Com 82,6 milhões de filiados, Partido Comunista Chinês inicia transição política

Do UOL, em São Paulo

  • Goh Chai Hin/AFP

    Delegados ouvem discurso do presidente da China, Hun Jintao, durante sessão de abertura do 18 º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, no Grande Palácio do Povo de Pequim

    Delegados ouvem discurso do presidente da China, Hun Jintao, durante sessão de abertura do 18 º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, no Grande Palácio do Povo de Pequim

Enquanto todos os holofotes estavam voltados para a eleição que define o novo presidente dos EUA, outra troca de comando que vale a pena acompanhar acontece do outro lado do mundo. O Partido Comunista chinês iniciou, nesta quinta-feira (8), seu 18º Congresso Nacional, que acontece de dez em dez anos, para anunciar os novos dirigentes máximos do país e do partido que tem 82,6 milhões de membros (para 1,3 bilhão de habitantes).

A cerimônia, que é realizada no Grande Palácio do Povo de Pequim, junto à praça Tiananmen, reúne 2.200 representantes eleitos pelos membros afiliados e deve confirmar as substituições do atual presidente Hu Jintao pelo vice, Xi Jinping, e do premiê Wen Jiabao pelo vice-premiê, Li Keqiang. A transição oficial, no entanto, acontece só em março de 2013, na sessão anual do partido.

Em seu discurso de abertura da sessão, Hu Jintao pediu mais reformas democráticas no país. "A reforma da estrutura política é uma parte importante das reformas globais da China. Devemos continuar nossos esforços, ativa e prudentemente, para prosseguir na reforma da estrutura política e ampliar a democracia popular", declarou o presidente chinês.

Além do novo presidente e líder do partido, o Congresso define os próximos líderes a ocuparem sete dos nove cargos do Politburo, o principal organismo da estrutura de poder da China e responsável por decidir as questões mais importantes do país. Os novos eleitos serão escolhidos pelo Comitê Central.

Xi chegará ao poder ao término de um ano complicado para o PCCh. Fundado em 1921, em Xangai, o partido que completou 90 anos em 2011 foi marcado por escândalos e denúncias de corrupção no último ano, como o caso Bo Xilai, o maior escândalo político do país, e as revelações sobre a fortuna acumulada pela família de Wen Jiabao. 

A boa imagem do primeiro-ministro chinês, apelidado de "Wen yeye", ou "vovô Wen", pela sua preocupação com os mais pobres, foi abalada depois que o jornal "The New York Times" publicou uma reportagem sobre a fortuna acumulada pelos parentes de Wen --US$ 2,7 bilhões (aproximadamente R$ 5,4 bilhões)--, entre eles sua mulher, Zhang Beili, chamada de "a rainha dos diamantes", em razão de seu controle sobre esse comércio. Segundo o jornal, a família aproveitou a posição de Wen para fazer negócios, o que causou grande decepção entre os chineses.

Já Bo Xilai, um dos mais populares dirigentes chineses, foi excluído do partido e está aguardando seu julgamento por corrupção e abuso de poder, envolvido no assassinato do empresário britânico Neil Heywood por sua mulher, Gu Kailai.

Isso sem contar o caso de Liu Zhijun, ex-ministro das Ferrovias, acusado de corrupção. Liu foi nomeado para chefiar o Ministério das Ferrovias em 2003 e demitido em 2011 por causa de "sérias violações disciplinares". Alvo de uma investigação judicial, ele pode ser condenado à morte.

As etapas do Congresso

Aly Song/Reuters
O congresso será aberto nesta quinta-feira (8) e está previsto para terminar no dia 14. Ele começa com uma avaliação dos resultados da última reunião do partido, em 2007, e dos últimos cinco anos de governo chinês.

Depois, serão avaliados os informes da Comissão Central de Disciplina e as emendas à Constituição do partido. 

A escolha dos novos dirigentes começa com a eleição dos novos representantes do Comitê Central e da Comissão Central de Inspeção de Disciplina, quando serão decididos os novos presidente, primeiro-ministro e secretários.

No dia 14, serão anunciados os novos membros do Comitê Permanente e os integrantes do Politburo, o alto escalão do partido. Na China, esses grupos seguem limites rigorosos de idade, o que impõe a troca de nomes. 

Desafios

O novo presidente herda uma China em plena mudança, que pretende manter sua posição de segunda economia mundial, atrás dos Estados Unidos, e que forma parte dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, ou seja, país essencial na busca de acordos em questões como as da Síria, Irã ou Coreia do Norte.

Os desafios do novo líder vão desde conter a crise de credibilidade pela qual passam as autoridades chinesas, devido aos casos de corrupção, a enfrentar a crise econômica sem enfraquecer o país.

Segundo a previsão do FMI, o país deve sofrer um abrandamento da economia, registrando crescimento de 7,6% para o segundo semestre de 2012, a menor taxa desde 1990. Antes, o país contava com a previsão de crescimento de 9,2% para este ano. Já para 2013, a estimativa do FMI é de que o país cresça 8,5%.

Potência marítima em ascensão, a China mantém firme suas reivindicações em litígios de fronteiras marítimas com Japão, Vietnã, Filipinas ou Brunei, no âmbito de uma rivalidade crescente com os Estados Unidos no Pacífico.

Quanto aos direitos humanos, o país continua sendo alvo de críticas. Um primeiro teste para o novo líder será o caso do prêmio Nobel da Paz 2010, o intelectual e dissidente Liu Xiaobo, preso desde 2008 por ter se manifestado favorável à realização de eleições multipartidárias e da liberdade de expressão no país.

Em visita ao Japão, o líder espiritual Dalai Lama fez um apelo ao novo líder chinês contra a censura no país. "A era Hu Jintao acabou. Xi Jinping vai ser o novo presidente. Acho que não há alternativa salvo se ocorrer uma mudança política. O futuro presidente não terá outra opção a não ser aceitar a mudança nos próximos anos", disse.

Com relação aos casos de corrupção, o porta-voz  do partido, Cai Mingzhao, disse que a China aprendeu uma lição "extremamente profunda" com os casos recentes e vai tornar o combate à corrupção uma prioridade juntamente com uma nova reforma. Contudo, a reforma política a que Cai se refere "teria de ser realista", já que o sistema atual da China, de governo de um partido, não estava em debate.

"Nosso país é uma sociedade em transição, o fenômeno da corrupção acontece facilmente e com frequência, e é uma tarefa de longo prazo e difícil para o partido (resolver)", disse Cai em uma entrevista coletiva no Grande Salão do Povo de Pequim, na véspera do início do Congresso.

A corrupção entre dirigentes chineses e o enriquecimento extravagante das elites locais ou nacionalistas criam uma imagem que, para os mais críticos, "faz o PCCh parecer uma máfia que distribui, entre os membros de diferentes famílias, os frutos do formidável crescimento chinês e das rendas garantidas", disse o jornal francês "Le Monde". Já para outros, o partido soube hábil e eficientemente retomar o caminho da China, em nome do “crescimento e estabilidade”, duas palavras-chaves no regime.

O novo líder

O provável sucessor de Hu Jintao à frente do Partido Comunista, Xi Jinping, 59, é vice-presidente do Estado chinês desde 2008 e é uma figura pouco conhecida pelo grande público. Ficará à frente de um partido com 82 milhões de membros até 2017, e depois até 2022.

Xi estudou engenharia química e passou a servir como secretário pessoal do então ministro da defesa Geng Biao. Sua carreira política começou como vice-governador em 1999, tendo sido promovido a governador anos depois.

Em 2002, Xi assumiu a administração do partido em Zhejiang, uma província na costa sudeste da China. Ele entrou no Comitê Permanente do Politburo em 2007 e, em 2008, tornou-se vice-presidente do país. Em 2010, ele também foi promovido a vice-presidente da Comissão Militar Central do PCCh e da Comissão Militar Central da China. Ele também é presidente da Escola Central do Partido.

Embora não fosse a primeira opção de Hu Jintao --que preferia transferir o cargo para o vice-primeiro-ministro Li Keqiang--, o nome de Xi acabou aceito porque atendia a todas as facções do partido.

Xi é casado com Peng Liyuan, famosa cantora folk da China, com quem tem uma filha, Xi Mingze, que estuda na Universidade de Harvard, nos EUA. É o segundo casamento do político.

Ele será o sexto líder máximo da República Popular da China, depois de Mao Tse-tung (1949-1976), Hua Guofeng (1976-78), Deng Xiaoping (1978-92), Jiang Zemin (1992-2002) e Hu Jintao (2002-2012).

Novos representantes

Fora os cargos de presidente e primeiro-ministro, a nova composição do alto escalão do partido ainda é desconhecida. Dezenas de cargos importantes que serão distribuídos durante o Congresso continuam sendo disputados nos bastidores. Os três homens mais poderosos do país --o ex-presidente Jiang Zemin, o atual presidente, Hu Jinato, e Xi, o sucessor-- tentam minimizar disputas entre facções, e fontes dizem que eles já definiram uma lista de candidatos preferidos para o Comitê Permanente do Politburo. Mas especialistas em China dizem que o plano deles ainda pode dar errado.

"Acho que teremos surpresas desta vez. A negociação é um processo muito complicado", disse Cheng Li, especialista em política chinesa do Instituto Brookings, nos EUA, à agência Reuters. "Quem está de fora não tem ideia. Provavelmente só temos 20% de noção do que está acontecendo. Haverá mudanças de última hora, possivelmente até no Comitê Permanente", completa.

A lista de candidatos preparada por Jiang, Hu e Xi já contém pelo menos uma grande surpresa, a omissão de Wang Yang. Líder do partido na província de Cantão (sul da China), ele é visto por muitos no Ocidente como um partidário de reformas políticas e era cotado para integrar o primeiro escalão. Sua omissão pode estar indiretamente vinculada ao fim da carreira política de outro ex-favorito ao Comitê Permanente, Bo Xilai.

"Algumas pessoas dizem que ele [Wang] é o Bo Xilai da direita, e que o partido está igualmente preocupado com essa pessoa", disse Wang Zhengxu, pesquisadora da Escola de Estudos Chineses Contemporâneos da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, em entrevista à Reuters. 

Quanto ao futuro do atual presidente, Hu Jintao não sairá totalmente de cena. Fora da presidência, ele pode ganhar a liderança da poderosa comissão militar do PCCh e manter, deste modo, sua influência no cenário político chinês. (Com agências internacionais)

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