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Veja 5 razões pelas quais exterminar o EI não acabará com o terrorismo

Militante islâmico balança bandeira do Estado Islâmico em Raqqa, na Síria - Reuters
Militante islâmico balança bandeira do Estado Islâmico em Raqqa, na Síria Imagem: Reuters

Do UOL, em São Paulo

01/12/2015 06h00

Acabar com o Estado Islâmico ou enfraquecê-lo não deve acabar com o terrorismo, já que o grupo não é apenas uma organização radical terrorista e tem uma organização e estrutura bastante complexas. Diferentemente da Al Qaeda, ex-aliada que o originou, o Estado Islâmico não quer unir os muçulmanos em um enfrentamento mundial contra os poderes seculares.

O EI é um grupo insurgente, com um objetivo claro: derrubar o regime opressor da dinastia Assad na Síria e o regime anti-sunita instalado. A ideia é a manutenção de um Estado Islâmico sunita “puro”, supostamente mais justo, comandando sob uma rígida interpretação da sharia (a lei islâmica), acabando assim com as fronteiras impostas pelo Ocidente no Oriente Médio no século 20.

O EI quer estabelecer o seu califado e a primeira coisa que faz quando ocupa uma área é estabelecer uma administração, operar os serviços públicos e impor a lei islâmica como entendem que deve ser seguida.

O doutor em história e professor da Unesp Sérgio Luiz Cruz Aguilar, hoje pesquisador visitante na Universidade de Oxford, no Reino Unido, explica que o termo califado teria relação com o fascínio por representar um período histórico da civilização islâmica, de reviver a era dos califas que sucederam o profeta Maomé. Existiram “califados” desde a Espanha até a África, incluindo o Oriente Médio e o antigo império Otomano. Entretanto, Aguilar não acha que o EI realmente acredite ser capaz de restabelecer territorialmente os califados medievais.

Entenda como a luta contra o EI hoje pode não eliminar a sua ação:

  • AP

    Eliminar a liderança não desmantelará a organização

    Para enfraquecer a Al Qaeda, a meta dos EUA foi matar o líder do grupo, Osama bin Laden, e a medida deu certo. Mas eliminar as lideranças do Estado Islâmico não garante que o grupo acabará. Em artigo na revista "Foreign Affairs", a acadêmica americana Audrey Kurth Cronin, explica que o EI hoje funciona como um pseudoestado dotado de uma complexa estrutura administrativa.

    "O comando militar do emirado é formado por Abu Bakr al-Baghdadi e seus dois vices, ambos ex-generais da era Saddam que lideram as operações no Iraque e na Síria. Mas há a burocracia civil, que é supervisionada por 12 administradores que governam os territórios. Este pseudoestado pode existir habilmente sem Baghdadi e seus vices", afirma Audrey.

    Para o doutor em história Sérgio Luiz Cruz Aguilar, eventuais baixas no comando do EI afetam, mas não eliminam o grupo. "Assim como na Al Qaeda, há uma hierarquia pré-estabelecida (política e militar), sempre haverá um vice ou um sub que assumirá. Vários líderes da Al Qaeda foram 'eliminados' e ela continua existindo e organizada (com menor capacidade, mas ativa). Israel já eliminou vários líderes do Hamas e ele continua controlando a faixa de Gaza", explica o especialista.

  • Arte/UOL

    Grupos aliados do Estado Islâmico só crescem

    Os atentados promovidos neste ano na África e na península do Sinai, no Egito, são resultado do avanço do Estado Islâmico. Ao menos 35 movimentos jihadistas já existentes juraram lealdade ou manifestaram apoio a Abu Bakr al-Baghdadi. Entre eles aparecem alguns já notórios por suas ações, como o Boko Haram, na Nigéria, considerado segundo estatísticas um grupo mais mortífero que o próprio EI. Outro "filiado" é o Taleban no Paquistão. A lista tem ainda grupos na Tunísia, na Líbia, no Egito, no Iêmen, na Argélia e até mesmo na Indonésia.

    As facções são de diferentes tamanhos e importância e suas células terroristas têm operação inclusive em regiões como a Europa com o recrutamento de cidadãos de países europeus, como mostraram as operações militares após o atentado em Paris.

    Aguilar explica que existe a possibilidade de que estes grupos independentes estejam somente agindo em nome do EI. "Se isso for realidade, o perigo aumenta. Não há necessidade de grandes recursos, comunicações, logística, preparação, como foi o 11 de setembro. Basta meia dúzia de extremistas com fuzis russos para causar o estrago que vimos em Paris". Leia mais

  • AP Photo/Militant Website/Arquivo

    A eficiência do recrutamento do EI

    O EI impõe um desafio às tradicionais táticas anti-terrorismo. Além da renda altíssima e de um sistema de divulgação de conteúdo extremamente eficiente, o grupo oferece uma mensagem bem diferente para jovens homens e até mesmo para as mulheres, atraindo-os não só pela religião, mas também pela aventura, pelo empoderamento pessoal e reforçando o senso de si mesmo e de comunidade. O EI não tem a preocupação de justificar suas conquistas somente com a religião. E diferentemente da Al Qaeda, que foi enfraquecida pela imagem vendida pelo Ocidente de que se tratava de um grupo que atacava até mesmo os próprios muçulmanos, o EI se aproveita dos ataques brutais para atrair atenção e demonstrar domínio.

    "O Estado Islâmico opera em ambientes urbanos e oferece aos recrutas a oportunidade imediata de lutar. Faz anúncios com a distribuição de podcasts emocionantes produzidos pelos combatentes da linha de frente dos confrontos e consegue até parceiras sexuais para seus recrutas", explica a acadêmica Audrey Kurth Cronin.

    Muitos jovens são atraídos pelo grupo mesmo sem entender qual é o objetivo. "Comparando com a mensagem austera da Al Qaeda, os EUA têm muita dificuldade para combater o apelo do EI, talvez por uma razão muito simples: o desejo de poder e de resultados imediatos também permeia a cultura americana", aposta Audrey.

    Aí entra o dinheiro, ressalta Aguilar, já que os combatentes recebem salários e há um plano de carreira. Conforme se sobe na hierarquia, maior é o salário. "O dinheiro da venda do petróleo no mercado negro faz do EI o mais rico grupo jihadista da atualidade. Essa é a razão dos EUA estarem focando agora em atacar os comboios que levam combustível. Se não houver dinheiro para pagar os combatentes, com certeza muitos desertarão, o que enfraqueceria o grupo", afirma o especialista da Unesp.

  • 23.10.2009 - Laszlo Balogh/Reuters

    O radicalismo não deixará de existir com o fim do EI

    Antes de o Estado Islâmico exibir suas atrocidades, era a vez da Al Qaeda, que promoveu o 11 de setembro nos EUA e os atentados em Madri (2004) e em Londres (2005); antes da Al Qaeda, quem estampava as manchetes era o grupo libanês Hezbollah e os palestinos do Hamas. E antes do Hamas existiram muitos outros grupos. A Europa teve mais ataques terroristas --e mais mortes em atentados-- nas décadas de 70 e 80 do que no pós-11 de setembro. O EI pode ser o grupo de destaque neste momento e que atrai mais recrutas, mas mesmo que cada combatente radical seja morto no Iraque e na Síria, o Oriente Médio ainda terá seus conflitos.

    E o radicalismo não se resume apenas aos islâmicos. Os grupos de extrema direita nos EUA ainda matam mais do que os jihadistas. Desde 2006, mais da metade das mortes em atentados terroristas no Ocidente foram causados por terroristas não-islâmicos, a maior parte motivados por causas da extrema direita ou por sentimentos separatistas. E nem os budistas escapam: em 2012, militantes budistas mataram mais de 70 pessoas em uma vila da etnia Rohingya em Mianmar, incluindo 28 crianças, a maioria espancada até a morte.

  • ADI AL-HALABI/AFP

    A existência de terrenos férteis para o terrorismo

    Os dados do Global Terrorism Index (Índice do Terrorismo Global - ITG) 2015, divulgados pelo Instituto para a Economia e Paz (IEP), mostram que, em nível global, os maiores atentados terroristas estão associados a guerras civis, Estados falidos e áreas em que um grande número de pessoas foi deslocada. "Dez em 11 países mais afetados pelo terrorismo também têm as mais altas taxas de refugiados e de deslocamento interno. Isso destaca a forte interconexão entre a atual crise de refugiados, o terrorismo e os conflitos", afirmou Steve Killelea, presidente-executivo do IEP. O documento mostra ainda que, avaliando os padrões de atividades terroristas entre 1989 e 2014, 88% de todos os ataques aconteceram em países que estavam experimentando ou envolvidos em conflitos violentos.

    "Como em sociedades colapsadas é fácil conseguir adeptos e doutriná-los ideologicamente, o EI se aproveitou do colapso social e político na Síria, em decorrência da guerra civil, e no Iraque, em razão da reconstrução do Estado realizada pelos norte-americanos, para ganhar força e adeptos, o que permitiu a conquista de vasto território nesses países", explica Aguilar.