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Juíza impede internação de quem tem distúrbio em unidade de Champinha

12.nov.2003 - Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, no ano em que foi preso pela tortura e morte de Liana Friedenbach e Felipe Caffé - Reprodução
12.nov.2003 - Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, no ano em que foi preso pela tortura e morte de Liana Friedenbach e Felipe Caffé Imagem: Reprodução

Arthur Stabile

Colaboração para o UOL, em São Paulo

26/03/2021 15h05Atualizada em 26/03/2021 18h57

Uma decisão da Justiça de São Paulo impede a prisão de novas pessoas com distúrbios mentais que cometeram crimes na única unidade voltada para o tratamento psiquiátrico do estado. A determinação judicial, tomada no final de fevereiro, pode abrir brecha para a liberação de Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, 33, que está internado no local.

Champinha foi condenado por torturar e matar, aos 16 anos, o casal de namorados Liana Friedenbach, 16, e Felipe Caffé, 19, em Embu-Guaçu (Grande São Paulo), em 2003.

Após pedido da Defensoria Pública de São Paulo, a juíza Renata Pinto Lima Zanetta decidiu impedir que o governo paulista interne adolescentes e jovens adultos que cometeram atos infracionais graves e que possuem diagnóstico de distúrbio de personalidade

Segundo a Defensoria, a UES (Unidade Experimental de Saúde) não presta atendimento correto de saúde mental ou, então, presta com deficiência. O órgão critica ainda a falta de projeto terapêutico individualizado ou acompanhamento multidisciplinar na unidade, criada em 2006 e localizada na capital paulista.

A magistrada citou que, apesar da existência de um Termo de Ajustamento de Conduta junto à Secretaria de Estado da Saúde, não houve mudança no quadro. Assim, definiu não existir na UES "capacidade organizacional, técnica e jurídica para fornecer tratamento psicológico aos internados". Assim, impediu novas internações no local, o que deveria ser feito em espaço apropriado.

De acordo com profissionais que atuam junto à unidade ouvidos pelo UOL, já houve liberação de internos devido à decisão judicial — o que a Defensoria nega.

Procurada, a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) do governo João Doria, disse não ser responsável pela administração da unidade, ainda que o local abrigue pessoas condenadas por crimes, e repassou o posicionamento à Secretaria da Saúde de São Paulo. A pasta, por sua vez, afirmou "cumprir ordens legais".

"A Secretaria de Estado da Saúde mantém a Unidade Experimental de Saúde única e exclusivamente para cumprir uma determinação do Poder Judiciário. A pasta é, portanto, vítima de uma decisão arbitrária e que destoa da política de Saúde Mental do SUS (Sistema Único de Saúde)", afirma a nota da pasta. "A própria Secretaria de Estado da Saúde não tem governabilidade sobre o equipamento, e sim a Justiça", diz.

A decisão da juíza Renata Zanetta data de 22 de fevereiro e dava até 30 dias úteis para a contestação. O texto afirma que a ausência de contestação "implica revelia e presunção de veracidade" do pedido feito pela Defensoria.

Por meio de nota, a Defensoria Pública nega que tenha havido liberação de internos em razão da decisão judicial que, segundo eles, apenas impede novas internações e não a soltura dos internados. "Não há nenhuma decisão judicial determinando seu fechamento e em tal ação não foi decidida ou determinada a liberação de qualquer interno". Diz também que o processo corre em segredo de Justiça e, por isso, "deve se manifestar somente nos autos do processo".

Advogados veem brecha para habeas corpus

Na opinião do advogado Ariel de Castro Alves, integrante do Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana), a decisão da juíza acaba abrindo brecha para a liberação dos atuais internos da unidade, entre eles Champinha.

"Provavelmente vão transferi-lo para algum hospital psiquiátrico ligado ao sistema prisional. A decisão abre o precedente para que os advogados dele entrem com novo habeas corpus. Ele está mantido em um local considerado inadequado, o que gera no direito penal um constrangimento ilegal", disse.

Para Hugo Leonardo, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa, a decisão da juíza mostra que "os internos não possuem tratamento adequado e se encontram em situação incompatível como todas as legislações e a Constituição".

"[A decisão] não abre brecha especificamente para Champinha, estende para todos os internos. Eles só podem ser mantidas em estabelecimentos em órgão da saúde, não naquele local", afirmou

Pai de Liana critica decisão

Liana Friedenbach, 16, e Felipe Caffé, 19, assassinados em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo, em 2003 - Reprodução - Reprodução
Liana Friedenbach, 16, e Felipe Caffé, 19, assassinados em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo, em 2003
Imagem: Reprodução

Ari Friedenbach, 61 anos, é pai de Liana. Ao UOL ele criticou a decisão por ter certeza de que Champinha "vai reicindir". Ele afirma não sentir necessidade de vingança ao defender que ee seja mantido internado, mas diz sentir a necessidade de evitar novas mortes.

É a certeza de que outra Liana vai morrer, simples assim. Para mim, tudo bem, a Liana já não está mais aqui. Minha luta não é por vingança, é pela certeza do que todos os laudos atestam. É uma aberração colocar esse cara em liberdade"
Ari Friedenbach, é pai de Liana

Há documentos recentes sobre o estado mental de Champinha. Em 14 de agosto de 2020, a chefia de gabinete da Unidade Experimental de Saúde aponta que "o quadro clínico se mantém inalterado e a resposta psíquica ao tratamento [é] inexistente".

Ainda de acordo com a avaliação do médico psiquiatra responsável pela unidade, Roberto exalta os crimes que cometeu, "dizendo que nenhum paciente dessa unidade tem mais crimes e mais projeção em mídia" do que ele.

"Sempre disse com toda tranquilidade, não é uma questão de vingança, é de preservação de outras vidas. Não sou eu que estou dizendo, são os dois laudos psiquiátricos e todos feitos ao longo de 17 anos, não tem um laudo divergente", afirma Ari Friedenbach.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informou o título, o texto e a home page do UOL, a decisão judicial impede novas internações na Unidade Experimental de Saúde, e não libera os internos com distúrbios mentais que estão no local. A reportagem também errou ao chamar de presos os internos que cometeram crimes.