de quem não mora na favela de que para que haja paz e segurança para a classe média é necessário um controle das populações mais pobres e esse controle é feito a partir da chegada das UPPs.

Aqui em Manguinhos esse projeto deixou claro que o objetivo nunca foi garantir a nossa segurança. Quando a polícia chegou, a todo momento, as pessoas eram revistadas, tinham as casas revistadas. A gente não tinha mais aquela coisa de sair e voltar com tranquilidade. Antes eu não sentia isso.

Alguns moradores acreditavam realmente que a tão sonhada paz ia chegar. Eu nunca acreditei. Sou nascida e criada em Manguinhos, nunca vi uma atuação diferente. Sempre vi polícia batendo em usuário de drogas, arrombando casa de morador.

É preciso olhar para a vida do morador de favela de outra forma. Deixar de agir como se não tivéssemos direitos.

Uma vez, quando um médico foi assassinado na zona sul, o secretário de Segurança Pública foi na TV dizer que uma morte na Lagoa era inaceitável. Nenhuma morte é. Mas por que para ele uma morte na favela pode acontecer?

É muito difícil criar um filho, faltando tudo que você possa imaginar. Mas nós criamos. O Estado nunca ajudou em nada. Daí esse mesmo Estado chega com a polícia, uma polícia que mata. Isso sim é inaceitável.

Antes de pensarem em colocar a polícia dentro das favelas deveriam pensar em outras formas de ajudar. O que realmente esses jovens, esses pais, precisam? É de uma escola boa, com alimentação, bons professor, postos de saúde funcionando, sonhos, acreditar que seja possível ter uma vida diferente.

É muito difícil acordar com caveirão na porta da sua casa, conviver com essa rotina de violência. Os tiroteios na favela ocorrem quando há incursão policial. Por que em outros lugares em que há tráfico de drogas, como na zona sul, ninguém chega atirando?

O tráfico sempre existiu e acho que sempre vai existir. Antes, quando a gente via alguém baleado, morrendo, era quem estava na linha de frente. Hoje você vê mulher, crianças. Meu filho não escolheu ser policial nem ser bandido.

Cidade de Deus, zona oeste

Robson Luiz de Mendonca "Mingua", 46, rapper e instrutor de breakdancing

MC Mingau Cidade de Deus - Leo Correa/AP - Leo Correa/AP
Imagem: Leo Correa/AP

Nem todo mundo colocava fé, mas eu achei que a UPP ia ser uma coisa boa. E no começo foi uma maravilha!

Ninguém andando armado pela favela, as coisas funcionando bem. Tivemos até atletas da polícia dando aulas para os moradores --eu, por exemplo, fiz aula de jui-jitsu.

Não que a gente achasse que o tráfico iria parar, mas por um tempo diminuiu bastante. Mudou o clima, obrigou os bandidos todos a andarem desarmados. Não tinha mais confronto.

Se continuassem desse jeito, com os policiais respeitando, com disciplina, com esse lado social para o morador, a coisa ia longe.

Falavam que ia durar só até as Olimpíadas e parece que foi isso mesmo que aconteceu. A gente voltou ao que era antes. Criminosos armados por todos os lados, boca de fumo nas esquinas.

Tem semanas mais tranquilas e tem semanas em que temos tiroteios dia sim, dia não. Não sei exatamente o por quê de todas essas operações da polícia, mas sempre que o caveirão entra, tem tiroteio.

Antes também víamos mais policiais nas ruas, eles pareciam ter mais estrutura. Agora, a gente vê mais eles mesmo na hora da troca de plantão.

Tem as bases aqui, mas não tem a desenvoltura do começo. Acho que eles estão com bem menos verba, estrutura, do que tinham no passado. Agora tenho a impressão de que eles estão mantendo o pouco que tem só para dizer que não acabou.

Pavão Pavãozinho, zona sul

O morador preferiu não se identificar por questão de segurança

Vista Pavão Pavãozinho - Tércio Teixeira /Brazil Photo Press - Tércio Teixeira /Brazil Photo Press
Imagem: Tércio Teixeira /Brazil Photo Press

Quando falaram que iriam colocar uma UPP aqui no Pavão-Pavãozinho, eu fiquei animado. Esperava melhorias, todos esperávamos, mas infelizmente parece que está tudo voltando à estaca zero.

Tivemos um começo tenso, muitos problemas entre policiais e moradores, mas com o tempo a relação melhorou, passaram a nos respeitar.

O objetivo da UPP não era acabar com o tráfico, o próprio Beltrame [José Mariano Beltrame, ex-secretário de Segurança Pública] falava isso, mas diminuir o armamento, e isso realmente aconteceu. Por um bom tempo, deixamos de ver traficantes com fuzis por todos os lados, mas esse tempo parece ter passado.

Os policiais já não vêm com a mentalidade de polícia pacificadora, vem preparados para o confronto, e o morador acaba ficando no meio.

Faltou um investimento no lado social, algo que trouxesse mais do que polícia para o morro, e na estrutura da UPP. Os policiais vinham para cá com apenas três meses de academia de polícia, não estavam preparados. Não veio o social, só veio a repressão.

Agora, com a decadência do próprio governo, a falta de estrutura fica ainda mais visível.

Me parece que a coisa começou a piorar a partir de 2013. Com frequência ficamos sem água, sem luz. São raros os dias sem tiroteios. Hoje mesmo um morador morreu na hora do almoço. A gente fica refém.

Para mim, é um projeto falido. Se você subir o morro só vai ver casa furada [pelos tiroteios]. Eles atiram e não querem saber. Semana passada estourou até um cano aqui de casa.

Pelo andar da carruagem, vão manter a sede, mas como se fosse um posto policial normal. Essa paz ficou só no nome da coisa.

Santa Marta, zona sul

O morador preferiu não se identificar por questão de segurança

Santa Marta - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

O Santa Marta foi a primeira UPP, lá em 2008, então nem mesmo a gente tinha ideia do que esperar.

As pessoas, os turistas, passaram a subir o morro sem medo. Abriram novos negócios na favela, vi muita gente que antes escondia a moradia na hora de procurar emprego dizer com orgulho que morava ma favela.

O tráfico também ficou mais escondido. Tivemos muitos anos sem nenhum tiroteio e isso foi muito bom.

Mas, a partir de 2014, a coisa começou a mudar. Agora tem tiroteio toda a semana, tá osso.

Cada comandante novo que entra vê a coisa de um jeito. Agora a política é de guerrilha, a PM não quer mais conversar.

Os policiais chegam dando tiro a esmo, esculachando o morador. A gente tenta reclamar, reivindicar que seja diferente, mas não tem adiantado.

Você vê que isso se reflete na quantidade de gente circulando pela favela, no movimento de turistas, de pessoas de fora... Caiu muito.

É como se tivessem feito a coisa pela metade. Foram até um ponto e deixaram de lado.