Topo

Não pode torcer contra governo Bolsonaro para "ganhar o poder", diz Haddad

25.nov.2018 - Fernando Haddad em sua casa, durante entrevista à Folha de S. Paulo - Marlene Bergamo/Folhapress
25.nov.2018 - Fernando Haddad em sua casa, durante entrevista à Folha de S. Paulo Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

28/11/2018 22h22

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT-SP), que perdeu o segundo turno da eleição presidencial para Jair Bolsonaro (PSL), disse nesta quarta-feira (28) acreditar que, se o futuro governo “der errado”, o PT pode vir a ganhar uma eleição, fazendo referência ao pleito de 2022. Mas ressaltou que não se deve torcer para que o governo do seu adversário falhe para “ganhar o poder”. 

“Você não pode ficar torcendo para um governo dar errado para você ganhar o poder. A melhor coisa do mundo é você ganhar de quem está indo bem, porque mostra que você foi melhor na sua mensagem”, disse o petista durante palestra na Universidade de Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos.

E completou: “Se der errado, é possível que o PT possa ganhar uma eleição, mas não é assim que a gente deve trabalhar, a gente deve trabalhar com a hipótese de eles darem certo e de a gente dar mais certo do que eles”.

Leia também:

Haddad está em viagem pelos Estados Unidos anunciada por ele na semana passada. O ex-prefeito foi convidado a participar do lançamento de uma coalizão internacional progressista idealizada pelo senador americano Bernie Sanders e pelo ex-ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis, dia 1º de dezembro, em Nova York. Nesta quinta, ele fará nova palestra na cidade americana.

Durante o evento “Brazil Talk: O Brasil após as Eleições”, na Universidade de Columbia, Haddad evitou fazer críticas diretas a Bolsonaro, centrando sua palestra nos desafios da esquerda como um todo diante do crescimento de “governo fascistas ou de extrema-direita”.

Chegou a afirmar entender o que o futuro ministro da Relações Exteriores, Ernesto Araújo, quis dizer quando mencionou a relação entre marxismo e Revolução Francesa, o que causou polêmica pelo anacronismo, dado que Karl Marx nasceu anos depois do episódio.

“Nosso futuro chanceler está dizendo que o ocidente que ele preza não é o da Revolução Francesa, que ele classifica como uma revolução marxista, que aconteceu algumas décadas antes de o Marx nascer. Fora a brincadeira, eu até entendo o que ele quis dizer, porque o socialismo se apropriou de ideias da revolução francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. Então ele está fazendo uma confusão anacrônica, mas que faz algum sentido”, disse.

Fazendo referência ao ensaio "Trump e o Ocidente” publicado por Araújo em uma revista do centro de estudos do Itamaraty, Haddad diz que o futuro chanceler fala “coisas interessantes”, mas que o discurso dele é contra a visão moderna de democracia.

“Por que ele fala da Grécia? Porque na Grécia a democracia era direta e era uma democracia da maioria, não tem esse negócio de direito de minoria. Na democracia antiga, não existe esse conceito. Se uma tribo resolvesse adorar um deus e dissesse ‘em nome da minha liberdade vou desrespeitar esse deus [o deus adorado pela comunidade] (...), não podia fazer isso”, disse.

E completa: “democracia grega e romana não dialoga com a liberdade moderna, com os direitos civis e políticos”, diz. 

Moral, bons costumes e religião

Durante sua palestra, Haddad tocou diversas vezes na temática da religião e de como o discurso da moral e dos bons costumes influenciou, segundo ele, o resultado das eleições no Brasil.

“O discurso da moral e bons costumes teve um peso muito significativo, tanto que as fake news versavam na sua grande maioria sobre isso. Certamente havia alguém monitorando e vendo que dava certo, porque ninguém gasta dinheiro sem saber se estava dando certo ou não”, disse fazendo referência velada à reportagem da Folha de S. Paulo que denunciou esquema de disparos em massa de mensagens contra o PT via WhatsApp.

Para ele, assim como aconteceu com as jornadas de 2013, quando milhões de pessoas foram às ruas em protestos motivados inicialmente contra o aumento da tarifa do transporte público, o PT não estava preparado para o que aconteceu na última semana antes do 1º turno. “Ele não tinha uma experiência para aquela ofensiva que definiu a eleição. Tentamos recuperar o prejuízo, conseguimos em parte no segundo turno, mas o resultado já estava dado”, disse.

“O PT tem que se preparar para esses novos tempos e não falo só do PT, falo da esquerda em geral”, diz.

Questionado sobre a importância do voto dos evangélicos nas eleições deste ano, Haddad afirmou que o casamento entre igreja e política “é complexo”. “Hoje tem um fenômeno de crescimento no neopentecostalismo no Brasil. Um dos erros é imaginar a incompatibilidade disso com projeto generoso de sociedade”, disse completando que “não é verdade que o diálogo é impossível”