PM mata homem em cama e queima colchão no Guarujá, dizem testemunhas
Policiais militares do Baep (Batalhão de Ações Especiais) mataram a tiros, no início da noite de domingo (3), um homem que estava dentro de sua casa, na favela Maré Mansa, que fica na região da praia de Pernambuco, no Guarujá (litoral de São Paulo). Enquanto testemunhas dizem que ele estava deitado no colchão e esperando o jantar ficar pronto, o governo de SP afirma que houve troca de tiros.
O que aconteceu
Diogo Aparecido dos Passos Tomaz tinha 37 anos e deixou a mulher e três filhos pequenos. Ele trabalhava como ajudante geral em um condomínio famoso da cidade. Com ele, a Operação Escudo já contabiliza pelo menos 27 mortes: trata-se da operação mais letal da polícia paulista desde o Massacre do Carandiru, em 1992.
O UOL esteve no local da ocorrência duas horas após os tiros terem sido disparados. Havia duas viaturas do Baep escoradas em um matagal, em frente à casa onde Diogo vivia com a família. Naquele momento, o local já havia sido lavado e o colchão onde Diogo estava já tinha sido incendiado pelos próprios PMs, de acordo com diversas testemunhas ouvidas pela reportagem.
Dois vídeos feitos por testemunhas momentos após a ocorrência mostram o chão da casa todo molhado e, do lado de fora, o colchão incendiado.
Quando mataram, ele tinha acabado de sair da casa da mãe dele, dizendo que ia dormir cedo para trabalhar amanhã [segunda-feira, dia 4]. Ele trabalhava e acordava cedo. Como é que ele era bandido? Como é que ele trocou tiro com a polícia.
Familiar que terá a identidade preservada
A SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que houve troca de tiros. Por meio de nota, a pasta diz que policiais faziam diligências na favela quando viram Diogo na frente de uma casa. "Ele correu para dentro do imóvel e efetuou um disparo na direção dos PMs, que intervieram", acrescentando que foi localizado um revólver calibre 38 com ele. O que é refutado por todas as pessoas com quem a reportagem conversou no local.
Ainda segundo a SSP, o local do crime foi periciado e o corpo foi encaminhado ao IML (Instituto Médico Legal). Duas horas após a ocorrência, a reportagem não viu nenhum carro da Polícia Técnico-Científica na cena do crime.
Eles [PMs] entraram [na casa] e estavam lavando. Só que a gente não podia gravar, porque senão já sabe o que acontece. Quando eles saíram, entrei rápido e já gravei o chão molhado, o colchão, que eles colocaram pra fogo, e ainda acabaram até com as molas do colchão, pra não deixar nenhum vestígio
Testemunha que gravou o local
Outra testemunha questionou à reportagem: "Com qual objetivo o policial vai matar uma pessoa que, diz ele, trocou tiro — o que não é verdade, a vizinhança inteira viu ele chegando e indo deitar —, tira o colchão de dentro de casa e taca fogo?". Ela mesma respondeu: "Porque sabiam que ele morreu deitado."
"Covardia quando mata e descaso quando enterra"
Diogo foi velado na manhã de hoje para ser enterrado no cemitério da Saudade, na Vila Julia, a poucos metros do local onde o soldado Patrick foi assassinado. Familiares e amigos foram observados, num misto de comoção e revolta, por dois policiais militares que estavam à paisana, segundo apurou a reportagem.
O caixão chegou lacrado. As roupas enviadas pela família, compradas novas para o enterro, foram descartadas. A administração do cemitério informou que isso ocorreu por culpa do IML (Instituo Médico Legal), que, por sua vez, disse para a família que essa responsabilidade seria do cemitério.
A roupa comprada era uma camiseta preta do Corinthians, o time de coração de Diogo.
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Quero receberColocaram dentro de um saco, jogaram o corpo dentro do caixão e pregaram. Não deixaram a gente ver, porque o corpo tinha as marcas da covardia. É covardia quando mata e descaso quando enterra
Familiar que não será identificado
Terror na região
O que se escuta em favelas de Guarujá, Santos e São Vicente, onde a reportagem esteve, é que PMs prometeram matar pelo menos 30 pessoas. As mortes seriam uma vingança pelo homicídio do soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Patrick Bastos Reis, que tinha 30 anos. Afirmam que a promessa de alguns policiais é de uma morte para cada idade do PM.
Moradores da Maré Mansa e de outros locais da Baixada Santista afirmam que, na última semana, os PMs têm agido de uma maneira parecida: invadem os barracos e, caso encontrem sozinho um homem negro e com passagem criminal, o executam.
Por outro lado, a dinâmica na versão dos policiais também é similar em todos os casos que envolveram morte durante a Operação Escudo: PMs foram recebidos a tiros, revidaram e encontraram, no local, drogas e arma.
Operação contestada
A operação Escudo tem recebido diversas críticas por sua violência e relatos de abusos por parte dos policiais. Na semana passada, o CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos) recomendou ao governo de São Paulo a "interrupção imediata" dela. O conselho, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, compilou 11 relatos de moradores.
Em nota, a SSP afirmou que todas as ocorrências de morte durante a operação são investigadas pelo Deic de Santos, com apoio do DHPP e da PM: "Todo o conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, está sendo compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário."
Das imagens que chegaram ao MP, a maioria não mostra ocorrências: apenas PMs dentro da viatura ou em atividades que não interessam para a investigação do caso, que seriam essenciais para comprovar a legalidade das ocorrências ou incriminar quem cometeu abusos.
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