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RJ: homem encara 2º pedido de prisão por crime cometido enquanto trabalhava

 João Luiz da Silva Oliveira, de 33 anos, teve a prisão decretada pelo TJ-RJ em setembro. - Arquivo pessoal
João Luiz da Silva Oliveira, de 33 anos, teve a prisão decretada pelo TJ-RJ em setembro. Imagem: Arquivo pessoal

Daniele Dutra

Colaboração para o UOL, no Rio

22/09/2021 12h08

Após ser preso sob acusação de roubar dois celulares, o técnico de enfermagem João Luiz da Silva Oliveira, 33, foi solto depois de o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) admitir que errou ao considerar apenas o reconhecimento fotográfico de uma das vítimas.

Na última sexta-feira (17), quando Oliveira completou sete dias de liberdade, o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) decretou nova prisão por suspeitar que ele cometeu outro crime no mesmo dia do primeiro. A defesa do homem já apresentou provas de que, no momento dos crimes, ele estava no hospital em que trabalha e voltando para casa, mas agora corre contra o tempo para evitar que ele vá novamente para a cadeia.

Foram dias muito difíceis. Tenho muito medo de voltar a ser preso, ainda mais por um crime que não cometi
João Luiz da Silva Oliveira, técnico de enfermagem

Sem antecedentes criminais, Oliveira foi preso pela primeira vez no dia 2 de setembro ao se apresentar na 55ª Delegacia de Polícia, em Queimados (RJ). Na ocasião, ele achou que foi chamado à DP porque a polícia teria achado seu celular roubado no início do ano. Lá, soube que o MP-RJ o acusava de roubar um casal à mão armada. A dupla teve dois celulares levados no dia 2 de março por volta das 20h40, na avenida Presidente Dutra, na altura de Nova Iguaçu.

Assim que Oliveira foi preso, sua defesa apresentou à Justiça evidências de que, no momento do crime, ele estava de plantão na clínica onde trabalha em Belford Roxo, Baixada Fluminense. Foram apresentados a assinatura da folha de ponto e o registro do GPS do celular, que mostra o trajeto feito de ônibus do trabalho até sua casa.

Oliveira assinou a folha de ponto na clínica ao chegar às 5h da manhã e na saída, às 20h. Antes de deixar o estabelecimento às 20h49, ele tomou banho e trocou de roupa no local. Segundo o inquérito policial ao qual o UOL teve acesso, o primeiro assalto aconteceu por volta das 20h40, a cerca de 12 km do local onde o técnico trabalha.

Preso no dia 2 de setembro, Oliveira obteve o habeas corpus no dia 8 de setembro para responder ao processo em liberdade. Um erro burocrático fez sua soltura ocorrer apenas dois dias depois: em vez de enviar o alvará ao presídio de Alcântara, onde ele estava, o cartório mandou o documento a Niterói.

Reconhecimento fotográfico

A polícia chegou ao nome de Oliveira três meses após o roubo ao casal, quando recuperou um dos celulares. Um homem disse ter comprado o aparelho por R$ 650 sem nota fiscal. A negociação, disse, foi intermediada por um perfil no Facebook. A conta apontada foi a de Oliveira. A polícia passou a considerar o técnico de enfermagem suspeito, ainda que o homem não apresentasse outras provas sobre a transação, como mensagens ou áudios.

A polícia coletou as fotos do perfil e as apresentou às vítimas. Uma disse ter reconhecido Oliveira, outra, não. Questionado, o técnico de enfermagem disse que não acessava o perfil desde 2018.

MP-RJ admite falhas

A revogação da primeira prisão preventiva foi decretada pelo juiz Luís Gustavo Vasques do TJ-RJ depois que o MP-RJ voltou atrás e apresentou falhas na investigação.

João Luiz da Silva Oliveira, de 33 anos, no dia em que foi solto, junto à irmã, Fernanda Santana, e à advogada Stephanie Corrêa. - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
João Luiz da Silva Oliveira, de 33 anos, no dia em que foi solto, junto à irmã, Fernanda Santana, e à advogada Stephanie Corrêa.
Imagem: Arquivo pessoal

Em seu parecer ao TJ em 8 de setembro, a promotora Ana Paula Lopes Perdigão de Amorim Moura afirmou que a liberdade deveria ser concedida. Citou o crescente número de erros ocasionados pelos reconhecimentos fotográficos realizados em sedes policiais e relembrou a recomendação do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de que essa prática só é válida quando corroborada por outras provas.

O que temos, in casu, a embasar o decreto prisional do requerente é, apenas, o reconhecimento realizado em sede policial, o qual ao ser confrontado com os documentos juntados pela defesa técnica às fls. 96/117 - em especial a folha de ponto do index 111 - afigura-se de enorme fragilidade e dubiedade
Ana Paula Lopes Perdigão de Amorim Moura, promotora do MP-RJ

Além disso, a promotora reforçou que as características físicas descritas pela vítima do primeiro assalto ("negro, de porte físico médio e aproximadamente 1,70 m de altura") são "demasiadamente genéricas e se aplicam a grande parte da população da Baixada Fluminense, aguçando a possibilidade de equívoco em tal ato".

Em nota ao UOL, a polícia informou que não usou o reconhecimento fotográfico para identificar Oliveira como autor dos dois roubos. "Informações e imagens extraídas de redes sociais na internet, consideradas fontes abertas, também fizeram parte da investigação", diz a nota.

"A 55ª DP ressalta que a foto do homem não consta em álbuns de suspeitos da unidade policial e foi apresentada às vítimas por meio de outros recursos, pois ele já figurava como suspeito dos crimes", acrescenta.

Segundo inquérito

Apesar de tratar de um crime cometido no mesmo dia, o segundo inquérito só chegou ao conhecimento de Oliveira dias depois da prisão. Ele é acusado de roubar o celular de uma mulher por volta das 21h30 da mesma noite do crime contra o casal.

Esteve segundo evento, porém, aconteceu a 21 km da clínica onde Oliveira trabalha. Os registros do GPS do celular do técnico de enfermagem indicam que, após pegar um ônibus, ele chegou em casa por volta das 22h50. Novamente, o reconhecimento fotográfico foi usado como prova, e um novo pedido de prisão preventiva foi decretado pela Justiça. Só não foi cumprido por ainda não ter sido emitido pelo cartório responsável.

"Isso é mais um caso de reconhecimento errôneo, inquérito mal feito e trabalho preguiçoso da polícia que acaba causando esse transtorno na vida de uma pessoa inocente", diz Stephanie Corrêa, advogada de Oliveira.

Mesmo podendo ser preso novamente a qualquer momento, Oliveira retornou ao trabalho na clínica na semana passada e foi recepcionado pelos colegas, que também se propuseram a fazer uma arrecadação de dinheiro para ajudá-lo a arcar com os custos do processo.

Eu espero que a Justiça seja feita e que eles consigam achar os verdadeiros bandidos. Eu sou trabalhador, não devo nada a ninguém e não tenho nada a esconder
João Luiz da Silva Oliveira, técnico de enfermagem